Governança Corporativa: princípios da World Council of Credit Unions – WOCCU, por José Carlos de Assunção

Governaça CorporativaGovernança corporativa para cooperativas ou governança cooperativa apresenta pelo menos dois importantes conceitos no mercado brasileiro. De acordo com o Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), é “o sistema pelo qual as organizações são dirigidas, monitoradas e incentivadas, envolvendo os relacionamentos entre proprietários/cooperados, Conselho de Administração, Diretoria e órgãos de controle (Conselho fiscal, auditorias e outros)”.

Já para o Sistema OCB, a expressão significa “modelo de direção estratégica, fundamentado nos valores e princípios cooperativistas, que estabelece práticas éticas visando garantir a consecução dos objetivos sociais e assegurar a gestão da cooperativa de modo sustentável em consonância com os interesses dos cooperados”.

Inegavelmente os dois conceitos se aplicam a todos os ramos do cooperativismo brasileiro e há a descrição de boas práticas sugeridas especificamente para cooperativas nos dois organismos: Guia das Melhoras Práticas de Governança (IBGC), e manual de Boas Práticas de Governança Cooperativa (OCB).

Seja sistema ou modelo de direção, o posicionamento da governança na esfera estratégica é imprescindível, já que trata da atuação interativa entre assembleia geral, conselho de administração, conselho fiscal e diretoria executiva, além obviamente dos componentes organizacionais a esses órgãos relacionados. Há quem inclusive defenda que o termo deveria ser administração corporativa ou, consequentemente, administração cooperativa, com o que eu concordo, já que governança não é um termo comumente aplicado às empresas no Brasil, como lembra, ao citar F. G. Carneiro, Leonardo Boesche em sua recente dissertação de mestrado intitulada Relação entre Autogestão e Governança em Cooperativas Agropecuárias do Paraná.

É importante que não se perca um detalhe de suma importância que está contido no conceito do Sistema OCB: “fundamentado nos valores e princípios cooperativistas”. É esse componente que diferencia uma cooperativa da empresa comum, portanto governança em cooperativas traz um tempero adicional que precisa ser muito bem administrado.

As cooperativas do ramo crédito contam com uma organização internacional denominada World Council of Credit Unions – WOCCU ou, em português, Conselho Mundial de Cooperativas de Crédito que tem como visão “para expandir e inclusão financeira em todo o mundo por meio da comunidade global de cooperativas de crédito” e como missão “melhorar vidas por meio de cooperativas de crédito”.

A WOCCU tem publicado princípios de governança. Logicamente estão obrigadas ao cumprimento desses dispositivos apenas as cooperativas de crédito que são membros da citada organização, no entanto, por ser um organismo internacional das instituições cooperativas do ramo crédito, é uma referência interessante quanto se fala de boas práticas e, portanto, não pode ser desprezada.

Para a organização WOCCU, a governança é o “sistema desenhado para controlar e distribuir poder dentro de uma organização”, sendo que sua aplicação conta com princípios que são distribuídos em três camadas: a) governança externa; b) governança interna; e c) governança individual. Essa estratificação facilita e muito o entendimento, especialmente a aplicação, dos princípios.

A denominada governança externa engloba os temas relacionados à necessidade de estar em conformidade (cumprimento) aos padrões básicos de transparência, auditoria, relatórios financeiros, estrutura legal e regulatória e aos princípios saudáveis.

Pela governança interna, as cooperativas de crédito devem servir seus membros e privilegiar a característica principiológica de democracia – um membro, um voto – bem como a aderência às regras de funcionamento e ao papel da assembleia geral como órgão máximo da governança.

Já na camada governança individual, cada conselheiro de administração e diretor executivo tem a obrigação de manter conduta ética e profissional e de falarem em uníssona voz a partir das decisões do conselho de administração. Os membros do conselho de administração também devem possuir habilidade e capacidade técnica necessárias ao cumprimento das responsabilidades.

De forma mais analítica, WOCCU estabelece como devem ser aplicadas as três camadas:

Governança externa Governança Interna Governança individual

Transparência

·       O conselho de administração deve comprometer-se com regular e honesta comunicação das atividades aos associados, reguladores e ao público em geral, dentro do espírito de total divulgação;

·       Demonstrações financeiras, em conformidade com princípios contábeis geralmente aceitos e padrões regulatórios locais, devem ser disponibilizadas aos associados e ao público;

Compliance

 

·       Do Conselho de Administração é esperada a integral cooperação com o arcabouço legal e regulatório e o cumprimento literal e do espírito da regulação;

·       O conselho de administração deve assegurar que a cooperativa de crédito atenda os princípios internacionais de segurança e de solidez; bem como quaisquer outras normas relevantes para instituições financeiras;

·       As cooperativas de crédito deem ser submetidas a auditorias externas dentro do prazo de 90 dias após o encerramento de cada ano fiscal;

·       O relacionamento com a auditoria externa deve ser reexaminado frequentemente, devendo ser considerada a mudança do auditor pelo menos a cada 3-5 anos, considerado um processo de escolha competitivo;

Prestação de contas pública

·       O conselho de administração e os diretores executivos devem estar constantemente cientes das responsabilidades para com a governança corporativa, incluindo – mas não limitado a – reguladores, órgãos legislativos, mídia, comunidade e público em geral.

