“O cooperativismo, dada a multifuncionalidade que o caracteriza, tem abertas todas as possibilidades de criar bem-estar em qualquer atividade econômica, social, cultural etc., desde que mantenha independência em relação ao Estado e a outras doutrinas ou instituições eventualmente conflitantes com os seus valores e princípios.” (Roberto Rodrigues. Revista Saber Cooperar OCB/Sescoop, edição especial OCB 45 anos)
As organizações de natureza cooperativa são as únicas iniciativas socioeconômicas alicerçadas em doutrina de aplicação universal, cujas diretrizes, de fundo ético e moral, convergem para a edificação de um mundo mais inclusivo e equitativo.
Valores como responsabilidade, honestidade e transparência – tão negligenciados atualmente entre nós, até mesmo pelas mais altas autoridades públicas – compõem o DNA do movimento. Prova disso é o fato de a cooperativa pioneira, constituída no final da primeira metade do século XIX, já em sua denominação – Sociedade dos Probos Pioneiros de Rochdale –, evidenciar preocupação com a integridade de seus membros.
Na cooperativa o ser humano é o centro das atenções, enquanto o capital é mero insumo para a construção de soluções de uso compartilhado entre os donos do empreendimento coletivo. A cooperativa é uma organização de pessoas que utilizam o capital a seu serviço, ao passo que a empresa convencional é uma organização de capital que se serve das pessoas.
No cooperativismo não se cogita da transferência de renda de desafortunados para abastados, visto que inexiste separação – o antagonismo clássico – entre dono do capital (empresário) e cliente (consumidor). A ação cooperativo-mutualista, ao contrário, cria riqueza e a partilha entre os cooperados na razão do seu protagonismo e da sua fidelidade operacionais. Têm-se num mesmo indivíduo o proprietário e o beneficiário. Em razão disso, não se fala em “lucro”. Todos, afinal, como empreendedores cooperativos, prosperam segundo a intensidade de sua cooperação ou de seu trabalho.
Diante de sua inserção comunitária – cooperativas são empresas do lugar e de proximidade, por essência –, o cooperativismo tem natural vocação para promover o bem nas localidades em que está presente, em linha com o 7º princípio universal do movimento (“interesse pela comunidade”).
A cooperação gera progresso de acordo com a aptidão das populações e conforme o potencial da região assistida, pois a instituição cooperativa atua como braço econômico do núcleo social, acentuando o ambiente empreendedor e, ao fim, melhorando a qualidade de vida dos cidadãos lá fixados, associados ou não.
Em outras palavras, ao impulsionar o desenvolvimento local e assegurar o reinvestimento dos recursos nas comunidades de origem, a cooperativa cria um círculo virtuoso que leva à geração de novos empregos (no mundo, o conjunto das cooperativas empregam 20% mais profissionais do que a soma de todas as multinacionais), ao aumento do consumo e, por via da elevação das receitas tributárias, amplia a capacidade de investimento em saúde e na educação das populações residentes.
Especificamente quanto às cooperativas do ramo financeiro, há quatro importantes papéis que elas assumem em seu mercado de atuação:
1) o primeiro deles é o de promover a inclusão bancária, levando produtos e serviços de natureza financeira às pessoas físicas e pequenos empreendedores desassistidos pelos agentes tradicionais. Cumprem essa função tanto pela presença em comunidades remotas onde não há agências bancárias (cerca de 10% das localidades brasileiras) como pela oferta de um leque maior de serviços aos menos favorecidos economicamente, respeitando as suas características. Com isso, também contribuem para a democratização do acesso ao crédito, a redução das diferenças sociais e a melhoria da autoestima da população mais humilde;
2) o segundo, fomentar o desenvolvimento local e regional, notadamente pela retenção e reinversão nas comunidades de origem dos recursos por elas gerados, promovendo, desse modo, um círculo socioeconômico virtuoso;
3) o terceiro, entregar para os donos/beneficiários um amplo e eclético portfólio de produtos e serviços financeiros, adaptados às suas necessidades, a preços justos – um dos alvos centrais das ações de educação financeira que vêm sendo promovidas pelo Governo –, com atendimento diferenciado. As cooperativas devem ser “o” modelo de suitability para o mercado financeiro, orientando-se pela máxima “foco DO associado” (em substituição ao foco “NO cliente”);
4) por fim, como decorrência do cumprimento dos propósitos anteriores, agregar qualidade aos serviços do sistema financeiro nacional, influenciando positivamente os agentes bancários, sobretudo como balizadoras de preço e atendimento, trazendo, assim, benefícios para toda a sociedade.
Complementarmente, em razão de sua especialidade no campo das finanças pessoais e de seu compromisso institucional, as instituições financeiras cooperativas, mais recentemente, vêm acentuando dedicação às atividades de consultoria e educação financeira para os cooperados e a população em geral.
Em síntese, os objetivos das cooperativas financeiras estão totalmente em linha com a Agenda BC#, agora (re)lançada pelo Banco Central do Brasil e dedicada ao sistema financeiro nacional e outros agentes que atuam com papeis assemelhados.
É em razão de tudo isso que as cooperativas dos diferentes ramos têm forte potencial e responsabilidade de apoiar as Nações Unidas no enfrentamento dos principais problemas ao redor do mundo, notadamente pela promoção da paz social e a geração de emprego e renda. Nesse sentido, a Aliança Cooperativa Internacional (entidade máxima do movimento cooperativo global), como tema do 97º Dia Internacional do Cooperativismo (celebrado no dia 6/7/2019), elegeu “Cooperativas em prol do trabalho decente”. Aliás, o tema está em consonância com o oitavo Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS 8), voltado ao “Desenvolvimento sustentável e trabalho decente”.
Em suma, independentemente do segmento, as cooperativas podem – e devem – continuar contribuindo de maneira relevante (melhor, inclusive, do que qualquer outra iniciativa organizacional) para a construção de um ecossistema mais justo, saudável e sustentável.
Como ensina Alphonse Desjardins, um dos principais precursores do cooperativismo financeiro das Américas e fundador do sistema cooperativo “Desjardins”, no Canadá: “o associativismo é a alavanca de força. É uma verdade tão antiga quanto o próprio homem, mas (ainda) está longe de ser plenamente compreendida por todos”.
Ps.: Para fazer referência à data comemorativa, recomenda-se usar #CoopsDay nos textos online e nas redes sociais.
Ênio Meinen, diretor de operações do Bancoob, é coautor (com Márcio Port) do livro Cooperativismo financeiro: percurso histórico, perspectivas e desafios, e autor de Cooperativismo Financeiro: virtudes e oportunidades. Ensaios sobre a perenidade do empreendimento cooperativo, publicação também disponível no idioma inglês sob o título Financial cooperativism: virtues and opportunities. Essays on the endurance of cooperative entreprise (todos da editora Confebras, lançados em 2014, 2016 e 2018, respectivamente).