Ao lado do crescimento substantivo em seus principais indicadores (associados, pontos de atendimento e volume de negócios), cuja estimativa aponta para uma expansão média ao redor de 25%, conservando o desempenho ascendente já de toda uma década e possivelmente emplacando novo avanço na participação de mercado, o cooperativismo financeiro brasileiro tem pelo menos um segundo – e principal – motivo para saudar o ano que se encerrou, fator esse relacionado com a sua sustentabilidade no longo prazo.
Com efeito, 2013 figurará com especial destaque na cronologia de marcos relevantes do setor por conta da criação do Fundo Garantidor Único das Instituições Financeiras Cooperativas (FGCoop). Considerando os seus desdobramentos, que em muito ultrapassam o simples – embora não irrelevante – objetivo de salvaguardar depositantes e investidores em casos de insucesso de entidades vinculadas, pode-se dizer que esse passo concreto de intercooperação (societária) identifica um novo recomeço na história recente do movimento.
Estreme de dúvidas, a iniciativa conduzirá à aproximação dos vários subsistemas cooperativos e o grupo de entidades independentes, porquanto seus representantes passarão a reunir-se em um mesmo fórum para discutir diferentes aspectos de interesse comum, com foco na solidez do conjunto dos empreendimentos. Em outras palavras, a solidariedade fará aumentar o interesse pelo diálogo, e nesse ambiente haverão de se descortinar e tomar forma inúmeras oportunidades de fortalecimento intersistêmico, entre elas a atuação conjunta em projetos negociais ou de apoio ao negócio.
Enfim, dado o quadro que já aponta para várias ações de cooperação entre as instituições financeiras convencionais, o que se advoga para o futuro, sob a batuta das lideranças do setor, é a convergência do cooperativismo financeiro em múltiplas frentes (institucionais, estratégicas e operacionais), à luz do que proclama a doutrina e evidenciam as melhoras práticas universais do movimento.
Desafios e oportunidades – No plano institucional, a racionalização do atual modelo de supervisão voltado para as cooperativas, âmbito no qual se estuda a concentração do conjunto das atividades em uma única entidade de atuação intersistêmica (“entidade de auditoria cooperativa”), e a integração da rede de autoatendimento do setor habilitam-se como temas de fundo na agenda do movimento (Informativo OCB 2675, edição de 05-12-13: “Sistema de Supervisão das Instituições Financeiras Cooperativas sairá do papel”).
Ambos os desafios alinham-se aos objetivos do Banco Central na busca de uma maior eficiência da indústria financeira (projeto “Otimiza BC” – Rumos, edição nº 271 – setembro/outubro de 2013), e representarão movimentos relevantes para ampliar a indispensável convergência entre os subsistemas cooperativos, resultando no aumento da competitividade e, por extensão, no fortalecimento do setor.
A par desses propósitos de interesse geral, renovam-se também os desafios usuais relacionados com a disputa de mercado e a necessidade de continuada expansão. Neste particular, duas frentes sugerem especial atenção: de um lado, já contando com um eclético e atraente portfólio de soluções negociais, as cooperativas terão de ser cada vez mais proativas no oferecimento de produtos e serviços complementares à intermediação financeira, diversificando e desconcentrando a matriz de receitas e de resultado. De outro, considerando a ainda baixa escala de associados e o grande potencial de expansão oferecido pela universalidade de acesso, há que se buscar o incremento de beneficiários.
No primeiro caso, sabe-se que um expressivo contingente de associados mantém relacionamento com uma segunda instituição financeira, não cooperativa, tomando da concorrência vários serviços que poderiam, ou deveriam, ser entregues pela sua própria entidade. Essa “infidelidade” – iniquamente dispendiosa (pelo duplo controle e baixo poder de barganha) – poderá ser atenuada por iniciativa da cooperativa, bastando que vá ao encontro do associado e a ele demonstre as vantagens de obter equivalentes soluções em “casa”. A maior aproximação com o cooperado permitirá, ainda, identificar outras demandas não atendidas pelo mercado. A não ser assim, perde legitimidade a propagada enunciação de que a cooperativa é a principal instituição financeira de seu dono!
Quanto à expansão da base de associados, que passa também pela ampliação da rede de atendimento nos médios e grandes centros urbanos e nas regiões Nordeste e Norte do país, há que se ressaltar a abundante oportunidade voltada para o público empreendedor, mais especificamente o pequeno negócio, ainda com inexpressiva representatividade entre os beneficiários das soluções cooperativistas. Além de outros pontos de convergência a justificarem maior aproximação, as micro e pequenas empresas e o empreendedor individual têm em comum com as cooperativas a filosofia de proximidade (ambas são organizações locais), o compromisso permanente com a comunidade (na bonança e na crise) e o viés associativista (na medida em que as MPEs operam sob a coordenação de entidades de classe geridas pelos próprios membros). Ademais, muitas pessoas físicas, proprietárias de empresas, já compõem o quadro social das cooperativas (enquanto, na Pessoa Jurídica, relacionam-se com os bancos convencionais).
Em síntese, o alargamento e a perpetuação do virtuosismo recente do cooperativismo financeiro requerem de seus atores – dirigentes e executivos – o indispensável desprendimento, para acompanhar os movimentos de rearranjo estrutural, próprios de um mercado dinâmico e altamente competitivo, e arrojo, tanto para densificar o volume de negócios com o quadro social atual como para atrair novos cooperados-beneficiários. Esse é o único caminho para o desejado protagonismo concorrencial do associativismo em favor da melhoria da qualidade e da justa precificação dos serviços financeiros entre nós.
Ênio Meinen é advogado, pós-graduado em direito (FGV/RJ) e em gestão estratégica de pessoas (UFRGS) e autor e coautor de vários livros sobre cooperativismo de crédito – área na qual atua há 30 anos –, entre eles “O cooperativismo de crédito ontem, hoje e amanhã”. Atualmente, é diretor de operações do Banco Cooperativo do Brasil (Bancoob).
Fonte: Revista Rumos/ABDE, edição 273 – jan/fev/2014
Sempre bom ler os artigos de Ênio Meinen!!!!