Financiamento agrícola com pouco calote, lucrativo e com custo reduzido – sem subsídio do governo. Sim, isso é possível no Brasil. É o que mostra uma cooperativa do interior paulista, a SICOOB Credicitrus.
Assim como ocorre com muitos agricultores brasileiros, a rotina do produtor Alcides Abade Filho, de 63 anos, de Terra Roxa, no interior paulista, sempre foi marcada por visitas frequentes a agências bancárias em busca de crédito agrícola. Mas, de uns tempos para cá, o dia a dia do fazendeiro mudou. Ele deixou de bater ponto nos bancos. Os pedidos de financiamento à sua produção – cerca de 1 100 hectares de cana de açúcar e de grãos plantados em São Paulo e Goiás -, que antes ficavam semanas sob avaliação das centrais bancárias e, não raramente, eram negados, passaram a ser liberados em questão de horas. “Hoje consigo todo o crédito de que preciso com mais facilidade e rapidez”, afirma Abade. A vantagem foi conseguida ao concentrar suas operações financeiras na Credicitrus, cooperativa de crédito rural sediada em Bebedouro, na região norte do estado de São Paulo. “Espero nunca mais precisar recorrer aos bancos”, diz Abade. Criada há 26 anos dentro da Coopercitrus, associação tradicional de produtores de laranja, a Credicitrus se tornou a maior cooperativa de crédito do país.
Hoje conta com 42 filiais espalhadas por municípios de São Paulo e Minas Gerais e atende mais de 40 000 cooperados. No ano passado, seu patrimônio líquido superou meio bilhão de reais. “A Credicitrus conseguiu alcançar o sonho de todas as cooperativas, que é construir patrimônio e emprestar com recursos próprios“, afirma Sílvio Giusti, executivo da Organização das Cooperativas Brasileiras. Os empréstimos com recursos próprios representaram mais de 70% do total de 2,3 bilhões de reais em operações de crédito realizadas pela Credicitrus no ano passado.
Com uma gestão eficiente e voltada para as demandas específicas do campo, a Credicitrus desponta como uma alternativa aos velhos mecanismos de crédito rural existentes no Brasil. Por lei, os bancos são obrigados a converter 30% dos depósitos à vista em recursos para o crédito rural, que são ofertados aos produtores a juros subsidiados de 6,75% ao ano. Ainda assim, o montante disponível é insuficiente, cobrindo apenas um terço do necessário para financiar a produção agrícola nacional. Além de escasso, esse volume é concentrado. Na safra atual, o Banco do Brasil responde sozinho por 61% do total de 108 bilhões de reais oferecidos. “Num cenário ideal, deveríamos diminuir nossa fatia no crédito rural brasileiro”, afirma Luís Carlos Guedes Pinto, vice-presidente de agronegócio do Banco do Brasil, e ex-ministro da Agricultura. “A participação maior das cooperativas com recursos próprios é muito bem-vinda.”
A relação estreita com os cooperados é um dos trunfos da Credicitrus. Apesar de oferecer serviços semelhantes, as agências da cooperativa pouco se parecem com as dos bancos. Na matriz, em Bebedouro, há apenas um caixa automático – na agência do Banco do Brasil, que fica do outro lado da praça central da cidade, há nove terminais. Os cooperados são atendidos pessoalmente por dezenas de funcionários e tratados como se fossem donos do lugar. Nessa agência, Abade é cumprimentado pelo nome por onde passa. Sempre participa das assembleias e já viajou em excursões de turismo organizadas pela cooperativa. “Somos uma comunidade”, diz.
Como a Credicitrus conhece cada um de seus clientes, resulta que a inadimplência é baixíssima – uma média de 0,97% de atrasos acima de 90 dias, ante 5,3% na rede bancária. É um índice que contrasta com a má fama geral dos agricultores brasileiros. Calotes frequentes e rolagens de dívidas que ultrapassam 20 anos geraram um passivo total estimado em 87,5 bilhões de reais no campo. “O produtor rural brasileiro não é mau pagador”, afirma Raul Huss de Almeida, presidente da Credicitrus. “A questão é oferecer a ele condições compatíveis com suas necessidades.” A administração do relacionamento com os financiados permite à cooperativa oferecer, sem ajuda do governo, empréstimo a um custo 30% abaixo da média do mercado.
As agências de classificação de risco elevaram sua nota no ano passado para A2, sinal de uma operação segura. Com a riqueza que conseguiu acumular – em 2009, o lucro foi de 64 milhões de reais -, a Credicitrus ainda é uma exceção no cenário das cooperativas de crédito brasileiras. A maioria delas, com patrimônios irrisórios, funciona meramente no repasse do crédito rural subsidiado. Mas é possível seguir um caminho diferente – melhor para os produtores e para o país.
Fonte: Revista Exame