Adquirência. O que podemos aprender com Uber, 99 e Cabify? , por Ricardo Coelho

Uber, 99 e Cabify – até pouco tempo esses aplicativos de transporte de passageiros não existiam. Hoje, no entanto, fazem parte do nosso cotidiano após imprimirem uma enorme disruptura nesse mercado até então dominado pelos taxis. Mas mesmo essa novíssima proposta já sofre novas ameaças disruptivas, como a chegada do aplicativo de transporte de passageiros Lady Driver, que oferta às mulheres carros dirigidos por mulheres, e o In-Drive, que é um aplicativo no qual o cliente define o valor da corrida. Neste, os motoristas que estiverem online analisam se aceitam esse valor ou se desejam individualmente fazer contrapropostas. As decisões quanto ao valor da corrida de um ou mais motoristas online que entram nesse dinâmico e inovador “leilão”, mais o tempo para atendê-la, são apresentadas ao cliente para que decida. Como se vê, mesmo sendo os aplicativos Uber e congêneres ditos disruptivos, eles são afetados por novas inovações concorrentes que chegam rapidamente, e que, na maioria das vezes, focam na oferta de mais informações e benefícios aos consumidores de forma cada vez mais segmentada.

Bem! Vimos que, através da tecnologia, as novas soluções comerciais suportadas por ela visam empoderar os clientes, colocando os tradicionais fornecedores em um dilema: qual é o risco de investir tempo e dinheiro em algo que pode não mais existir em pouco tempo, ou se isso pode ser inviável comercialmente pelo excesso de competidores, guerra de preços, rápida obsolescência, elevada demanda de recursos para manter-se atualizado etc.? E isso fica ainda mais complexo para empresas que entram tardiamente em um negócio fortemente suportado por tecnologia, que é o que nos parece a entrada do nosso modelo de negócio nas soluções de adquirência.

Adquirência: Por recomendações do BACEN e regulações do CADE, em 2010 findou o monopólio da Cielo e da Rede quanto à captura dos cartões Visa e Mastercard, respectivamente. Isso permitiu que esse mercado ganhasse um novo patamar de competitividade. Tanto que hoje temos mais de quatro milhões de máquinas de cartões e esse número cresce de forma impressionante, já que esse meio de pagamento é mais seguro, permite mais liberdade ao lojista contratar uma única máquina que aceite “todos” os cartões, favorece a tomada de crédito mais barato etc.. Indiretamente o uso do cartão magnético atende a uma necessidade crucial do Banco Central que é a de ter mais domínio dos meios de pagamento e reduzir a circulação do papel moeda, mesmo que seu discurso seja o da sua democratização com ganhos sociais.

Então, mesmo com um andar tecnológico muito mais lento do que se viu nos aplicativos como Uber, 99 e Cabify, é possível perceber no serviço de adquirência das Singulares, aqui materializado pelas máquinas de cartões, uma repetição da história vivida por esses aplicativos quanto ao uso da tecnologia para empoderar o cliente, que nesse caso são os lojistas, empreendedores individuais, autônomos e inclusive já algumas pessoas físicas.

Revendo preceitos da adquirência: Até alguns anos, via-se que clientes usuários de máquinas de cartões tinham soluções caras e burocráticas, sendo que eram poucos os agentes econômicos que lhe permitiam disponibilizar pagamento em cartões. Hoje esses clientes são assediados por inúmeros prestadores desse serviço, sendo que alguns deles são novíssimas fintechs com pequeno capital e não mais de 10 funcionários. Essas oferecem taxas e tarifas cada vez mais tentadoras, quando não totalmente isentas. Essas instituições visam principalmente obter volume de transação, aderência e buscam rentabilidade em soluções complementares, como taxas por aceitar transações de outros agentes em suas máquinas, antecipação desses recebíveis, eventual elevação do depósito à vista etc. Assim, para elas, a compra/aluguel da máquina de cartão passa a ser algo secundário, e ganha notoriedade a qualidade e prontidão do serviço de pós-venda a seus clientes que usufruam de suas máquinas. Aqui é importante frisar que os usuários finais (clientes) desse mercado não se importam se passarão seus cartões na máquina do sistema “x” ou “y”, pois apenas desejam que a transação seja rápida e “segura”.

Pontos de atenção a nós, cooperativistas de crédito: É fato que a adquirência é algo relativamente novo para nosso modelo de negócio, e que nossos sócios empreendedores, direta ou indiretamente, já conheciam essa solução junto a nossos concorrentes. Contudo, pelo nosso forte trabalho realizado e nossas competitivas taxas e tarifas, estamos crescendo, mas não podemos esquecer que estamos praticamente saindo do zero em nossas posições, e qualquer crescimento sempre será muito expressivo percentualmente em função da baixa base referencial. Outro aspecto relevante é observarmos a concentração em clientes ou segmentos, o que pode sugerir um desconforto para uma gestão prudencial de médio e longo prazo.

