Por Ricardo Coelho
Trabalhei em um grande banco de varejo que adotou em 1.995 o valor de R$ 1.065,00 como renda mínima para a abertura de conta para novos clientes, algo próximo a 4 salários mínimos da época. O interessante é que, naquele ano, um motorista de ônibus urbano não podia abrir sua conta, pois ganhava apenas R$ 800,00, ou seja, 84% deste patamar. E ficava ainda mais impossível para o cobrador de ônibus que ganhava apenas 45% deste patamar (R$ 550,00). Três anos após adotar este patamar engessado, os motoristas acumularam correções salariais e passaram a ganhar mais de R$ 1.065,00 podendo então abrir sua conta corrente. E após 5 anos foi à vez dos cobradores terem salários nominais acima de R$ 1.065,00. Este patamar de R$ 1.065,00 ficou congelado por 7 anos (até 2.002), quando passou a representar apenas 2 salários mínimos.
Apesar dos crescentes números de novas contas, o não reajuste por 7 anos do patamar de R$ 1.065,00 mascarou um enorme problema junto à qualidade da base de clientes, já que esta estava sendo inflada, ano após ano, por clientes que não detinham o poder de compra líquido mínimo definido anos antes pelo banco. Para melhor contextualizar o real problema gerado ao banco à época, lembremo-nos que na década de 90 a base da pirâmide social estava sedenta por ter sua primeira conta, de preferência em um grande banco. O mais incrível foi ver como esta grave desatenção em um aspecto tão elementar de gestão, permitiu que o banco comemorasse uma expansão nunca vista de clientes, sem “inexplicavelmente” conseguiu obter receita desta classe de clientes.
Introdução ao tema: Crescimento vegetativo e o Cooperativismo de Crédito:
Conduzir com eficácia uma Singular sempre foi um projeto complexo e audacioso. E esta complexidade tende a se agravar tanto pelas premissas da governança, quanto pelo nosso crescimento no mercado, nossas soluções mais estruturadas e pelo crescimento de nossas áreas de abrangência, mas principalmente pela urbanização e elevação exponencial do grau de informação comercial de nossos clientes e de suas inúmeras opções de escolha
Portanto, estamos apenas começando uma dura e longa batalha e seria imprudente estarmos confortáveis com nossas posições mercadológicas, seja qual for o ranking sinalizado pelos nossos números. Diante da complexidade ardilosa do mercado de varejo financeiro seria prudente acreditarmos que sempre haverá “monstros” esquecidos que surgem das trevas e nos obrigam a rever abruptamente nossas meias-verdades, como a de que o cooperativismo de crédito vive um mercado cativo e com regras mercadológicas próprias.
Equívocos macros da gestão sem o expurgo do crescimento vegetativo
É raro encontrarmos Singulares, Centrais e suas estruturas superiores que tenham o cuidado de divulgar seus números, indicadores e projeções somente após expurgar o efeito do crescimento vegetativo, algo que também presenciei nos seminários cooperativistas de crédito que participei este ano na Espanha e Alemanha.
O não expurgo do crescimento vegetativo acarreta um grande equívoco, já que passam a capitalizar como mérito da atual gestão 100% de toda variação vegetativa de seus números. Este cenário pode ocorrer muito provavelmente por mera desatenção ou até mesmo, em raros casos, pela elevada oportunidade política que este esquecimento potencializa. Vale reforçar que, mesmo que não façamos nada, todos nossos números se inflam de forma autônoma, seja pela correção do poder de compra da sociedade, seja pelos custos de oportunidades nossas e dos clientes, seja pela arbitragem do BC quando define as metas e o custo médio da rolagem da dívida pública etc.
Expurgando o crescimento vegetativo
O não expurgo do crescimento vegetativo afeta inúmeros temas que interessam diretamente nossa à Singular, mas visando dar praticidade ao artigo abordaremos brevemente 10 macros temas. Neles orientaremos quanto à prudência em analisá-los sempre de forma líquida, deflacionando seu crescimento vegetativo.
