O Brasil tem muita reserva de mercado, por Manfred Dasenbrock

“As cooperativas de crédito podem fazer diferença
em relação à avareza do mercado bancário tradicional.
Quem consegue equilibrar atendimento,
preços e relações com clientes são elas”

São Paulo — Com taxas de crescimento acima do que vêm apresentando os bancos tradicionais, as cooperativas de crédito vão aos poucos ganhando mais espaço no sistema financeiro brasileiro e poderão ser uma das ferramentas do Banco Central para pressionar as grandes instituições a reduzirem as taxas de juros em várias modalidades, especialmente cheque especial e cartão de crédito. Na última quinta-feira, por exemplo, o Banco Central (BC) anunciou que as cooperativas poderão receber depósitos de municípios. Para isso, terão de aprovar esses contratos previamente com os associados e atender a requerimentos prudenciais. Em 2017, as cooperativas conseguiram crescer 15% em crédito bancário, chegando a um volume total de R$ 92,5 bilhões, 9,2 milhões de associados (como são chamados os clientes) e 5,8 mil pontos de atendimento. Apesar das taxas vigorosas de crescimento, têm apenas 4,6% dos depósitos do Sistema Financeiro Nacional, com R$ 129 bilhões. Parte desse desempenho é atribuído à instituição pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), em 2013, do Fundo Garantidor do Cooperativismo de Crédito (FGCoop), que nivelou as condições de competitividade com os bancos comerciais, já que passou a proteger correntistas e investidores.
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O Sicredi, sistema que reúne 116 cooperativas de crédito é a segunda maior operação nesse mercado. Está em 21 estados e acaba de desembarcar em Brasília. Em 2017, chegou a R$ 51,3 bilhões de total de depósitos e R$ 45,3 bilhões de operações de crédito, com uma taxa de crescimento na casa dos 20%. Manfred Alfonso Dasenbrock, presidente da holding Sicredi Participações, trabalha com uma previsão de crescimento da operação entre 18% e 22%, apesar das inseguranças provocadas pelo cenário eleitoral ainda muito incerto. Para o executivo, a economia tem conseguido se descolar dos escândalos políticos e seguido sua própria trilha. O que preocupa mais é a reação dos grandes bancos em relação a essa expansão. “O Brasil tinha muita reserva de mercado e ainda tem”, alerta. A seguir, trechos da entrevista.
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As cooperativas de crédito ainda têm condições de manter taxa de crescimento como a vista nos últimos anos?
O potencial no Brasil ainda é muito grande. Apesar de ser uma atividade centenária, estamos falando de um movimento novo no país. Faz cerca de vinte anos apenas que os bancos cooperativos, o Sicredi e o Bancoob, foram criados. A partir daí, as cooperativas passaram a ter uma identidade própria. O Brasil tinha muita reserva de mercado e ainda tem, mas algumas mudanças na regulamentação da atividade têm ajudado no crescimento. Uma delas foi normatizada na quinta-feira e possibilita que as cooperativas operem com prefeituras. Os avanços vêm acontecendo. Foi assim com a captação de recursos da poupança, depois, com a permissão para a livre admissão, por meio das cooperativas abertas. Gradativamente as barreiras foram superadas e se construiu a confiança, junto com o Banco Central, na relação nossa por meio de confederações.
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Como as cooperativas se posicionam em relação aos bancos tradicionais?
As cooperativas de crédito podem fazer a diferença em relação à avareza do mercado bancário tradicional. Quem consegue equilibrar atendimento, preços e relações com os clientes são elas, que no Brasil passam de 1 mil e que abrangem um contingente de cerca de 9 milhões de pessoas associadas. O potencial é grande. As cooperativas estão crescendo acima da média de mercado e isso vem acontecendo há pelo menos 10 anos em número de clientes, de ativos, de captação e de créditos. Em parte, isso vem acontecendo por causa da regulamentação no Brasil, que é muito boa. Somos cooperativas de crédito, mas temos um banco para fazer essa interligação com o sistema financeiro e com o Tesouro e outros agentes, mas sem o risco de desvirtuar para o sistema bancário tradicional. Estamos abarcados em uma marca única, com regras padronizadas e um sistema prudencial muito técnico, com a profissionalização da gestão e da parte administrativa. Chegamos recentemente a cidades grandes, como São Paulo e Curitiba, e, na última semana, a Brasília. Só não crescemos a uma velocidade maior porque somos responsáveis por garantir pessoas preparadas para atender quando vamos abrir uma nova agência.
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Qual papel as cooperativas podem ter na tentativa do governo de baixar os juros cobrados pelos bancos?
O papel é fundamental. Não temos o mesmo tamanho dos agentes tradicionais, que detêm essa concentração de mercado. Hoje são 1.200 comunidades atendidas pela rede do Sicredi, com cerca de 1.600 agências. Em 201 municípios, a única opção de agência é do Sicredi. Tem praças onde se vê o domínio das cooperativas em relação a esses bancos concentrados, com 40%, até 50% de participação de mercado. Com isso, o que se vê nessas comunidades é um achatamento dos juros porque a cooperativa está presente e equilibra esse processo por não ser avarenta, como no caso dos bancos. Parte do que o associado investe ou paga de taxas volta para ele à medida que o resultado é gerado.
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As cooperativas podem ter um protagonismo maior?
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É possível imaginar juros mais baixos?
Nós temos no Brasil um problema cultural em relação à taxa de juros. Por exemplo, se o cheque especial está em 6%, mas nós vamos praticar 3%, o cidadão prefere não oferecer garantia e permanecer no cheque especial por causa da taxa mais baixa. Para nós, o caminho é investir em educação financeira e no atendimento que permita orientar para o melhor uso do crédito, com linhas mais adequadas do que cheque especial. Não queremos que o associado parcele o cartão de crédito, mas, se tiver necessidade de crédito, que vá buscar um outro produto para escapar do endividamento.
