Cooperativismo de Crédito na Espanha » O Case de Mondragón, na Espanha

Na 1ª quinzena de junho/2010 um grupo de executivos do SICREDI teve a oportunidade de conhecer o Case de Mondragón, considerado como o mais expressivo modelo cooperativo do mundo. O grupo participou durante 5 dias do Seminário de Cooperativismo ministrado em Otalora. O conteúdo abaixo é a síntese do conteúdo assimilado na ocasião.

Segundo Mikel Lezamiz (foto ao lado), Diretor de Disseminação Cooperativa da MCC, os países que mais visitam Mondragón são os EUA e o Brasil.

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A Mondragón Cooperative Corporation (Mondragón Corporación Cooperativa – o MCC) é um grupo de produção industrial e de empresas de distribuição sediadas no País Vasco (norte da Espanha) e também no resto de Espanha, bem como no estrangeiro. É considerada a maior cooperativa de trabalhadores do mundo.

O Complexo Cooperativas de Mondragon é um exemplo mundialmente famoso por sua capacidade de reunir 120 empresas sob forma de Cooperativas, sendo 87 industriais, 1 de crédito (Caja Laboral), 1 de consumo (Eroski), 4 agrícolas, 13 cooperativas de pesquisa, 6 de serviços em consultoria e 8 cooperativas de educação. São associados das Cooperativas apenas seus trabalhadores que atualmente somam 93 mil pessoas. Na essência todas as cooperativas de Mondragón são Cooperativas de Trabalho que possuem produtos e serviços diferentes entre si.

Mondragón é o 7º grupo econômico da Espanha, com vendas em torno de 13,6 bilhões de euros e resultado de 792 milhões de euros em 2007.

Fundação e História

A empresa foi fundada em Arrasate-Mondragón, uma cidade em Gipuzkoa, no País Basco, norte da Espanha, distante 400Km de Madrid (veja o mapa ao lado). A cidade sofreu imensamente durante a guerra civil espanhola, assistindo-se a um elevado nível de desemprego. .

O municípío tem aproximadamente 22 mil habitantes, dos quais estima-se que atualmente cerca de 70% da população economicamente ativa trabalhe em cooperativas do grupo MCC.

Em 1941 um jovem padre católico, José María Arizmendiarrieta, chegou à Mondragón e decidiu focar-se no desenvolvimento econômico da cidade, tendo por base os métodos cooperativos para conseguir os seus objetivos. Já havia na região uma tradição de organizações cooperativas e de auto ajuda, mas foram destruídas com a guerra.

Arizmendiarrieta, muitas vezes chamado apenas de Arizmendi, nasceu em 1915 e faleceu em 1976 e foi um grande defensor do País Vasco, tendo inclusive sido preso e condenado à morte, sendo absolvido mais tarde.

Em 1943, o padre Arizmendiarrieta fundou uma escola politécnica democraticamente controlada. A escola desempenhou um papel chave no ressurgimento e no desenvolvimento do movimento cooperativo transformando-se no que atualmente é a Mondragón Unibertsitatea (Universidade de Mondragón), uma cooperativa de 2º grau formada por 3 cooperativas singulares, sendo que cada uma delas oferece um dos 3 cursos existentes: Engenharia, Economia e Pedagogia.

Em 1956, cinco graduados novos da escola fundaram a primeira empresa, denominada Talleres Ulgor (agora Fagor Electrodomésticos), representando a junção das iniciais dos seus sobrenomes. Nos primeiros anos dedicaram-se à produção de aquecedores e de fogões. No final da década de 50 e início da década de 60 a revitalização da economia espanhola estimulou o desenvolvimento da empresa e das demais que foram criadas. Apesar da Ulgor não ter sido constituída logo em sua origem como uma empresa cooperativa, logo em seus primeiros anos foi transformada em uma cooperativa.

  • Atualmente a FAGOR Eletrodomésticos tem 8.400 sócios trabalhadores e é a 5ª maior fabricante européia de produtos da linha branca (fogões, geladeiras, …) sendo que na França detêm aproximadamente 25% do mercado de países como Espanha, França, Marrocos e Polônia. É também líder européia em máquinas de indução.
  • Das vendas totais 40% são na França, 29% na Espanha, 5% na Polônia e 3% na Alemanha.
  • A FAGOR Eletrodomésticos possui 2 plantas de distribuição na França e 1 na Espanha.

