O movimento cooperativista nasceu em Rochdale, Inglaterra, em meados do século XIX, numa reação empreendedora de trabalhadores explorados pelos agentes do capitalismo emergente, que, por questões de sobrevivência, estruturaram um armazém, de propriedade de 28 sócios, para provimento comum às suas famílias de alimentos essenciais para viver com qualidade digna.
Hoje, o Cooperativismo congrega em todo o mundo mais de 1,2 bilhão de pessoas, ou seja, algo em torno de um cooperado para cada seis habitantes do planeta, estando presente em mais de 100 países.
Como sabiamente lembra um dos líderes mais celebrados do cooperativismo de crédito, o professor e escritor Ênio Meinen, nas inúmeras e concorridas palestras que profere pelo Brasil, trata-se da maior organização socioeconômica global, com mais de 2,6 milhões de entidades integradas nos mesmos propósitos e valores, ativos da ordem de US$ 20 trilhões, além de proporcionar mais de 250 milhões de empregos (somente no Brasil são 500 mil). Em solo brasileiro, respondem por 11% do PIB, sendo que apenas no segmento agropecuário mobilizam 48% da produção rural do País. Mais de 30% dos planos de assistência médico-odontológica e 50% do transporte de cargas são confiados a cooperativas. Números fantásticos que nasceram da ousadia e do pioneirismo dos “probos” de Rochdale e se cristalizam, em nossa pátria, pela ação firme e empreendedora da Organização das Cooperativas Brasileiras – OCB.
Com relação às cooperativas de crédito, cuja origem remonta ao solo alemão pelo empreendedorismo de Franz Schulze, que em 1852 fundou a primeira cooperativa de crédito urbana e também por Friedrich Raiffeisen, que constituiu, em 1862, a primeira cooperativa de crédito rural, a história e os números também são motivadores e nos encantam por militar no movimento e ajudar no seu crescimento.
O Conselho Mundial das Cooperativas de Crédito atesta em seu Relatório de 2018 que o número de cooperados no mundo já alcançou cerca de 260 milhões em 117 países. No Brasil, 100 mil profissionais servem a 15 milhões de cooperados e clientes e as cooperativas são presença exclusiva em 10% dos municípios brasileiros, além de responder por 10% do crédito para o pequeno negócio e 13% do agronegócio e 6% dos depósitos do Sistema Financeiro Nacional. A Agenda BC#, do Banco Central, desafiou as cooperativas a saltarem sua participação de 8% para 20% das operações de crédito do SFN até 2022. Uma meta audaciosa e desafiante que valoriza o segmento.
Mas sempre me vem à mente uma dúvida (estratégica?): se o Cooperativismo de Crédito é algo diferenciado, transparente, atrativo e que leva prosperidade às pessoas e comunidades, qual a razão de não termos interessados fazendo fila para se associarem às nossas cooperativas? Qual a razão da dificuldade que temos para arregimentar a juventude às nossas fileiras?
Sem querer esgotar o assunto, elenco abaixo possíveis razões para isso:
a) parcela significativa dos brasileiros não conhece os princípios e valores do Cooperativismo, tampouco os benefícios financeiros e de governança das cooperativas de crédito;
b) os grandes sistemas cooperativos, quando fazem campanhas publicitárias, focam produtos e serviços em detrimento da diferenciação das cooperativas financeiras em relação aos bancos tradicionais. Não se mencionam os valores; não se fala das taxas de juros mais vantajosas; da distribuição de sobras a todos os associados ao final de cada exercício; da participação e responsabilidade pela governança; não se exalta a condição de dono e cliente na mesma pessoa; ou mesmo do atendimento personalizado nas agências, fato em extinção nos bancos comerciais;
c) face à ausência de iniciativas de intercooperação, o movimento é visto de forma fragmentada. O exemplo maior disso é a falta de integração da rede de atendimento ao cooperado, que não consegue ser atendido, por vezes, nem por outra singular do mesmo sistema;
d) a atuação das cooperativas singulares nas regiões Norte e Nordeste ainda é pequena e precisa ser alavancada;
e) as lideranças que conduzem Confederações, Centrais e Cooperativas Singulares, grandes influenciadores do movimento, precisam perseguir diuturnamente a união e o diálogo, na direção de um Sistema Nacional de Crédito Cooperativo unificado e fortalecido nas suas entidades representativas.
Temos missões urgentes a cumprir. A integração da rede de atendimento física entre os sistemas, com mais de 6.000 pontos, poderia ser o primeiro grande gol das iniciativas de inter cooperação.
Uma grande campanha nacional focando os benefícios do Cooperativismo de Crédito para as pessoas, comunidades e sociedade em geral, utilizando as mídias de maior penetração, seria um marco importante e necessário para disseminar os princípios e valores do momento pelos vários rincões do País. Essa ação precisa concretizar-se logo com a participação técnica e financeira de todos os entes que integram o ecossistema do cooperativismo financeiro no Brasil.
Dentro desse contexto, a Confebras (Confederação Brasileira das Cooperativas de Crédito), dará sua contribuição, realizando a décima terceira edição do CONCRED – Congresso Brasileiro do Cooperativismo de Crédito, no Nordeste, em Pernambuco.
Nos dias 7 a 9 de outubro de 2020, as lideranças e os maiores experts do Cooperativismo de Crédito estarão reunidos em Recife para propagar conhecimentos e propiciar progressos e bons negócios para cerca de 3 mil lideranças de todo o Brasil.
Esperamos que o evento contagie os nordestinos com a cultura cooperativista e motive as autoridades locais a criar incentivos à instalação de cooperativas singulares nas comunidades dos nove Estados da região, levando desenvolvimento, prosperidade e solidariedade financeira à economia e à população.
Mas ainda há muito a fazer para termos em nossas “portas” filas de pessoas ansiosas por associar-se a uma cooperativa de crédito, a exemplo do que ocorre quando consumidores ansiosos pernoitam na rua aguardando para comprar um celular de última geração ou para adquirir produtos em oferta nas mega promoções das lojas de departamentos.
Tenho certeza de que chegaremos lá! Há expertise para tal e nossos líderes cooperativistas estão cada vez mais preparados para lidar com esses grandes desafios, se apropriando dos modernos conceitos da transformação digital, criando atrativos para a atração dos jovens e mulheres para o movimento e fomentando, por meio da tecnologia e da confiança, a semente do Cooperativismo em todo o Brasil.
E nunca podemos esquecer que valorizar e respeitar as pessoas é o DNA do cooperativismo. E isso é muito atrativo na Era da Colaboração!
Kedson Macedo é Presidente da Confebras e Diretor executivo na Cooperforte.
Excelente artigo, visão clara e objetiva do cenário que podemos mudar com duas ou três ações integradas pelo ecossistema cooperativista.