“Mesmo durante as crises na década anterior, o cooperativismo manteve-se firme na trajetória de crescimento… A gente precisa agora consolidar.” (Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central do Brasil)
Já há algum tempo vimos afirmando que no Brasil o cooperativismo financeiro, sobretudo em razão de sua vocação para servir aos interesses da coletividade, encontra terreno fértil na perspectiva institucional, haja vista o marco regulatório que lhe é dedicado – o mais generoso ao redor do mundo – e a distinção que lhe é dispensada pelo Governo.
Uma evidência recente – a mais significativa, talvez – da máxima atenção merecida do poder público é a Agenda BC#, que contempla diretrizes estratégicas do Banco Central do Brasil voltadas para o sistema financeiro nacional e agentes heterodoxos que atuam com finanças. A importância atribuída ao papel do cooperativismo financeiro no cumprimento desses propósitos é tamanha a tal ponto de o segmento merecer solenidade especial de lançamento na sede da Organização das Cooperativas Brasileiras, em junho último, com a presença do presidente e diretores da autarquia.
Tendo como macro-objetivo a democratização financeira, a plataforma do BC aponta para quatro grandes dimensões, a saber: inclusão, que visa a ampliar o acesso de cidadãos e empreendedores, notadamente dos pequenos, ao mercado financeiro; educação, por meio da qual se quer informar e sensibilizar o público para tomar as melhores decisões quanto à gestão de suas finanças e desenvolver o hábito de poupar; transparência, para tornar mais claras e leais as práticas mercadológicas (flair play na arena financeira, com empoderamento dos usuários), e competitividade, com vistas a incrementar as opções de oferta de produtos e serviços financeiros em busca de uma precificação mais justa.
Para que as cooperativas tenham condições de assumir o protagonismo que delas se espera no âmbito dessas iniciativas, o BC, em convergência com as aspirações do segmento, liderará e apoiará um conjunto de medidas que, de um lado, flexibilizarão ainda mais o relacionamento societário e operacional, e, de outro, qualificarão a governança no movimento.
As ações de incentivo ao cooperativismo compreendem a liberação de novos instrumentos de captação de recursos; o pleno acesso a fundos públicos de financiamento; um melhor aproveitamento da liquidez dentro do próprio setor (depósitos intercooperativos e operações de crédito sindicalizadas entre cooperativas) e a elasticidade territorial para a admissão de cooperados.
Quanto à gestão, pretende-se acentuar a eficiência operacional, inclusive pela racionalização do número de conselheiros; melhorar o processo de certificação/capacitação de membros de órgãos estatutários, como requisito de elegibilidade e permanência nos cargos e nas funções; reduzir o conflito de interesses na composição dos quadros diretivos das diversas entidades que compõem os arranjos sistêmicos, além de compatibilizar a relação disponibilidade de tempo versus dedicação requerida dos dirigentes; dotar as entidades de segundo e terceiro níveis dos necessários mandatos legais para, em situações de desequilíbrio econômico-financeiro ou grave irregularidade, intervir e promover mudanças nos órgãos de administração das cooperativas supervisionadas; facilitar e motivar a participação dos cooperados no processo assemblear por meio de canais eletrônicos/remotos e revisitar o modelo de governança e a atuação do FGCoop.
A expectativa, obviamente – até mesmo como contrapartida do apoio ao setor –, é de que as cooperativas deem respostas objetivas e expressivas em horizonte visível. Entre os avanços do programa “Desafios 2022”, o BC espera que o sistema cooperativo, no final do período:
1) dobre a representatividade (de 24% para 40%) no crédito total tomado pelos seus cooperados no sistema financeiro nacional – SFN;
2) eleve a participação no crédito concedido pelo SFN, cuja meta, arrojada, aponta para 20% –diante dos atuais 8% – nos setores que constituem seu foco (cesta selecionada de operações);
3) melhore a sua atuação no microcrédito, dando mais ênfase à assistência creditícia para pessoas de menor renda (faixa até 10 salários mínimos);
4) cubra área relevante (alcançando pelo menos 25% dos municípios) das regiões Nordeste e Norte, onde se concentram as populações desassistidas ou subassistidas pelo sistema bancário.
Dado esse cenário, a responsabilidade do sistema financeiro cooperativo passa a tomar novas proporções. Do chamamento, incentivado, feito pelo BC resulta compromisso inalienável do cooperativismo com a sociedade brasileira, cabendo ao segmento, definitivamente, avocar a referência na promoção da justiça e cidadania financeiras em nosso país.
Ênio Meinen, diretor de operações do Banco Cooperativo do Brasil – Brasil; coautor (com Márcio Port) do livro Cooperativismo financeiro: percurso histórico, perspectivas e desafios, e autor de Cooperativismo Financeiro: virtudes e oportunidades. Ensaios sobre a perenidade do empreendimento cooperativo, publicação também disponível no idioma inglês sob o título Financial cooperativism: virtues and opportunities. Essays on the endurance of cooperative entreprise (todos da editora Confebras, lançados em 2014, 2016 e 2018, respectivamente).
Vejo que o cooperativismo financeiro a cada dia se consolida em base bem sólidas. As perspectivas são de gerar grande otimismo para os verdadeiros cooperativistas e insatisfação e medo para os que usam a cooperativas de maneira contrária aos princípios que norteiam o cooperativismo. A capacitação de novos dirigentes e conselheiros é fundamental para afastar aqueles que se perpetuam no poder onde muitos usam deste artíficio para obterem vantagens privilegiadas.