Em 1959, foi fundada a “Caja Laboral Popular”, uma cooperativa de crédito com o objetivo de permitir aos associados das cooperativas então existentes o acesso aos serviços financeiros e o também o fornecimento de fundos para a constituição de novas cooperativas, à exemplo da “Fagor Electrônica”, a “Fagor Ederlan” e a “Danobat”. Neste período entendeu-se também por convidar outras cooperativas para se juntarem ao grupo, oferecendo-se também o apoio necessário a algumasempresas com dificuldades econômicas na condição de se transformarem em cooperativas. As empresas do grupo dão a preferência às “suas irmãs”. Posteriormente a Caja Laboral passou a ser, além de instituição financeira, o eixo de suporte às demais cooperativas oferecendo consultoria e estruturação de parcerias.

  • No início, os trabalhadores das cooperativas controlavam as finanças das cooperativas através da“Caja Laboral”, que tem também seguros de saúde e fundos de pensão na Cooperativa “Lagun Aro” (empresa que em 2010 tinha EUR 4 bilhões em fundos) e que também foi criada em1959.
  • Atualmente todos os salários dos sócios das cooperativas são pagos através da Caja Laboral.
  • Até 1982 apenas podiam movimentar com a Caja Laboral os sócios da cooperativa (atualmente em torno de 2.000 pessoas), sendo que após esta data permitiu-se a movimentação por parte de pessoas apenas como clientes (em torno de 1,2 milhão).
  • A Caja Laboral é atualmente a 2ª maior Cooperativa de Crédito da Espanha, administrando US$ 30 bilhões em ativos em aproximadamente 400 pontos de atendimento.
  • Leia mais sobre a Caja Laboral no artigo sobre o Cooperativismo de Crédito na Espanha.

Em 1966 foi criada a Alecop (www.alecop.com), uma cooperativa educacional (nível técnico) que tem como objetivo a formação dos alunos através do estudo e do trabalho. A Alecop produz equipamentos didáticos voltados para alunos dos setores automotivo, mecânico e elétrico.

  • Em jun/10 a Alecop possuia 50 sócios trabalhadores, que a mantém atividade empresarial, e 320 sócios escolares, sendo que 100 trabalhavam na própria Alecop e 220 em outras cooperativas.
  • “O importante não é o que fabricamos e sim o que somos, uma cooperativa escolar”.
  • A Alecop dá condições para os alunos trabalharem no turno contrário à que frequentam a Universidade. A renda auferida (EUR 6.000/ano para 4 horas diárias) permite o pagamento da universidade (EUR 3.000 a 4.000/ano para 5 horas diárias).

Em 1969, 10 cooperativas de consumo decidem agrupar-se e fundar a Eroski (www.eroski.es), uma Cooperativa de Consumo que atualmente tem 2.350 pontos de vendas e 48 mil funcionários, dos quais aproximadamente 9 mil são sócios-trabalhadores. A rede Eroski conta ainda com mais 500 lojas franqueadas da marca.

  • Em 1981 surgem dentro dos supermercados a Eroski Viagens.
  • Em 1993 é criado o 1º hipermercado que tem também posto de gasolina integrado.
  • Em 2009 a Eroski tinha 661 mil sócios de consumo.

Em 1974 é criada a Ikerlan, Centro de Investigações Tecnológicas, que tem como objetivo estudar e desenvolver novos produtos, geração e uso racional de energia e desenho do ciclo produtivo dos produtos.

Em 1981 foi criada a Saiolan – Centro de Empresas e Innovación de Mondragón, empresa do grupo MCC mas que não cria exclusivamente cooperativas. A Saiolan surgiu na Universidade de Engenharia (Escola Politécnica). Em 1987 foi criado um fundo na Caja Laboral para o desenvolvimento de novas empresas.

  • Atualmente um projeto de inovação é administrado pelo governo do País Vasco que participa no projeto com uma verba a fundo perdido de EUR 60.000, desde que o empreendedor também invista com EUR 30.000.
  • A expressão “saiolan” significa “ensaio de trabalho” na língua euskera.
  • A Saiolan desenvolve no País Vasco um trabalho semelhante ao SEBRAE brasileiro.