Estrutura

 

·    O conselho de administração deve ser composto por número ímpar, não inferior a cinco e não superior a nove);

·    Deve ser dada atenção à mudança dos administradores;

·    Associados interessados que estejam em conformidade com as regras da camada de governança individual são elegíveis ao conselho de administração;

·    O conselho de administração deve incentivar o diálogo com os associados na assembleia geral ordinária;

·    A assembleia geral ordinária deve ser adequadamente promovida para assegurar a participação suficiente de associados;

 

Continuidade

 

·    O conselho de administração deve estabelecer estratégias para manter a competitividade e a sustentabilidade da cooperativa de crédito;

·    O conselho deve estabelecer plano de sucessão para membros do conselho e diretores executivos que garanta a continuidade da cooperativa de crédito;

·    O conselho de administração deve aprovar plano de administração e recuperação de desastre;

 

Equilíbrio de representatividade

 

·    A composição do conselho deve refletir adequadamente a composição demográfica dos associados e equilibrar as demandas de serviços financeiros;

·    O conselho de administração deve procurar equilibrar a diversidade e experiência, mas todos os conselheiros devem atender aos padrões de governança individual;

 

Prestação de contas

 

·    O conselho de administração é formalmente responsável perante a assembleia geral de associados, que é o órgão máximo de governança;

·    As funções e responsabilidades do conselho de administração, comitês e executivos devem estar claramente estabelecidos no estatuto social ou em outras políticas;

·    É dever do conselho de administração estabelecer a direção estratégica, aprovar as políticas e monitorar a implementação dessas políticas e cumprimento das metas de gestão;

·    É dever dos diretores executivos preparar o plano de negócios e orçamento, realizar operações, implementar as políticas aprovadas pelo conselho de administração e alcançar as metas estabelecidas.

Integridade

 

·     A cooperativa de crédito deve adotar código padronizado de conduta explicando claramente o comportamento adequado;

·     Conselheiros ou diretores não devem ter histórico criminal, falências recentes ou antecedentes penais;

·     Membros familiares imediatos não devem compor concomitantemente o conselho de administração ou a diretoria executiva;

·     Os conselheiros de administração devem se abster de participar de discussões e votações sobre matérias em que eles ou seus familiares tenham potencial conflito de interesse;

·     O conselho de administração deve aprovar empréstimos aos conselheiros ou aos diretores executivos. Todos esses empréstimos internos devem ser deferidos dentro de parâmetros de política de crédito aprovados e regularmente reportados a todo conselho;

·     Diretores executivos com empréstimos com mais de três meses de atraso serão demitidos;

Competência

·     Todos os membros do conselho de administração devem ter educação financeira básica, incluindo a capacidade de interpretar demonstrações financeiras e normas ou comprometer-se a adquirir tais competências por meio de educação ou treinamento dentro do primeiro ano de serviço;

·     Os membros, individualmente, devem ter habilidades financeiras ou de negócios e ou ponto de vista focado na visão do associado;

Compromisso

·     Os conselheiros de administração devem estar dispostos e ser capazes de se comprometerem com o tempo necessário às atividades da cooperativa de crédito e não comparecimento a reuniões pode resultar em demissões;

·     Os conselheiros de administração devem respeitar as decisões do conselho, aderindo a todas políticas adotadas, independentemente da opinião pessoal.

Quadro – Princípios de governança da WOCCU (Obs. Tradução literal do autor)

Nesse momento de avanços significativos na administração corporativa das cooperativas de crédito que inegavelmente já está refletindo em mobilização nos outros ramos, o conhecimento dessa estrutura de boas práticas da WOCCU referenda praticamente tudo que está em implementação pelo Brasil e é mais um incentivo a quem está ainda entendendo que isso não se aplica a cooperativas.

(*) José Carlos de Assunção é Especialista em Administração Rural e em Controladoria e Finanças; 35 anos de mercado financeiro e 23 de cooperativismo de crédito; Certificações: CPA 20; Cobit (Governança de TI); Instituto de Certificação dos Profissionais de Seguridade Social (ICSS); Conselheiro de Administração do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC); conselheiro fiscal da Fundação Sicoob Previ; professor convidado da FGV, ISAE e UNOESC, diretor da JC Capacitação e instrutor de Cooperativismo, Governança Corporativa/Cooperativa, Gerenciamento de Riscos Operacionais, PLD/FT, Controles Internos (Compliance).

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