Expansão é puxada por estados do Nordeste que respondem por 70% dos tomadores e 65% dos recursos liberados
No ano passado, Elizete Maria da Conceição decidiu por em prática uma ideia que não saia de sua cabeça: transformar a macaxeira, como é conhecida a mandioca no Nordeste, em fonte de lucros. Elizete fazia bicos raspando a raiz na propriedade de terceiros e acreditava que podia dar um fim mais rentável a mandioca que o marido plantava numa gleba dividida com os irmãos. Como não sabia por onde começar, procurou a Acreditar, uma ONG especializada na organização de pequenos empreendimentos e na concessão de microcrédito orientado. Com a ajuda da entidade, montou um plano de negócio, fez um microfinanciamento de R$ 1 mil e mobilizou o marido, a irmã e os sobrinhos (um deles então desempregado) para implantar uma pequena empresa especializada na fabricação de massa de mandioca.
Hoje sete pessoas da mesma família vivem da atividade na pequena cidade de Glória do Goitá, zona da mata de Pernambuco. Excluindo todas as despesas (inclusive o salário acertado com cada membro da família), o lucro mensal oscila na casa dos de R$ 4 mil, que são reinvestidos na empresa. Nem um centavo do dinheiro vai para o bolso de Elizete e seus parentes. Parte do capital já financiou a compra de uma Kombi, que facilita a entrega do produto aos clientes. Agora, a família está se estruturando para fazer uma expansão. “Vendemos tudo e, se produzíssemos mais, teríamos para quem vender”, diz Elizete. “Isso me deixa muito feliz: acreditamos numa ideia e ela deu certo. Agora, vivemos um pouco melhor: no final de semana, podemos ir numa pizzaria, de vez quando, também vamos à praia.”
A ONG Acreditar, Elizete e sua família fazem parte do grupo que sustentam a expansão de um novo segmento das finanças dentro do Brasil: o microcrédito. Como o próprio nome explica, trata-se do empréstimo de pequenas quantias para a criação de negócios igualmente pequenos: a venda bolos, o plantio de hortas, a produção de estamparias. No ano passado, o Programa Nacional de Microcrédito Produtivo do Ministério do Trabalho, que concentra as operações no segmento, contabilizou a concessão de R$ 2,3 bilhões, um valor recorde que representa quase o dobro dos recursos liberados no ano passado.
O desempenho pode ser atribuído ao crescimento desse mercado no Nordeste. Em número de estados representados, a região não chega a ter maioria dentro do progama. São oito em um total de 22. No entanto, são os nordestinos que se destacam. Mais de 70% dos tomadores do programa vivem na região. No começo de 2009, os empréstimos liberados no Nordeste representavam cerca de 60% de o total de operações. No último semestre do ano, essa participação havia subido para 66%.
Em parte, as mudanças econômicas justificam essa liderança. A classe C tem sido a grande beneficiada pelo crescimento vivido na região. As classes D e E, ainda excluídas do mercado formal, buscam alternativas para aproveitar o momento e encontram no microcrédito uma alternativa . Hoje esse segmento da indústria financeira é considero um dos mais eficientes para a erradicação da pobreza. “Com o microcrédito orientado ao empreendedorismo, pequenas quantias não apenas financiam o trabalho e geram renda”, diz Jerônimo Ramos, superintendente de Microcrédito do Santander, que adquiriu o ABNAmro, este último um dos primeiros grandes bancos instalados no Brasil a trabalhar com o microcrédito. “Onde antes havia falta de perspectiva, cria-se um circulo virtuoso de crescimento que se espalha pela economia.”
LIÇÕES DE YUNUS
O uso da microfinança como ferramenta para o desenvolvimento é um fenômeno recente. Seu potencial de combate a pobreza só foi reconhecido formalmente pelas Nações Unidas em 1998. Para promover seu desenvolvimento, o organismo elegeu 2005 como o Ano Internacional das Microfinanças. No mundo, estima-se que hoje há 10 mil instituições operando no segmento. No Brasil, são cerca de 270 – a maioria, Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip) e cooperativas de crédito. O número pode até parecer robusto, mas é insuficiente para atender a clientela potencial. Estudo realizado pelo Banco Central estima que cerca de 35 milhões de brasileiros que ganham até três salários mínimos são candidatos a uma operação de microcrédito.
Quem idealizou o modelo de gestão do sistema e até criou o termo microfinanças foi o economista Muhammad Yunus. “Na Bangladesh dos anos 70, Yunus emprestou 27 dólares para 42 mulheres até então submissas a agiotas e todas pagaram”, diz Jerônimo Ramos, do Santander. “A história moderna das microfinanças começa ali.”
Yunus fundou o Grameen Bank, instituição que se tornou referência na área. Por sua iniciativa, recebeu duas honrarias: o apelido de banqueiro dos pobres e o prêmio Nobel da Paz em 2006. Seu livro “O Banqueiro dos Pobres” inspirou profissionais e instituições ao redor do mundo. O microcrédito tem espaço em alguns países latino americanos, como México, Colômbia e Peru. No Brasil, o segmento ainda é marginal se comparado à movimentação do crédito tradicional. “O microcrédito no Brasil ainda é pequeno porque temos instituições muito fortes que se especializaram a oferecer crédito para o trabalhador formal’, diz Ramos. “Mas as instituições estão aprendendo.”
CREDIAMIGO NA LIDERANÇA
Outro fator para o fato do Nordeste ser destaque é o Crediamigo, braço para o microcrédito do Banco do Nordeste do Brasil (BNB), com sede em Fortaleza, Ceará. Foi lançado em 1998 e cresceu rapidamente, primeiro com apoio de entidades como o Banco Mundial, depois de forma autônoma e rentável. Hoje é de longe a maior instituição do País no segmento de microcrédito. Atende 12 estados – os nove do Nordeste, mais Minas Gerais, Rio de Janeiro e Espírito Santos. Em 2009, atingiu a marca de 530 mil clientes ativos e R$ 500 milhões em carteira. A meta da instituição é chegar a um milhão de clientes até o final de 2011. “O ganho de escala nos possibilita captar recursos a custa cada vez mais baixos que são repassados aos clientes”, diz Marcelo Azevedo Teixeira, gerente de Microfinança Urbana do Crediamigo. “Recentemente conseguimos reduzir os juros a 0,99% ao mês.”
A instituição tornou-se símbolo do setor no Brasil. Presta consultoria internacional na área e seus representantes já estiveram em países como Angola e Cabo Verde, na África. Também recebe visita de funcionários de grandes bancos interessados em conhecer seu modelo. Nessa lista constam até Grameen Bank de Yunus — curiosamente uma das primeiras instituições que foram visitadas por executivos do BNB há mais de uma década quando se decidiu entrar no microcrédito.
O sucesso do Crediamigo representou uma mudança de paradigma na área financeira nordestina. Não apenas fomentou a economia como inspirou a atraiu instituições estrangeiras bem como a criação de instituições locais. No seu rastro a Fin Sol, do México, e o Santander lançou operações na Paraíba e em Pernambuco. “Hoje celeiro do microcrédito brasileiro está no Nordeste”, diz Teixeira, do Crediamigo. “A corrente inverteu-se e são instituições instaladas aqui que exportam tecnologia financeira para Sudeste.”
Fonte: Economia.ig.com.br