Até 1991 a divisão empresarial da Caja Laboral era a empresa “mãe” do grupo, tendo fomentando a criação de novas cooperativas e responsabilizando-se pela criação da cultura hoje existente no grupo. Neste ano, foi criada a MCC (Mondragón Corporación Cooperativa) que passou a exercer este importante papel criando regramentos para os fundos comuns que geram o funding necessário para esta expansão. Até aquele momento a Fagor Eletrodomésticos era o “pai“, visto que as novas cooperativas normalmente produziam equipamentos para esta. Da divisão empresarial da Caja Laboral foram destacadas 120 pessoas para fazer o trabalho de fomento junto à MCC.

  • Atualmente a Caja Laboral não possui mais a divisão empresarial, focando-se apenas nas atividades bancárias típicas de uma instituição financeira.

O Grupo Mondragón baseia sua atuação nos princípios cooperativos e na forte intercooperaçãoentre as diversas cooperativas que o compõem e que se complementam.

A política da MCC é de manter as cooperativas focadas no que ela é especialista e, em havendo a necessidade de produzir internamente algum novo componente, antes adquirido do mercado, cria-se uma nova cooperativa com este propósito específico. Esta política foi a impulsionadora do fato de atualmente existirem 120 cooperativas no grupo MCC.

  • Os supermercados da Cooperativa de Consumo Eroski são abastecidos por caminhões pertencentes às cooperativas. Os membros podem ter estudado em “ikastola” e prosseguido os seus estudos na Universidade de Mondragón, tendo ao mesmo tempo um estágio numa cooperativa.

Quando uma cooperativa tem um problema econômico, os trabalhadores preferem fazer cortes nas despesas do que a proceder a demissões. Se a situação for muito ruim, os trabalhadores excedentários são integrados noutras cooperativas do grupo temporariamente.

Atualmente o Grupo Mondragón vem buscando a internacionalização (abertura de mercado em outros países além da Espanha). Prova disto é a compra em 2005 pela Fagor Eletrodomésticos da maior marca francesa de eletrodomésticos, a Brandt. Parte do valor investido nesta aquisição foi com recursos do Fundo MCC para novos investimentos.

Porque buscar a internacionalização?

A internacionalização (expansão em outros países) é a forma que a MCC encontrou para continuar crescendo. Crescer para quê? Esta é uma questão interessante para reflexão. Ocorre que ascooperativas evitam ao máximo demitir seus funcionários (os donos das cooperativas), mesmo quando atingem idade avançada, ou perdem produtividade ou por outros problemas.

Por outro lado é necessário buscar a inovação constante, ainda mais que a maior parte das cooperativas industriais trabalham com produtos de alta tecnologia, com alto valor agregado. Exemplo disto é que praticamente todos os carros brasileiros possuem algum componente produzido por alguma cooperativa da MCC.

Mas como buscar a inovação constante se a medida que os anos passam as equipes de trabalho vão envelhecendo, “ficando para trás” das novas tecnologias? A resposta é: buscar o crescimento constante, através da internacionalização, permitindo que com este crescimento sejam contratadas pessoas novas que tragam consigo novas tecnologias.

Talvez seja este o motivo de que muitas empresas do grupo MCC, essencialmente as que ficam fora da Espanha, não são constituídas em forma de cooperativas. Constituindo-as em forma de “empresas normais” permite-se a renovação das equipes sempre que necessário, sem o compromisso de manterem-se os sócios por tempo indeterminado. Estas empresas de outros países passam a ser fornecedoras de novas tecnologias para as empresas localizadas na Espanha, como é o caso de uma filial da Fagor que fica na Tailândia e que tem 270 empregados, aproveitando-se a mão-de-obra barata e também a criação de novos produtos.

Princípios Básicos

A experiência cooperativa da Mondragón segue 10 princípios básicos, três a mais do que a Aliança Cooperativa Internacional (ACI):

