Por Ênio Meinen
A governança nas cooperativas de crédito, até por ser um item novo na ordem do dia, é tema em torno do qual ainda não se formou uma convergência suficiente entre os líderes do movimento. Também no âmbito da supervisão oficial o assunto continua em observação, especialmente pela falta de histórico quanto à aplicação prática das formatações admitidas pelo marco regulatório vigente.
Há, no entanto, um ponto sobre o qual parece existir uma espécie de unanimidade: as cooperativas de crédito, na medida em que se expandem no número de associados, no volume de negócios e na complexidade operacional, requerem conselho de administração cada vez mais atuante (protagonista), avocando e liderando assuntos de ordem estratégica no interesse dos associados, e dirigentes executivos cada vez mais capacitados tecnicamente, em condições de conduzir a operação.
E qual o modelo que oferece o melhor ambiente para que tais condições se implementem:
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o monístico, representado por um único órgão, que é conselho de administração no qual o presidente e, normalmente, o vice-presidente também acumulam os cargos de presidente e vice-presidente executivos (não segregação formal entre conselho e diretoria)?
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Ou o dual, com um conselho de administração (responsável pela direção estratégica) formalmente segregado de uma diretoria executiva (subordinada ao conselho, com a responsabilidade pela gestão propriamente dita)?
A resposta poderia ser: depende! Depende do quê? Do nível de preparação e das intenções dos administradores. Tanto um como outro modelos podem ser exitosos (ou não). No primeiro caso (monístico), em que, por definição, há uma maior proximidade do executivo-líder (presidente do conselho, usualmente) com os associados, é menor a probabilidade de ele distanciar-se, no dia-a-dia da operação, dos interesses dos donos do negócio (reduz-se o risco da desmutualização). No segundo (dual), existindo um bom nível de supervisão do conselho sobre os diretores executivos, também se assegura o cumprimento dos objetivos sociais.
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O primeiro modelo (monístico) está devidamente testado entre nós, pois é o que atualmente prevalece por força da Lei Cooperativista. As experiências que temos são boas e ruins. Se tomarmos como referência apenas as dez maiores cooperativas de crédito do país, podemos afirmar que tal desenho é o desejável, pois “vem dando certo”. E nelas – como em outras tantas – a segregação (na prática) do que é estratégico para o que se situa no plano da execução tem sido adequadamente observado. Todavia, em muitos outros casos evidenciam-se problemas sérios de gestão, com repercussão negativa nos números financeiros e distanciamento dos interesses do quadro social, cujo fator adverso principal pode ser atribuído à falta de independência e inatividade do conselho de administração.
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Quanto ao segundo modelo (dual), só agora começa a ser instalado em algumas cooperativas. Apenas mais adiante, portanto, percorrido um período mínimo de experimentação, é que teremos condições de avaliá-lo verdadeiramente, inclusive em comparação com o modelo monístico. Por ora, há apostas a favor e contra. De resto, ainda está em processo de assimilação a leitura (oficial) menos flexível (obrigatoriedade ao invés de mera faculdade) em relação ao art. 5º da Lei Complementar 130, que faz do modelo dual, a contar de 2012, o padrão de governança único para as cooperativas abertas, de empreendedores e as cuja composição do quadro social resulte de vínculo comum a entidades associativas ou ainda seja produto da reunião de múltiplas categorias ou de vários segmentos (Resolução 3.85910, art. 18).
Vale ressaltar que tanto no modelo monístico como no dual os conselheiros e diretores requerem suficiente qualificação para assumir os encargos que os desafiam. No âmbito dos conselheiros, noções sobre governança, direção estratégica, sistema financeiro, cooperativismo (com ênfase no ramo crédito) e integração sistêmica são de imprescindível compreensão. Quanto aos ocupantes de funções executivas – em relação a quem a disponibilidade de tempo para servir à cooperativa é fator inegociável -, a preparação envolve, especialmente, formação acadêmico-conceitual e sólida vivência nos assuntos que permeiam a gestão de uma instituição financeira de varejo, aspectos aos quais se deve somar, como condição diferenciadora e imprescindível, o amplo domínio do que seja um empreendimento cooperativo.
Quanto ao modelo dual, em particular, no que se refere a aspectos pragmáticos da sua aplicação, há ainda algumas dúvidas recorrentes voltadas para a diretoria executiva.
Entre elas:
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quem elege – e substitui – os diretores?
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Quem fixa a sua remuneração?
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Qual o número mínimo de diretores?
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O que acontece com o empregado que é eleito diretor?
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Pode o presidente do conselho de administração compor a diretoria executiva?
As respostas são:
- o conselho de administração;
- a assembleia geral, por força do art. 44, IV, da Lei Cooperativista, que pode estabelecer um montante global honorários e outros benefícios para cada ano de mandato, caso em que o conselho de administração fará o rateio e definirá a forma de pagamento;
- pelo menos dois. A ideia de uma “diretoria” composta de apenas um diretor é de difícil sustentação. Razões:
- a diretoria, por excelência/definição, é órgão colegiado, coletivo;
- com um só diretor é inviável, na prática, a segregação de funções preconizada pela regulamentação vigente (entre a direção estratégica e a gestão executiva);
- considerando a aplicação analógica da Lei das S.As., diante do silêncio das Leis Complementar 130 e Cooperativista, temos naquela a referência da composição plural;
- o contrato de trabalho entre o profissional e a cooperativa, se nenhum movimento for feito, fica suspenso – para direitos e deveres recíprocos – até o dia em que o empregado retomar essa condição (quando deixar de exercer cargo eletivo). Alternativamente, se isso consultar os interesses do empregado-candidato/eleito e/ou da cooperativa empregadora, há a possibilidade de rescisão, desde logo, do contrato de trabalho;
- sim, desde que não seja presidente da diretoria (pode ser diretor-vice-presidente ou diretor com papel específico: administrativo, operacional, financeiro…).
A matéria, como se percebe, revela-se de grande abrangência e comporta muitas indagações. Na obra Cooperativas de Crédito – Gestão eficaz – Conceitos e práticas para uma administração de sucesso, de nossa coautoria (ao lado de João Batista Loredo de Souza), em que são exploradas várias outras facetas do tema, os aspectos aqui prestigiados vêm tratados em mais detalhes. Para quem tiver interesse em acessá-la, poderá fazê-lo através do sítio eletrônico da Confebras (www.confebras.com.br) ou pelo email livros@confebras.com.br.
Enio Meinen é advogado, com 27 anos de experiência no cooperativismo de crédito