1º) Depósito a Prazo & Crescimento Vegetativo.
Uma singular que em 31/12/2010 tivesse R$ 1.000.000,00 em depósito a prazo pode ter definido uma meta de crescimento para 2.011 de 20% (R$ 200.000,00). Ocorre que só a correção vegetativa deste saldo pela Selic em 2.011 já será próximo de 12% (R$ 120.000,00). Ou seja, se a singular apenas mantivesse o saldo original já teria atingido 60% da meta. Ou se preferisse, bastaria crescer reais 7% na captação durante o período que a própria remuneração destes novos recursos já se encarrega de preencher o volume faltante.
Fica notório que é algo incoerente acreditar que 20% de evolução ao ano foi resultado comercial, e este recorrente erro tem um impacto enorme na sustentabilidade comercial da cooperativa, em especial nas metas e suas premiações. Este mesmo conceito serve para Fundos, Previdência, Poupança etc. Assim sendo, singulares que definiram crescer em 2.011, 12% a.a. em depósito a prazo, definiram na verdade 0% (zero) de meta. Reveja suas metas dos últimos anos, e passe a desenhar seus gráficos apresentando apenas o crescimento verdadeiro (líquido), e eventualmente verá que o crescimento histórico em depósito a prazo foi negativo ou pífio diante do já divulgado.
2º) Depósito à Vista & Crescimento Vegetativo
Define-se uma meta de crescimento para o saldo em depósito à vista, sem deflacionar a correção do poder de compra de nossos clientes assalariados ou, no caso de empreendedores, a elevação de receita advinda da sua renda, seja ela obtida através de: commodities agrícolas, produção médica, contratos com terceiros, vendas comercias etc. Há algumas categorias que tiveram correção de mais de 10% sobre seus salários no último ano e outros empreendedores tiveram uma correção no valor de venda de seu produto acima de 20% no ano, como alguns agropecuaristas de café, leite etc.
Assim, certamente estes recursos extras advindos destas correções de ganhos irão transitar por sua conta corrente já que há uma grande chance de seja mantida a aderência comercial destes sócios na sua Singular. Portanto, inflarão seu saldo médio na proporção direta de sua elevação monetária. Percebe-se, então, que esta evolução vegetativa não é ganho líquido do “conta corrente” da Singular, mas sim uma correção vegetativa das receitas dos clientes.
Resumindo: somente valores acima deste patamar deveriam ser considerados como ganho líquido, e, portanto só este excedente balizaria o atingimento ou não de metas em depósito à vista. Não podendo, portanto, ser delegada 100% da elevação líquida do saldo médio em conta corrente como fruto saudável da evolução comercial da singular. Caso tenhamos dificuldade em definir qual seria o percentual vegetativo para deflacionarmos o nosso crescimento em depósito à vista, em especial por trabalharmos com vários tipos de profissionais, aconselhamos usar índices que reconhecidamente explicitem a real inflação brasileira, ou outro que demonstre a evolução do poder de compra da população.
3º Crédito & Crescimento Vegetativo
A enorme maioria de seus clientes tem uma vida social tradicional. Certamente terão seus desembolsos sociais anualmente inflacionados e crescentes pelos novos serviços ou majoração dos atuais, sejam eles: IPTU, IPVA, IR, transporte, pacote de serviços, escola, clube, supermercado, padaria, combustível, diarista, restaurante, internet, TV a cabo etc. A isto devemos agregar ainda o fato de que, com o passar da idade economicamente ativa, suas rendas e suas demandas de crédito evoluem. Se isto é fato, então é coerente admitir que sendo ele um tomador de crédito saudável, suas necessidades sociais e sua renda crescem quase na proporção de seus gastos. Donde se deduz que suas demandas por créditos também serão maiores e, portanto, crescem nossos limites alocados e nossos valores emprestados. Portanto, seria incoerente delegar 100% da evolução em crédito a nossa eficácia comercial, já que algo próximo de 20% ou mais não tem a ver com nossos esforços comerciais de elevação líquida de crédito. Mas sim a crescimentos vegetativos de renda e gastos de nossos clientes, suportados por nossas elevações naturais de limites alocados e valores concedidos.