  1. Educação: para implantar os demais princípios cooperativos é fundamental a dedicação das pessoas.
  2. Soberania do trabalho: a experiência da MCC considera o trabalho o principal fator transformador da natureza, da sociedade e do próprio ser humano.
  3. O carácter instrumental e subordinado do capital: o capital social é subordinado ao trabalho e é necessário para o desenvolvimento empresarial, devendo sua remuneração ser justa, adequada e o valor mínimo para ingresso na cooperativa não pode ser um limitador para a livre adesão.
  4. Organização Democrática: as cooperativas são conduzidas pelos seus sócios, valorizando a prática do “um sócio, um voto”.
  5. Livre adesão: desde que respeitados os princípios definidos não poderão haver discriminações religiosas, posíticas, étnicas ou de sexo, por ocasião do interesse de adesão de um novo sócio.
  6. Participação na Gestão: Além de ser uma organização democrática em sua essência, as cooperativas devem buscar a autogestão e a participação dos sócios no âmbito da gestão empresarial.
  7. Solidariedade Retributiva: os salários devem ser suficientes, de acordo com a realidade da cooperativa, devem ser equivalentes com os salários de outras empresas da região e internamente devem respeitar o limite definido entre a remuneração mínima e a máxima (6x).
  8. Intercooperação: dá-se através das relações entre cooperativas do mesmo ramo de atividade, reunidas nas divisões, com compartilhamento dos resultados, transferência dos sócios-trabalhadores. A intercooperação deve ocorrer também com outras cooperativas do grupo MCC, do País Vasco e do mundo.
  9. Transformação Social: tem como objetivo buscar a construção de uma sociedade vasca mais livre, justa e solidária.
  10. Caráter Universal: a MCC é solidária a todos os que trabalham pela democracia econômica no âmbito da Economia Social, com objetivos de Paz, Justiça e Desenvolvimento.

Como forma de estimular a participação dos associados nas Assembléias, existe a prática de que cada associado pode representar a si mesmo e a mais 2 associados na assembléia. Se alguém não participar da assembléia do ano atual fica impedido de votar na assembléia do ano seguinte.

  • O controle desta “logística” é feito a partir do envio dos convites das assembléias para cada associado que deve obrigatoriamente trazer o convite consigo por ocasião da assembléia.
  • No caso do associado ser representado na assembléia por outro sócio, este deve levar consigo o convite do associado a ser representado, havendo um campo no convite que deve ser preenchido indicando esta representação.

O grupo MCC adota integralmente o princípio da Intercooperação, tendo como seus pilares:

  • Educação: aproveitando o ganho de escala das 120 cooperativas trabalha-se a educação de forma centralizada através da Otalora.
  • Financeiro: o compartilhamento dos resultados das cooperativas através da formação dos fundos da MCC demonstra a interligação entre as empresas do grupo.
  • Social: a preocupação com o bem-estar social pode ser comprovada com a política de evitar ao máximo as demissões de associados em períodos recessivos, realocando-os para outras cooperativas.
  • Inovação: a pesquisa e o desenvolvimento são fortemente trabalhadas pelas 13 cooperativas de pesquisa do grupo MCC. Para manter-se a competitividade hoje existente é necessária a inovação constante em todas as empresas do grupo.

O funcionamento da Mondragon Corporação Cooperativa

Na essência, cada uma das cooperativas integrantes do MCC é uma “cooperativa de trabalho e …(algo mais)”, como é o caso da Caja Laboral que é uma “Cooperativa de Trabalho e Crédito”. Esta descrição é em decorrência do fato de que os sócios de cada uma das cooperativas são apenas seus próprios trabalhadores, podendo associar-se complementarmente alguma outra cooperativa também integrante do grupo MCC, no entanto não sendo admitida a associação de terceiros, mesmo no caso da Caja Laboral que é uma Cooperativa de Crédito.

Por tratar-se de um grupo que congrega 120 empresas cooperativas e 93 mil sócios trabalhadores existe a necessidade de definir-se requisitos básicos para participar da MCC:

  • Não promover a concorrência interna no grupo;
  • Ser uma cooperativa de trabalho;
  • Aceitar movimentações de pessoas entre cooperativas – este dispositivo é utilizado para o caso de alguma cooperativa ter excedente de pessoal, evitando-se assim que hajam demissões. As pessoas excedentes são direcionadas para alguma outra cooperativa que tenha demanda de pessoal;
  • Converter um percentual de suas sobras na divisão setorial à qual pertence – de 15 a 40%, sendo:
    • 10% em Fundos da MCC com o objetivo de promoção de investimentos em novos projetos
    • 2% em Fundos da MCC para educação
    • 2% para o Fundo de Solidariedade, que tem o objetivo de custear perdas de outras cooperativas do grupo e que pode custear até 50% das perdas auferidas no ano
  • Adotar o padrão de distribuição de sobras do grupo
    • 10% para o FATES
    • 45% para o Fundo de Reserva
    • 45% para os sócios
  • Adotar como capital social mínimo de ingresso para novos associados o valor de EUR 14 mil.