Por fim, é fato que a adquirência é hoje uma das mais importantes explicações para a nosso vertiginoso crescimento em depósito à vista e em algumas carteiras de crédito concedidas a empreendedores, os quais nos dão essas movimentações em garantia. Mas isso não necessariamente é algo tão saudável como gostaríamos de acreditar, e é um sinal claro que devemos repensar a forma de gerir nossa Singular, se desejamos vê-la presente em um cenário futuro.

Ficam as perguntas:
a) Nosso depósito à vista, oriundo de clientes sem adquirência, tem sido bem gerido e seu crescimento, distribuição e volume são representativos, tanto ou mais que os obtidos com os clientes da adquirência? Caso contrário, o que isso significa frente à sustentabilidade e aderência dessa enorme massa de sócios? Esses podem estar lentamente sendo esquecidos?

b) Em um cenário futuro, fortemente impactado por novas soluções disruptivas no modelo atual de adquirência, nossa Singular terá musculatura para sobreviver com as tradicionais carteiras e soluções financeiras de uma instituição massificada?
c) Nossa Singular tem efetiva noção de que seus sócios empreendedores tendem a ficar hiper informados pelo enorme assédio de antigos e novos concorrentes de soluções afins à adquirência, resultando em negociações cada vez mais estressantes e com redução de resultados, implicando inclusive na perda desses sócios, na elevação da provisão, na redução dos volumes de créditos, na redução do depósito à vista e capital social, na redução dos ganhos com serviços…?

d) Nossa instituição monitora mês a mês o quanto a adquirência vem afetando positivamente suas posições de: depósito à vista; volume de crédito com essa trava; redução do funding (dinheiro para emprestar); elevação dos ganhos com serviços; manutenção e evolução de novos sócios empreendedores; representatividade desses serviços no resultado e nas Sobras…? Se sim, o que está sendo feito para não ficar dependente dessa solução? Nossa Singular é competitiva sem ela?

e) Monitoramos a perda de clientes de adquirência para a concorrência, entendendo esses motivos e procurando antídotos racionais? Ou apenas os substituímos por novos usuários desse serviço, permitindo que nos foquemos em números brutos dessa solução?

f) Estamos monitorando os riscos inerentes a adquirência, que, embora conceitualmente muito segura, permita que empreendedores mal intencionados possam, entre tantas maneiras de nos causar prejuízo, abrir um novo CNPJ no mesmo endereço, e mesmo mantendo nossa máquina de cartão, passar a usar apenas uma nova máquina de um concorrente para nela descarregar suas novas vendas? Etc.

Reflexões Finais: Certamente a adquirência sofrerá fortes mudanças nos próximos anos, que podem ocorrer pela entrada de novos fornecedores com novas estratégias cada vez mais simples e tecnológicas, nas quais o diferencial tarifa/taxa passe a ser secundário no julgamento do cliente. Sem descartar a hipótese de o regulador vir a aprovar novas formas de efetuar essas transações sem que haja a necessidade dessa enorme estrutura de milhões de máquinas físicas, sem a intermediação de um agente financeiro etc..

Mas o fato mais relevante aqui é que nossos bons sócios empreendedores estão cada vez mais assediados, esclarecidos, e irão nos procurar com propostas que irão reduzir gradualmente nossa rentabilidade. De tal sorte que, quanto mais reduzir o volume da nossa adquirência, mais seremos afetados na liquidez, no volume de depósito a vista e no volume do crédito e na inadimplência, na perda de ganhos com serviços, nas Sobras… . Ou seja, afetaria nossa competividade e longevidade.

Não fiquemos entorpecidos com as inúmeras “vantagens” promovidas por essa lua de mel com a adquirência, e mitiguemos os riscos de uma excessiva exposição a essa solução, já que há sinais que, em breve, nos serão apresentadas as inevitáveis mudanças desse mercado.

Por fim, não é comum vermos em nossos Planejamentos Estratégicos a analise da evolução da influência da adquirência nos resultados, nem previsões, em algum grau, da possibilidade de seu desaquecimento ou retração comercial. Pensemos nisso!

Concordar é secundário. Refletir é urgente.

Ricardo Coelho – Consultoria e Treinamento Comercial para Cooperativas de Crédito
www.ricardocoelhoconsult.com.br – 41-3569-0466 – Postado 29/03/2019

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