4º) Capital Social & Crescimento Vegetativo
Apenas algumas singulares direcionam 100% do montante a ser rateado das sobras para o capital social. É usual creditar 50% destas sobras em conta corrente e o restante depositarem nas contas capitais dos sócios, totalizando assim o novo capital social da instituição. Percebe-se que neste processo de rateio das sobras não houve um trabalho comercial para aportes voluntários de capital social junto aos sócios e sim um crescimento vegetativo oriundo de 50% (ou mais) destas sobras distribuídas como benefícios aos seus sócios e mantenedores.
Além do crescimento do capital social explicitado acima, é importante frisar que muitas singulares já remuneram o capital social pela Selic, a qual “internaliza” a média da inflação e um expressivo ganho real. Esta remuneração é algo que aplaudimos, já que muito em breve ficará indefensável a não adoção desta propositura. É importantíssimo frisar que após as sobras serem integralizadas, passar-se-á a receber no próximo exercício também o crescimento vegetativo pela Selic sobre este novo saldo, e assim ano após ano. O que em conceito é muito bom, desde que saibamos analisar tecnicamente a exata composição de nosso capital social e quanto disto é esforço comercial. Neste cenário, o total do capital social da singular foi acrescido vegetativamente pela remuneração da Selic, sem nenhuma interferência comercial.
5º) Concentração financeira & Crescimento Vegetativo
Todas as singulares são obrigadas a colocar uma boa parte de seus depósitos à vista e a prazo na centralização financeira como uma medida prudencial, os quais serão remunerados basicamente pela Selic. Ocorre que, pelos motivos já expostos, estes saldos irão crescer vegetativamente e isto irá certamente impactar os saldos e os “ganhos” desta centralização, em especial pela remuneração de juros sobre saldos cada vez maiores nominalmente. Isto tende a ter uma conotação mais complexa, quando estamos diante de singulares com um exagerado excesso de liquidez, pois estes ditos ganhos financeiros tendem a ser cada vez maiores, sem que seja este verdadeiramente um resultado de eficácia comercial. Este cenário se agrava, se a singular estiver captando de forma cara, concentrada e sem ter na sua base clientes que possam dar vazão a créditos de varejo massificado, com segurança, de maneira diluída e a um spread interessante, que permita ganhos e internalize a previsão de risco. Portanto, pode sim uma singular ter dificuldades estando com excesso de liquidez, e este cenário se agravam na proporção direta do seu crescimento vegetativo de seus já grandes saldos captados.
6º) Balizamento de metas & Crescimento Vegetativo
Vemos de forma temerosa algumas singulares e até centrais balizando seus futuros crescimentos com base em saldos brutos nos finais de anos anteriores sem deflacionar o crescimento vegetativo dos períodos anteriores e do exercício futuro. Portanto, definindo de forma nominal as metas de depósito a prazo, depósito à vista, carteira de crédito, receita com tarifas, capital social, sobras etc. Este equívoco já acarretou sérias imperfeições nas análises passadas e assim impactará as projeções futuras, que serão realmente perigosíssimos se também não se considerar o crescimento vegetativo nas previsões de crédito, suas provisões e em suas decorrentes metas.
7º) Tarifas & Crescimento Vegetativo
É usual os gestores adotarem uma vez por ano uma revisão nas tarifas cobradas, em especial no tocante a pacote de serviços, majorando-os muito acima da inflação. Usualmente alegam que estes valores estão baixos, pois só recentemente passaram a cobrar ou porque estão muito aquém do mercado bancário. Olhando os números brutos acredita-se que as receitas com tarifas cresceram verdadeiramente, mas na prática o que houve foi uma majoração unilateral anual e não um ganho líquido com tarifas advindo da eficácia mercadológica.