Mesmo com toda esta regulamentação, a MCC não interfere na gestão das cooperativas. A proximidade da MCC com a cooperativa dá-se principalmente através da gestão dos fundos compartilhados.

Apesar de existir a previsão de transferências de pessoal entre as cooperativas do grupo (item 3 acima), em havendo necessidade de reduzir-se a mão-de-obra do grupo, procede-se primeiro à redução da quantidade de horas trabalhadas pelos trabalhadores, mantendo-se os salários inalterados. No final do ano, 80% das horas não trabalhadas são indenizadas pela Lagun Aro (Cooperativa de Seguros) e os restantes 20% são pagos pelos sócios.

Se ainda assim existir a necessidade de promoverem-se desligamentos (demissões) são seguidos os seguintes critérios:

  1. mantêm-se os descapacitados (portadores de necessidades especiais);
  2. mantêm-se os com trabalho de maior qualidade;
  3. dos que permanecem, demite-se os com menos tempo de serviço.

Quanto à questão salarial, na MCC nenhum sócio percebe salário maior do que 6x o valor do menor salário daquela mesma cooperativa. Existem alguns casos em que um trabalhador especializado ganhe salário maior do que 6x, mas nestas situações ele não pode ser sócio da cooperativa, sendo um trabalhador normal.

Na formação das cooperativas da MCC existem vários tipos de associados:

  • Sócios trabalhadores: são os empregados das cooperativas. Apenas estes tem direito à distribuição das sobras das cooperativas;
  • Sócios de consumo: como é o caso dos associados da Eroski (Cooperativa de Consumo);
  • Sócios escolares: situação dos alunos das coopertivas escolares;
  • Sócios beneficiários: como é o caso dos pais de alunos matriculados na Universidade de Mondragón;
  • Sócios colaboradores: terceiros que atuam de alguma forma junto às cooperativas, apoiando as atividades das mesmas.

Esta mesma formação é encontrada também nos conselhos de adminstração das cooperativas e uma das provocações de Mikel Lezamiz para as pessoas que visitam a MCC é: “porque vocês também não tem colaboradores participando dos conselhos de suas cooperativas? Quem conhece melhor a cooperativa do que os próprios colaboradores?”.

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O Modelo de Gestão Corporativa e a Missão da MCC

Em 1996 quando foi criado o modelo de gestão corporativa, o grupo MCC inspirou-se no modelo de qualidade total, modelo este que foi sendo aprimorado e adaptado à realidade local até criarem seu próprio modelo de gestão.

A missão da “Mondragón Corporación Cooperativa é uma realidade socio-econômica de caráter empresarial com profundas raízes no País Vasco, criada por e para as pessoas, inspirada nos Princípios Básicos de nossa Experiência Cooperativa, comprometida com o ambiente, a melhora competitiva e a satisfação do cliente, para gerar riqueza na sociedade mediante o desenvolvimento empresarial e a criação de emprego, que:

  • se sustenta em compromissos de solidariedade e utiliza métodos democráticos para sua organização e direção;
  • impulsiona a participação e a integração das pessoas na gestão, resultados e propriedade de suas empresas, que desenvolvem um projeto comum armonizador do progresso social, empresarial e pessoal;
  • promove a formação e inovação a partir do desenvolvimento das capacidades humanas e tecnológicas e
  • aplica um modelo de gestão próprio para alcançar posições de liderança e fomentar a cooperação.”

“O modelo de gestão cooperativa da MCC é demonstrado através de um gráfico circular girando permanentemente, que pretende transmitir a inter-relação dos diferentes conceitos que aglutinam e o dinamismo que requer sua colocação em prática e adaptação contínua.

No centro do gráfico e como ponto de partida, estão os Princípios Básicos Cooperativos, que fornecem padrões de comportamento para as Pessoas em Cooperação para colocar em prática os valores da Cooperativa. São estas pessoas que constroem um Projeto Compartilhado e se utilizam de uma Organização Participativa para colocá-lo em prática.

Mas este projeto é realizado em um contexto de produto e mercado, com clientes, fornecedores, aliados, …, no mesmo ambiente em que se desenvolvem os concorrentes. Embora o fato de ser cooperativa proporcione claras vantagens na aplicação dos conceitos mais avançados de gestão, é necessário colocar-los em prática para conseguir ser uma Empresa Excelente.

