Há alguns dias conversava com um presidente de uma grande singular que defendia fortemente a não remuneração do capital social pela Selic. Alegava que conseguia manter esta posição, pois facilmente demonstrava a seus ditos bons associados, que o valor lhes creditado nas sobras era expressivo e que, muitas vezes, superava em muito a remuneração cheia da própria Selic sobre o capital social.
Perguntei se poderia lhe expor as ponderações que levam nossa consultoria a construir uma coerência distinta da dele, pois assim, eventualmente, poderia reavaliar esta sua crença. Fiz as seguintes ponderações:
- a) Perguntei qual era o saldo de seu capital social, e simulamos rapidamente quanto custaria remunerá-lo pela Selic de 2.010. Concluímos que suas sobras seriam 70% menores do que havia divulgado. Comentei então que o ganho líquido (spread) gerado por este funding de origem no capital social é algo substancial, mas inexplicavelmente não custou nada para sua singular.
- b) Comentei que, em média, mais de 20% da base de sócios mantêm cota capital, mas não movimentam a conta corrente, seja por não precisarem, não desejarem, ou mesmo não foram devidamente trabalhados pelos seus gerentes. Disse-lhe também que alguns destes saldos são antigos e de valores expressivos e visando ser mais assertivo, lhe perguntei quanto estes clientes ganharam na distribuição das últimas sobras. Reconheceu que não ganharam NADA nas sobras.
Argumentei então que estes recursos não remunerados de associados inativos deveriam ser devidamente pagos, pois foram utilizados para:
- Dar substancia e rentabilidade a carteira de crédito,
- Ajudar a cumprir e elevar a alavancagem dos percentuais prudenciais na concessão do crédito
- Permitir obter receitas ao “aplicar” na central pelos excedentes de liquidez
- Permitir menores recolhimentos das reservas de contingência sobre os depósitos a prazo e a vista, já que os recursos ali depositados não são marcados quanto a sua origem etc.
Obs: Adiantei a ele que é frágil e incoerente a alegação que esta não remuneração seria um pênalti a estes sócios por não terem “usado” a singular.
- c) O relembrei que até a LC 130 de 2.009, a legislação era frouxa e permitia inúmeras “criatividades” defensáveis, como a de eleger o capital social como um “produto” no rateio das sobras. E que, com base naquele cenário, muitos destes saldos atuais poderiam estar ainda ali “aplicados” a pedido da própria singular com promessas originais de altos ganhos e alta liquidez.
Assim, lhe expus que na sua base, há saldos em cota capital de associados inativos vegetando há quase 3 anos, e que, em breve, seus donos irão se aborrecer ao ver seus saldos inanimados, e pedirão, de forma desconfortável e assertiva, sua saída da sociedade. Sociedade esta que assim atrita o bom senso e os mais básicos conceitos cooperativistas e de governança coorporativa.
- d) Ponderei que desde 2009 – LC 130 – o Capital Social não guarda mais nenhuma proporção com as sobras distribuídas. Ou seja, sobras nada têm a ver com o saldo em cota capital, já que esta não faz mais parte do rateio das sobras. Exemplifiquei, demonstrando que um sócio com R$ 200,00 de capital social e que tenha utilizado muito bem a singular pode ter recebido R$ 10.000,00 nas sobras (ou “remuneração” de X mil % a.a. do capital social na visão deste presidente). Já um sócio que não tenha utilizado as soluções que balizam as sobras, mas com capital social de R$ 20.000,00 pode ter sido remunerado nas sobras em R$ 0,00 (ZERO).
Alertei que sua singular podia ainda ter sido injusta com alguns destes associados que tiveram ZERO nas sobras, caso alguns deles tivessem apenas usados outras soluções não contempladas no rateio das sobras como: serviços (tarifas), consórcio, seguros, câmbio, previdência etc. Algo incoerente, já que são receitas que incrementam as sobras, mas os responsáveis por estas receitas não são reconhecidos. É frágil a alegação que isto é uma tradição ou que ha falta de tecnologia, portanto nossa consultoria ainda procura entender qual a real origem deste vício, já que não mais se sustenta.
