Tomemos por base o cenário da Inglaterra em 1844; a Revolução Industrial em progresso segue desestruturando a organização social de então, lastreada nas atividades rurais e nas dos artesãos. O tear mecânico impactou dramaticamente a tecelagem artesanal, marginalizando os trabalhadores dessa categoria. Do mesmo modo a maquina a vapor, o trem e a eletricidade arrastaram para a disfunção milhões de profissionais. Os reflexos econômicos, sociais e políticos disso a história conta sob a forma de centenas de insurreições, revoluções e guerras, o que fez do século XX o mais violento da história da humanidade, sem contar a violência cotidiana que grassa em todos os recantos do planeta, produtos desta mesma revolução industrial.
Várias propostas ganharam forma prática no sentido de tentar recompor a organização social. A princípio projetaram-se como ingênuas, românticas, reformistas. Os socialistas utópicos, precursores do cooperativismo atual, constituíram-se nas iniciativas maiores dessa natureza de acomodação social pacífica. Os poderosos da época não entenderam o espírito conciliador dos reformistas e impingiram-lhes derrotas amargas. É bem verdade que a inexperiência também contribuiu decisivamente para o fracasso da maioria dessas iniciativas.
A oportunidade perdida logo transformou-se, para muitos em ressentimentos em revoltas traduzidas em motins, revoluções e finalmente em guerras, debaixo das mais diversas bandeiras: stalinismo, comunismo, nazismo, fascismo, integralismo, liberalismo etc. Entre revoluções e contra-revoluções chegamos até os dias de hoje com uma forma de organização fortemente dominante: o CAPITALISMO, seja ele privado ou estatal, de esquerda ou de direita, leigo ou de fundamentação religiosa. O importante é que a revolução industrial gerou um processo contínuo de acumulação de capital, sob a necessidade de construções de fábricas para a produção de mercadorias em larga escala.
De pouca relevância tornou-se saber quem, ao final, está por trás, no controle, desse capital; o fato é que a partir de então, a sociedade passou a se organizar dando excessivamente ênfase a um valor único: o econômico. O alvo permanente dos povos, em desenfreadas competições, passou a ser acumular, cada vez mais, capital. E nesse transcurso a SOLIDARIEDADE, o valor social mais nobre, foi o mais duramente atingido. E nesse ínterim, o Cooperativismo seguiu seu rumo, em trajetória marginal, recolhendo os fracos e abatidos, pinçando-lhes as feridas, mitigando os efeitos do processo de acumulação de capital, inerente à organização social industrial-capitalista.
A ciência e a tecnologia não são neutras, deixam m arcas profundas na história. Contribuem fundamentalmente para o progresso e o conforto da humanidade, sem dúvida: antes, porém, desalojam interesses, desarticulam organizações e métodos, trazendo, por via de consequência, turbulências e desconforto. A humanidade não aprendeu, ainda, a administrar o progresso, de modo que ele ocorra sem dores.
Ainda bem não se acomodaram os conflitos gerados pela revolução industrial, novo surto de revolução tecnológica se instala a partir de meados da década de 70, do século passado. A eletrônica digital – incluam-se aí os computadores e os equipamentos de automação – a biotecnologia, a engenharia genética, os novos materiais, os sistemas de transporte e de comunicações etc. armam, a partir de então, nova revolução em bases reestruturastes em intensidade muitas vezes mais potente do que fora a revolução industrial ao seu tempo. Com um agravante: a revolução industrial atingiu uma população basicamente rural, em ambiente favorável à subsistência, enquanto que a revolução digital IMPACTA uma enorme população, que tem pouquíssimas alternativas viáveis para a subsistência.
Novamente o associativismo, seja sob a forma cooperativa ou outra aqui lhe vier a suceder, surge como uma esperança. Como que num campo de batalha, onde o pelotão de saúde vai recolhendo os abatidos, tentando salvar-lhes as vidas, as cooperativas constituem-se novamente numa saída. Das lideranças cooperativistas esperam-se novas respostas ao desafio presente, um amparo para os deserdados, só que dessa vez: urbanos! Daí a grande responsabilidade de quantos se ocupam com o desenvolvimento das cooperativas (…) educacional, de saúde, de trabalho.
Mito ou não, as pessoas estão convencidas de que a salvação virá do conhecimento. A nova sociedade organiza-se em torno do conhecimento, já que a expressão econômica mostrou-se insuficiente para sua reestruturação. Parece defino: sem o conhecimento não haverá lugar nem oportunidades.
E o cooperativismo? Será o mesmo? Obviamente que não. A forma de organização cooperativa, tal como a praticamos em nosso dias, como é sabido, procede da percepção de necessidades que remontam a meados do século passado. Assim, é natural que as mudanças observadas reflitam sobre a forma de organização cooperativa, transformando-a, renovando-a, fazendo a progredir. Você está preparado para aceitar esta realidade? Ou está inflexível, tentando para o tempo?
Os simpatizantes e os atuantes no movimento cooperativista deverão estar atentos para impedir que conceitos e atitudes superados pela história impeçam o progresso do pensamento cooperativo, que em sua essência constitui na atitude solidária para a solução de problemas comuns a um grupo social.
(…) A atitude cooperante e solidária é o que importa. E já que falamos que estamos no limiar de uma nova sociedade, estruturada sob o domínio do conhecimento, como vocês imaginam uma experiência de compartilhamento dos conhecimentos adquiridos? Como organizar um empreendimento cuja “mercadoria” seja o conhecimento? As empresas de software poderiam ser organizadas sob forma cooperativa? Os cientistas poderiam, também, organizar seu trabalho em bases cooperativistas? E as empresas, poderiam realizar pesquisas e desenvolver produtos em conjunto, colaborando entre si?
Ninguém, nem o maior gênio de todos os tempos, consegue reter um milionésimo de todo o conhecimento de que dispõe hoje a humanidade. Mesmo de cada uma das especialidades é impossível saber-se tudo. O conhecimento pessoal é como o fragmento do mapa da mina: se juntarmos todas as partes teremos mais do que o mapa completo, chegaremos ao tesouro.
Meditem sobre essas coisas. A humanidade está precisando urgentemente de descobridores talentosos como vocês. Será que a sua equipe trará importantes contribuições para a humanidade, como os humildes e probos tecelões de Rochdale?
Geonival Oliveira, autor do Programa Cooperjovem. Oscar César Brandão, Economista e Mestre em Ciência da Informação.