Os resultados obtidos constituem o principal ponto de partida de evolução da eficácia do modelo de gestão. Não existem empresas excelentes com resultados deficientes. É portanto fundamental adotar um painel de controle adequado, selecionando os indicadores relevantes para comprovar que estamos obtendo bons Resultados Sócio-Empresariais.”

Forma de Associação e o Capital Social:

Todos os novos trabalhadores nas cooperativas no país Basco têm um período experimental de aproximadamente 1 ano. Passado o período de experiência, se conseguirem demonstrar que são bons trabalhadores e se aceitarem o sistema cooperativo, eles podem tornar-se sócios ao investir em capital social o valor de um ano de salário do posto mais baixo da sua cooperativa (em torno de EUR 14.000).

Financiamento do Capital Social: Em casos em que o associado ainda esteja pagando a hipoteca de sua casa ou quando tenha 2 ou mais filhos, o valor do capital social pode ser financiado através de um empréstimo na Caja Laboral, com prazo de 36 a 60 meses, com um juro de 1,25%aa (Euribor).

Destino do Aporte: por ocasião do aporte de recursos na cooperativa por ocasião da associação, 80% do valor é integralizado em Capital Social e 20% é destinado diretamente para o Fundo de Reserva.

Juros ao Capital: Apesar da taxa de juros vigente na Europa (Euribor) ser de atuais 1,25%aa, as empresas do grupo remuneram o capital social dos sócios em 7,5%aa, tornando-o assim um ótimo investimento para os sócios. Em função desta característica, não é permitida a capitalização voluntária, salvo em virtude de necessidade de capitalização da mesma. O pagamento dos juros ao capital pode ser sacado em dinheiro caso o sócio assim o prefira.

Distribuição de Sobras:
Por tratarem-se de cooperativas de trabalho, a distribuição das sobras de todas as cooperativas do grupo MCC são realizadas tendo como parâmetro o salário de cada um dos 93.000 sócios.

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Rateio de Perdas: Em havendo perdas (prejuízo) em alguma das cooperativas, as perdas são compensadas da seguinte forma: 50% deduzidas do fundo de reserva e 50% pagos pelos sócios, sendo que destes a metade sai do capital social e a outra metade deve ser paga em dinheiro.

  • Exemplo: Em 2009 a Fagor Eletrodomésticos teve prejuízo de EUR 4,7 milhões (valor remanescente após receber aporte do Fundo de Solidariedade), sendo que 20% deste valor foi deduzido do Fundo de Reserva e 80% foram deduzidos do capital social dos associados.

Saque do Capital: Já os saques do capital social podem ser realizados por ocasião da aposentadoria (60 – 65 anos), havendo cooperativas que efetuam o pagamento de 25% do total a cada ano (4 anos para saque) e outras que o pagam integralmente no ato.

A destinação das sobras para os Fundos da MCC:om.

Os regramentos da MCC prevêem que parte das sobras anuais devem ser destinadas aos fundos corporativos da MCC. Na prática as destinações ocorrem da seguinte forma:

  • 10% das sobras para o Fundo de Investimentos da MCC
  • 2% para o Fundo de Solidariedade da MCC (para absorver prejuízos de cooperativas do grupo). Este fundo é constituído anualmente e se não for utilizado é devolvido para as cooperativas que efetuaram a contribuição.
  • 20% para o Fundo de Reserva obrigatório
  • 20% para o Fundo de Reserva voluntário
  • 10% para o Fundo de Educação e Promoção Cooperativa (semelhante ao FATES)
  • 2% para o Fundo de Educação da MCC (semelhante ao FATES)

Razões para o sucesso da MCC – Mondragón Corporación Cooperativa

O modelo da MCC é algo que provavelmente não possa ser replicado em nenhuma outra parte do mundo. As dificuldades da época da Guerra Civil aliados à persistência do povo vasco criaram um grande conglomerado financeiro que foi sendo aperfeiçoado com o passar dos anos.