Atenção: Mesmo após a orientação legal da LC130, ainda há algumas singulares que teimam em usar de forma criativa o capital social como balizador no rateio das sobras. Um risco desnecessário de gestão, ainda mais se estiver em processo de implementação da “tal” governança coorporativa.
- e) Comentei ser um equivoco alegar que tudo está sereno em sua singular baseado no fato de que seu capital social cresce de forma constante. Argumentei que deveria retirar desta análise as fortes injeções anuais das sobras, as “capitalizações voluntárias” atreladas as liberações de crédito e também os parcos aportes líquidos dos novos sócios. Assim, diante deste cenário, perceberia que a evolução líquida de seu capital social foi irrisória, muitas vezes até menores que a própria inflação.
- f) Orientei que sua verdadeira sobra no ano anterior foi ainda mais irrisória (ou mesmo prejuízo), se considerássemos a despesa para sua singular caso tivesse remunerado o capital social a Selic cheia, utilizando para tanto suas várias fontes de receitas. Pois, este é um custo devido e deve ser computado como despesa pelas Cooperativas de Crédito.
- h) Afirmei que os investidores não aportam capital social em sua singular, haja vista estar legalmente excluído das sobras, ter baixíssima liquidez e não o remunerarem, nem mesmo com a correção da inflação. Portanto é muito mais coerente que apliquem em depósito a prazo, pois este é bonificado nas sobras e tem alta liquidez.
Contudo, ponderei que existe uma pequena parte destes investidores que ainda se sentem tentados pela sorte através do incentivo de aporte ao capital social atrelado a um “bilhete de rifa”. Algo que pode estar minando nossos verdadeiros diferenciais e transformando o capital social em algo efêmero, muito distante da visão saudável de grande pilar da sociedade.
- i) Argumentei ainda que o capital social precisa ser reinventado em sua singular, pois perdeu totalmente sua atratividade à totalidade dos clientes como uma “aplicação financeira longa” que apóia a construção de uma relevante “previdência” para nossos bons, aderentes e longínquos clientes.
Finalizando o papo com o Presidente
Diante das inúmeras ponderações, percebi que o presidente estava mais receptivo. Então lhe pedi que fizesse uma planilha listando os saldos em cota capital em ordem decrescente e na frente de cada um destes valores colocasse o ranking destes sócios quanto a valores distribuídos nas sobras. Adiantei que ficará ainda mais desconfortável ao ver a realidade destes números, pois certamente ela contestará sua “política”, já que não seguirá nenhuma regra aritmética tal qual a correlação defendida originalmente pelo presidente entre capital social e sobras.
Assim sendo, ponderei que sua singular foi injusta ao não remunerar coerentemente o capital social de muitos de seus sócios, inclusive alguns com elevado capital social, antigos e até fundadores. Pois se limitaram a premiar com generosas sobras também muitos sócios com baixíssimos capitais sociais, mas que foram durante o último ano grandes investidores em depósito a prazo ou a vista, ou grandes tomadores de crédito. Reforçamos. Caso a singular tivesse remunerado o capital social, as sobras distribuídas seriam bem menores e assim, menores os valores repassados a cada sócio.
Sugestão ao leitor: adote também este procedimento de construir sua própria planilha para ter mais compreensão da verdadeira dimensão da remuneração das sobras.
Reflexão final com o Presidente:
O presidente ficou confuso com tantos desdobramentos distintos de um mesmo cenário. Prometeu discutir estes temas com seus pares executivos e analisar eventuais mudanças de atitudes, em especial quanto a realinhar seu discurso, esquecendo do discurso de que as sobras serviriam para remunerar coerentemente o capital social.
Contudo, ficou convencido que precisa sempre buscar bons resultados comerciais, inclusive para poder um dia remunerar dignamente o capital social de seus sócios pela Selic.
Faça o mesmo e reveja e redesenhe esta verdade em sua singular. Esta é à hora.
Ricardo Coelho Consult – Consultoria e Treinamento de gestão e comercial para Cooperativas de Crédito – cwww.ricardocoelhoconsult.com.br