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“Quando se cresce 20% ao ano, muita coisa tem de ser feita em um espaço de tempo curto. Atrelado a isso, estão alguns custos que temos no Brasil, por exemplo, relacionados à segurança por conta do problema de violência”
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Como estão os planos de expansão?
Temos conseguido atender quem já está no sistema seja qual for o tipo de demanda, como crédito rural e crédito especial. No caso do cheque especial e do cartão de crédito, o percentual é bastante baixo de utilização por parte dos associados. Nossa previsão de crescimento é de 18% a 22% nos ativos. Dentro dele, o crescimento de crédito está acima desse percentual. E a base de clientes não cresce nesse mesmo percentual, mas na faixa de 10%. A procura pelo crédito está melhor neste ano do que nos dois últimos anos.
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A política econômica tem influenciado na tomada de decisão?
Todos os esforços que vemos por parte do BC tanto nas políticas quanto nas normativas estão voltadas na direção de segurar a inflação, que é a principal ameaça à capacidade de compra do assalariado, além da redução da taxa Selic, algo que é fundamental para estimular o investimento. Mas é claro que o mercado brasileiro tem uma cultura inflacionária difícil de cortar. Quando sobe a inflação, muita gente fica contente, porque aumenta a concentração, mas isso também gera um sentimento de aumento da pobreza. Como cooperativa, fazemos um papel importante nesse contexto.
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O que falta para as cooperativas conseguirem aumentar sua participação no mercado?
Temos um arcabouço regulatório muito bom. O que nos falta é tempo para amadurecer. Quando se cresce 20% ao ano, muita coisa tem de ser feita em um espaço de tempo curto. Atrelados a isso, estão alguns custos que temos no Brasil, por exemplo, relacionados à segurança por conta do problema de violência. São ataques a caixas eletrônicos e ameaças a transporte de valores que impactam na conta.
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As cooperativas pretendem dar mais trabalho aos bancos tradicionais?
É um desafio dizer isso abertamente porque depois eles vêm nos atacar. Mas nas discussões estratégicas de qualquer sistema, é assim que a concorrência funciona. Temos uma energia muito grande voltada para atender à necessidade dos sócios e nossos esforços têm sido grandes em treinamento de pessoal e formação de liderança para que eles defendam a cooperativa tanto quanto o acionista defende uma S.A. Queremos que o nosso cliente goste da cooperativa. Se gostar, vai ser fiel a vida inteira. Que seja fiel, que goste da gente e de preferência que não goste dos outros. Isso também se faz com a oferta de serviço e a proximidade com os associados. Nós não temos histórico de agências fechadas, todos os outros bancos têm. Fecham da noite para o dia e simplesmente vão embora. Há um envolvimento dos agentes das comunidades onde atuamos na defesa das agências de cooperativas porque eles sabem que sem elas haverá exploração e que terão mais dificuldade sem poder contar com o atendimento feito por pessoas.
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O ano de eleições pode influenciar nos planos do Sicredi?
Temos andado à margem da questão política. Aqueles que fazem parte da economia se encheram um pouco dessa questão toda que diz que todo mundo rouba. Descolaram da política e do que tem sido revelado pela Operação Lava-Jato. A preocupação no nosso caso é outra, com um olhar interno para melhorar os serviços e garantir a estratégia de expansão. Nossa estratégia é ter uma atuação regional com presença nacional. Estamos seguindo firmes e otimistas nessa direção. As eleições com certeza vão segregar, dispensar alguns e chamar outros para melhorar o princípio da ética no Brasil. Mas o importante é que política econômica tem andado à margem da outra política. Esses pilares econômicos, como controle da inflação, política monetária forte, com dólar flutuante e outros temas correlatos parecem estar em uma boa direção. Independe de quem for o presidente, se não houver retrocesso, nós acreditamos em um futuro melhor. A formação do nosso parlamento acontece no primeiro turno. Já a escolha do presidente, a gente sabe que é um jogo de união de forças. O cooperativismo tem um trabalho muito bem organizado, com uma frente parlamentar que entende o nosso negócio. Torcemos para que os bons possam se reeleger e os novos possam vir a contribuir. Somos apolíticos, temos pessoas nas nossas cooperativas de todos os partidos. Estamos otimistas de que a limpeza começou, que teremos um parlamento melhor e que a limpeza continuará. E que venha um caminho mais ético pela frente.
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“Nossa estratégia é ter uma atuação regional com presença nacional. Estamos seguindo firmes e otimistas nessa direção”
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Por dentro do Sicredi
  • 3,7 milhões de associados
  • 1.582 agências
  • 116 cooperativas de crédito
  • 22,8 mil funcionários
  • Presença em 21 Estados e Distrito Federal
  • R$ 80,3 bilhões de ativos
  • R$ 13,1 bilhões de patrimônio líquido
  • R$ 51,3 bilhões de total de depósitos
  • R$ 45,3 bilhões de operações de crédito
  • Única instituição financeira em 201 municípios
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Manfred Alfonso Dasenbrock é formado em administração de empresas, com pós-graduação em marketing e MBA em gestão empresarial, Manfred Alfonso Dasenbrock é presidente Holding Sicredi Participações e da Central PR/SP/RJ. Acumula ainda o cargo de conselheiro de administração do Fundo Garantidor das Cooperativas de Crédito e do Conselho Mundial das Cooperativas de Crédito (Woccu).
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Fonte: Correio Brasiliense

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