Alguns fatores são elencados por Mikel Lezamiz como sendo chave para o sucesso da MCC:

  1. A liderança que o Padre Arizmendiarrieta tinha: sua visão de futuro, o foco na educação e formação;
  2. A confiança que os fundadores da Ulgor tinham no Padre;
  3. A atuação da divisão empresarial da Caja Laboral no início do desenvolvimento do grupo;
  4. A busca contínua da melhora da direção, empregando 4% da folha de pagamento em gastos em formação;
  5. O crescimento econômico estraordinário que a Espanha teve na década de 60;
  6. O modelo de distribuição de sobras que fortalece o grupo;
  7. O aporte expressivo de capital social feito pelos sócios;
  8. A real intercooperação entre o grupo;
  9. O foco na melhoria da coletividade: gerar riqueza na comunidade e não o de ganhar dinheiro;
  10. O equilíbrio entre a eficiência econômica e o desenvolvimento social;
  11. A estabilidade interna em termos sociais (democracia);
  12. A busca da eficiência econômica;
  13. A organização da MCC em setores depois de 1991.

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A Estrutura da Mondragón Corporación Cooperativa

A estrutura da MCC, representada na tabela ao lado, divide-se nas seguintes áreas:

  • Área Industrial: onde destacam-se as várias fábricas Fagor e da Ulma, cada uma representada por uma cooperativa própria. Na área industrial a produção compreende produtos da linha branca, ramo automotivo, construção civil e também de consultoria para esta área.
  • Área de Distribuição: através do Grupo Eroski
  • Área Financeira: através da Caja Laboral e da Lagun Aro
  • Centros de Pesquisa e Formação: como é o caso de Otalora, a Escola Politécnica, Ikerlan, Ulma, Saiolan e muitas outras.

Universidade de Mondragon – Mondragón Unibertsitatea

A educação, a pesquisa e a inovação foram sempre pilares essenciais do crescimento da MCC, com muitos dos lucros investidos em cada ano na Universidade (com 4.000 alunos), 7 outras escolas cooperativas e 13 cooperativas de pesquisa e de desenvolvimento. A sofisticação e alta tecnologia de centenas de produtos produzidas nas fábricas cooperativas fazem delas entidades muito competitivas em Espanha e no mundo, ganhando por ano um total de € 11 bilhões.

A MCC mantém escolas do primeiro ao quarto nível, além de centros de investigação em pesquisas próprias. Esse processo todo funciona, primeiramente, como um centro de divulgação do cooperativismo e formação de executivos em cooperativismo; e, em segundo lugar, como centro de empreendedorismo, portanto de gestão empresarial. Essa que é basicamente a educação chamada formal.

Significado de algumas palavras:

  • Mondragón = Monte do Dragão
  • Arrasate = Porta da Muralha (fazendo referência à cidade antiga que ficava protegida por uma muralha que tinha 5 portas de entrada).
  • Otalora = Nome da família que morava no vale onde hoje são realizados os cursos de formação cooperativa. O nome otalora em sua tradução significa “flor de aroma”.

Centro de Formação em Otalora: www.otalora.com

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No centro de formação de Otalora são realizados principalmente: cursos de formação diretiva (conselhos), formação técnica e formação cooperativa.

Adicionalmente realizam-se também formações Master (MBA em Administração de Empresas com 560 horas/aula), cursos de extensão (250 horas/aula) e seminários técnicos.

É em Otalora que ocorre o Seminário de Cooperativismo.

Curiosidades:

O País Vasco: Quem visita o norte da Espanha percebe a forte divisão que existe dentro da Espanha. Apesar do território vasco pertencer à Espanha o povo não se considera espanhol, mantendo inclusive uma língua própria, a Euskera.

Conheça um pouco da história do País Vasco:

  • A região ocupada pelos bascos situa-se no norte da Espanha e noroeste da França. Presume-se que o povo basco tenha ocupado a Península Ibérica por volta do ano 2000 a.C. e tenha resistido as constantes invasões sofridas pela região ao longo dos séculos.Apesar da dominação romana, os bascos mantiveram sua língua, costumes e tradições, num processo de constante resistência. A língua basca não tem parentesco com nenhuma outra no mundo e embora seja a língua mais antiga falada hoje na Europa, o vasconço somente constitui-se como língua escrita no século XVI e reforçou o sentimento de união do povo.
  • Entre os séculos XV e XVI a região foi submetida à Espanha, finalizando o processo de formação do Estado Monárquico, que havia sido iniciado com o casamento dos reis católicos Fernando e Izabel.
  • É desta região a “organização” conhecido como ETA (Euzkadi Ta Askatana) significa na língua basca Pátria Basca e Liberdade. Essa organização nasceu como um movimento socialista fundado em 1959 a partir da atividade de vários grupos culturais e políticos que atuavam na sociedade.
  • O desenvolvimento de uma política socialista e ao mesmo tempo nacionalista esteve vinculada a história mais recente do povo basco: durante a Guerra Civil Espanhola (1936-39) a maioria da população basca apoiou os republicanos, aliados naquele momento aos socialistas e anarquistas, provocando violentas represálias por parte dos fascistas, sendo que o episódio mais conhecido foi o bombardeio da cidade basca de Guernica no dia 26 de abril de 1937, quando a aviação da Alemanha nazista lançou bombas incendiárias, matando mais de 1000 pessoas.
  • A ditadura fascista do general Franco reprimiu com grande violência todos os movimentos nacionalistas. No País Basco, o vasconço foi proibido assim como qualquer manifestação política ou cultural dos bascos. O Estatuto de Autonomia que havia sido aprovado pelas Cortes em 1936 foi suprimido. A repressão sobre os bascos contribuiu decisivamente para o radicalismo no interior da ETA e na segunda metade dos anos 60 a organização passou a luta armada, tendo como alvo os membros do aparato de repressão. Sua ação mais espetacular foi o atentado que matou o Primeiro Ministro, Almirante Luiz Carrero Blanco, provável sucessor de Franco, em 1973. Durante a ditadura certos assassinatos políticos tiveram grande apoio popular.
  • Leia mais sobre a história da região clicando aqui.

Com toda esta cultura e tradição regionalista, existem na região 3 tipos de escolas, cabendo aos país decidir em qual delas seus filhos irão estudar:

  1. Tipo A: onde a língua oficial é o Espanhol e existem algumas disciplinas ministradas em Euskera (língua do País Vasco);
  2. Tipo B: existem disciplinas ministradas em espanhol e outras em Euskera.
  3. Tipo C: onde a língua oficial é a Euskera e existem algumas disciplinas ministradas em Espanhol.

Esta divisão na língua pode ser comprovada pelo fato de existirem entre os 3 milhões de habitantes do País Vasco, 1 milhão que falam apenas a Euskera.

10 Comentários

  1. Maravilhoso,bem fundamentado.
    Os países deveriam seguir esse exemplo,com educação,trabalho honesto e inovação o mundo se tornaria bem melhor.
    Parabéns,e que assim permaneçam,crescendo inovando e criando.


  2. Se cooperativismo fosse a saída, os EUA CAPITALISTA seria o último país do mundo em crescimento.

    O ser humano é capitalista, esta na essência.

  3. Pude ter o prazer de ter conhecido esta cidade. Lugar de paisagens incríveis…

  4. PARABÉNS! Tomei conhecimento da Mondragon assistindo uma entrevista do Stedeli aqui no Brasil! Gostaria de atuar como “associado colaborador-voluntário”. Para quem envio o meu currículo? Atuei durante 23 anos consecutivos e ininterrupto na ]Fundação Nacional da Qualidade, como voluntario, em avaliação, capacitação e consultoria implantando sistemas de gestão em todo o Brasil. Empresas de grande porte até micro-empresas e ONGs. Atuei também por cerca de 10 anos na FUNDIBEQ – Premio Ibero-Americano. Agradeço antecipadamente a acolhida da minha solicitação.

    1. Boa tarde, você teria interesse em fazer um curso na Corporação Mondragon?

      1. Boa noite, Isadora! Meu nome é Jacqueline e gostaria muito de conhecer a Corporação Mondragon, sou do CAD da SICREDI PERNAMBUCRED, Coop. de Crédito dos Servidores Públicos no Estado de Pernambuco. Estou indo à Salamanca dia 5 de janeiro de 2018, pelo TJPE, para fazer um curso e desejo aproveitar para realizar o sonho de conhecer a Corporação. Você poderia me informar o melhor meio?
        Muito Grata!

  5. Eu amo o cooperativismo
    Considero ser a forma ideal e única de combatermos: individualismo, desigualdades e diferenças que atingem a humanidade. Uns com tanto, outros sem nada com as mesmas necessidades.

  6. Tive a felicidade de estudar na Mondragón Unibertsitatea. Convênio Secretaria de Emprego e Relações do Trabalho do Governo do Estado de São Paulo / FAO / Mondragón Unibertsitatea.
    Melhor curso que já fiz. Melhor empresa que conhecí.
    Tenho vontade de vontade de voltar lá. Zorionak!

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