8º) Redução de Custo & Crescimento Vegetativo
Quanto mais delicada for a condição comercial da Singular, mas veremos gestão com foco na redução das despesas. Neste caso, definem-se metas, tal qual reduzir 10% a folha de pagamento no próximo ano. Ocorre que quando da definição desta meta muitas vezes se esquece que o restante dos funcionários terão um elevação de seus salários de forma vegetativa, que pode chegar a 7%a.a., por exemplo. Assim sendo, não basta reduzir 10% dos custos com base nos valores de 31/12 do ano anterior. Há de se fazer muito mais cortes, para que em 12 meses tenhamos apenas 90% de custo com a folha. Parece algo simples, mas que facilmente esquecemos, e que põe em xeque nossa meta.
9º)Indicadores de Governança & Crescimento Vegetativo
Se o amigo leitor considerar aceitáveis as colocações deste artigo, deve concordar que o não cômputo do crescimento vegetativo traz riscos à gestão. Se traz riscos à gestão, então diretamente afeta os preceitos de governança que tanto buscamos e que ainda não conseguimos ajustar nem medianamente às especificidades de nosso modelo de negócio.
Desta feita, seria prudente que este expurgo fosse tecnicamente considerado como métrica da Governança em seus vários cenários. Por mais que nos embriaguemos com nossos grandes saldos e conquistas comerciais, o “esquecimento” do crescimento vegetativo é algo hiper-temeroso mercadologicamente, já que são enormes seus efeitos negativos nas leituras da sustentabilidade de uma carteira, Pac, Singular, Central, Confederação, Banco e talvez até do próprio modelo de negócio. Neste contexto de “esquecimento” tendemos a uma análise bruta, pouco astuta e nada técnica, algo distante da gestão eficaz e pública apregoado pela governança.
Sugerimos que os temas tratados neste artigo sejam deflacionados dos crescimentos que não sejam realmente méritos da força de venda, e que assim possamos construir indicadores de governança mais acurados estrategicamente, tais como alguns que já expomos em recentes artigos.
10º) Metas & Crescimento Vegetativo
Há uma grande probabilidade de sua singular não ter se atentado para os reais impactos que os crescimentos vegetativos históricos e futuros terão sobre a gestão das metas de sua Singular. Mas, pela coerência matemática, muito provavelmente verá que, na sua grande maioria, diminuirão substancialmente as conquistas já divulgadas. Assim, sugerimos que as metas para 2.012 sejam revistas na íntegra, pois sua manutenção sem o devido expurgo dos mais relevantes crescimentos vegetativos certamente trará sérios transtornos para a sustentabilidade da Singular. Esta correção de rumo nos permitirá aplaudir verdadeiras eficácias comerciais e premiar e motivar devidamente nossos bons profissionais, permitindo buscar a sustentabilidade mercadológica de nossa Singular.
Reflexão Final sobre Crescimento Vegetativo
Diante da severidade advinda da não adoção do expurgo do crescimento vegetativo, aconselhamos analisar seu impacto na quase totalidade de seus indicadores de eficácia comercial, seja quanto a ranking, metas, meritocracia e leituras distorcidas do que divulgamos em nossas recentes AGEs, AGOs e até percebida pelas entidades controladoras.
Orientamos também perseguir para que as sobras a serem distribuídas superem os crescimentos vegetativos, em especial a Selic, pois os sócios precisam sempre ser bem remunerados para que validem a boa gestão dos executivos e vejam prosperando seu investimento em nosso/sua instituição.
Por fim, visando atender os preceitos básicos de transparência e profissionalismo da Governança, sugerimos que sua Singular reveja as prerrogativas atuais de gestão de tal sorte que neutralizem ao máximo os efeitos negativos deste “esquecimento”, já que realmente contaminam o sucesso e a perenidade de nosso modelo de negócio. Portanto, reforçamos que seria prudente refazer seu planejamento estratégico e as metas deles decorrentes explicitadas no plano de ação comercial para o(s) próximo(s) ano(s), retirando destes o impacto dos crescimentos vegetativos.
Ricardo Coelho Consultoria e Treinamento – Consultoria e Capacitação em Gestão Comercial para o Cooperativismo de Crédito –www.ricardocoelhoconsult.com.br