“o cooperado está para sua cooperativa
como o dono de um restaurante
que almoça na sua própria empresa
e faz o registro para posterior acerto com o seu sócio.
É uma relação peculiar, que traz consigo uma série de características próprias:
correta inclusão social, acesso a serviços escassos, desenvolvimento local etc.”Marco Aurélio Almada
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Como sociedade de pessoas, a vida de uma cooperativa tem por base o processo democrático, a participação e a tomada de decisões pela maioria do quadro social. Apesar disso, não seria possível que os executivos consultassem a todos os associados ou promovessem uma assembleia geral sempre que fosse necessária uma tomada de decisão. É para isso que os associados devem escolher seus representantes legítimos quando da eleição do conselho de administração, delegando a estes os poderes definidos no Estatuto Social, com o papel principal de analisar, decidir e acompanhar os rumos da cooperativa, em nome de todos os associados.
Um dos grandes desafios do cooperativismo financeiro é fazer com que os associados realmente assumam a cooperativa como sendo sua, exercendo seus direitos e deveres na plenitude, e não apenas usufruindo dos produtos e serviços que lhes convêm.
Ao efetuar a movimentação na sua cooperativa, os associados fortalecem a empresa que foi criada especificamente para suprir algumas necessidades que antes eram atendidas por outras pessoas ou empresas, os chamados intermediários, e que tinham como objetivo único auferir lucratividade sobre esses negócios. Na atualidade, praticamente todas as pessoas que têm vida profissional/econômica ativa necessitam de uma instituição financeira para apoiá-las em seu dia a dia, pagando tarifas, comissões e/ou juros em troca dos produtos e serviços que lhe são oferecidos.
A pergunta que deve ser feita é por que gerar lucros para outras pessoas físicas ou jurídicas (os acionistas dos bancos), se é possível economizar parte desse valor como dono da própria instituição financeira, por meio da associação a uma cooperativa financeira?
Essa é a visão de uma cooperativa financeira vista pelo ângulo das oportunidades e benefícios.
Responsabilidades de um associado
Muitas são as pessoas que aderem à proposta do cooperativismo analisando apenas o ponto de vista das oportunidades e benefícios, esquecendo-se das responsabilidades.
Em uma cooperativa, o associado exerce três funções distintas: ele é ao mesmo tempo dono, investidor e usuário da instituição.
Do ponto de vista das responsabilidades, é possível elencar vários pontos que demandam maior atenção:
- cooperativismo e assistencialismo não combinam: uma cooperativa não existe para “ajudar” os associados; e sim, para fazer negócios com estes, garantindo que todos os associados em igualdade de condições tenham acesso aos produtos e serviços nas mesmas condições de prazos e taxas (equidade). Os negócios devem ser benéficos e justos para a cooperativa e para os associados, e não apenas para os associados individualmente;
- o associado, enquanto dono, não pode ter visão imediatista, mas sim, de longo prazo. Deve também pensar no bem comum de todos os associados, e não apenas em vantagens para si mesmo. Deve estar claro para os associados que o fato de ser dono não lhes dá o direito de prejudicar os demais associados da entidade. Uma cooperativa é uma sociedade de pessoas que tem como objetivo atender necessidades comuns de todos os associados, e não as necessidades específicas de um associado;
- o associado, demonstrando visão negocial, deve compreender que a cooperativa deve buscar resultados positivos para poder evoluir e crescer, mantendo-se assim competitiva diante dos grandes conglomerados econômicos e financeiros. Nesse aspecto está inserida a necessidade de fortalecer os fundos sociais e estatutários da cooperativa;
- deve estar clara na mente do associado a resposta para as seguintes perguntas: a quem compete fazer a cooperativa crescer? Somente aos conselheiros e colaboradores? Como o associado pode auxiliar no crescimento e desenvolvimento saudável da cooperativa? Na maioria dos casos os associados não percebem que o crescimento da cooperativa deve ser de seu próprio interesse e não apenas do conselho de administração, dos executivos e dos colaboradores;
- a cooperativa é uma empresa. Sendo assim, concorre com outras empresas do mesmo ramo. Essa é uma discussão interessante de ser promovida com os associados, visto que muitos demonstram não ter a real dimensão da importância de seu voto quando da eleição do conselho de administração e fiscal da cooperativa. Qual o perfil das pessoas que devem ser eleitas para administrar essa empresa? Que conhecimentos e habilidades são necessários? Quais os requisitos mínimos a serem exigidos?
- quando, em uma assembleia, os administradores dizem que a cooperativa está bem e que teve um montante de sobras recorde, a quem eles estão se referindo? Quem é a cooperativa na visão do associado/usuário? A pergunta é: os associados de fato comemoram e se sentem inseridos na vida da cooperativa? Talvez caiba aqui uma sugestão àqueles que conduzem reuniões com associados: não seria o caso de eliminar das reuniões a expressão “nós” (nós atingimos, nós inauguramos, nós…)? Será que, ao ouvir os relatos do presidente ou executivo, os associados entendem que o “nós” é “a cooperativa”, e não apenas um pequeno grupo de pessoas (conselheiros, diretoria e colaboradores)? Recomendável seria que nas palestras, assembleias, reuniões e outros eventos públicos, o “nós” fosse substituído por “a cooperativa”, deixando claro a respeito de quem está se falando e com isso aproximando os associados das conquistas e realizações;
- e, para finalizar: o associado, ao demandar um produto ou serviço financeiro, dá preferência para fazer a negociação com sua cooperativa financeira em detrimento de um banco em que ele também possui movimentação? Usando uma analogia, se você, leitor, for proprietário de um supermercado, onde você costumeiramente fará suas compras, no seu próprio estabelecimento ou em uma grande rede de supermercados? E se você, como investidor no mercado acionário, possuir ações de uma empresa listada em bolsa de valores, de qual empresa você será cliente (ou fazer suas compras)? Da empresa da qual você é acionista/dono ou do seu (próprio) concorrente?
Participação do associado na vida da cooperativa
Todos esses pontos e reflexões são para chamar a atenção para o tema “participação do associado na vida da cooperativa”, demonstrando o universo de oportunidades que existem para ser trabalhadas junto ao quadro social. São pontos que, provavelmente, foram bem trabalhados quando da fundação da cooperativa, mas que, com o passar do tempo e com o renovar de gerações, impactados pelo ingresso e saída de associados, de conselheiros, de executivos e de colaboradores, foram ficando esquecidos e/ou deixados de lado no discurso diário, sempre havendo ganhos de participação quando essas discussões são resgatadas em assembleias, reuniões com grupos de associados, ou mesmo no dia a dia do atendimento/relacionamento.
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Fonte: Trecho extraído da obra “Cooperativismo Financeiro, percurso histórico, perspectivas e desafios”. Editora Confebras, 2014. Autores Ênio Meinen e Márcio Port
Márcio Port é atualmente presidente do conselho de administração da Central Sicredi Sul/Sudeste.
Ótimo texto. Argumentos muito bem fundamentados. Documento básico para inspirar e guiar ações educativas do associado. Fortalece a consciência da necessidade, cada vez maior, da educação cooperativista.