Local e global, duas faces da mesma moeda?, por Solon Stapassola Stahl

A pandemia isolou as pessoas, limitando sua liberdade de ir e vir, gerando impactos profundos no volume e no meio de realizar este consumo. O comércio eletrônico, já realidade entre os mais jovens, também permitiu acesso à ‘geração prateada’ poder consumir sem sair de casa. Mas este mesmo cerceamento do ir e vir, também fez as pessoas perceberem que em suas comunidades locais ou na região, em muitas vezes haviam os produtos e as soluções necessárias ou pretendidas. Esta nova visão do entorno em que vivemos trouxe ao debate a força do local e regional, além do poder do consumidor em manter riqueza na sua comunidade, ao invés de transferir riqueza para regiões distantes.

Importante lembrar que a pandemia não isolou somente as pessoas. As organizações com ou sem fins lucrativos e os países também foram impactados com o isolamento obrigatório. No caso dos países, este distanciamento gerou crises de abastecimento na importação, e de escasseamento na entrada de divisas, quando na exportação. E daí o mundo globalizado teve que se voltar para o local, pelo menos temporariamente, para tentar manter sua atividade econômica, dependente muitas vezes de insumos e matérias primas que eram adquiridas de outros países.

Esta necessidade estimulou vários movimentos de valorização do local, dos negócios locais, da cadeia de suprimentos locais, do desenvolvimento de fornecedores locais em que pese ainda tímido, e por fim, o consumo local e regional. Estes movimentos meritórios querem se aproveitar positivamente da redescoberta forçada pelo isolamento, que o consumidor está tendo dos seus comércios locais. Evidente que as cadeias locais não estavam e ainda não estão preparadas para suprir toda demanda das famílias e das organizações. Talvez aqui nosso olhar não tenha que ser de restrição e sim de oportunidades de se desenvolver fornecedores locais.

Estas campanhas não visam valorizar somente o pequeno negócio, ou o negócio que tem sede na sua localidade. Estas campanhas visam manter a riqueza via consumo no local e região, gerando emprego e renda, estimulando a manutenção e o surgimento do empreendedorismo, e com isto mantendo no melhor nível possível a atividade econômica da comunidade. E daí, não deve haver distinção se o negócio é micro, pequeno ou grande. E se é originário da localidade ou uma filial. O que importa é manter a riqueza na cidade mantendo ou gerando empregos e renda.

Porém, se para a maioria das pessoas estes movimentos de valorização do local foram muito bem vistos, apoiados e disseminados, gerando uma ampla rede de entidades locais divulgando a causa, por outro lado houveram algumas críticas em relação à limitação do local, por vezes podendo ser vista como um contraponto ou até oposição à globalização.

A globalização é um processo de integração internacional dos países, na economia, na cultura, nos aspectos sociais e também na política. Blocos econômicos, moedas compartilhadas, alianças estratégicas, algumas militares, políticas de proteção à refugiados, entre tantas outras iniciativas retratam um pouco do que é a globalização.

Apesar de parecer algo moderno, alguns historiadores e pensadores, entre eles Yuval Harari no best seller “Sapiens, uma breve história da humanidade”, afirmam que a globalização se iniciou há alguns séculos com a era da navegação das potências europeias nos séculos XV a XVIII, onde Inglaterra, Espanha e Portugal colonizaram boa parte das Américas, África e Índias. Chama atenção que somente a Inglaterra ainda se configura como uma potência econômica e monetária. Porém, a globalização se popularizou a partir da década de 90 do século XX. Em parte, pela internacionalização das empresas, e em parte pela tecnologia da informação que “eliminou” as distâncias, aproximando compradores e vendedores do mundo todo, a custos muito baixos. Se antes era precisar pegar um avião ou até navio, viajar horas ou dias pra ter uma reunião de negócios em outro continente, a internet permitiu que estas negociações pudessem ser resolvidas em reuniões à distância de algumas horas.

Se por um lado a globalização derrubou fronteiras e estimulou o comércio internacional, ampliando o mercado para muitos países, para outras nações mais periféricas, o efeito foi contrário, pois por falta de competividade de sua indústria, passou a depender demais da exportação de commodities e do fluxo externo de produtos prontos e até de matérias primas e outros insumos que abastecem a parca indústria destes países. E assim, ampliando a distância econômica e social entre os países mais ricos dos países mais pobres.

O movimento contrário, por muitos chamado de localismo, defende a valorização da produção local, do consumo local, em muitos casos com existência de políticas públicas que incentivem não só a economia local, mas também a cultura da região. Como qualquer movimento, tem seus méritos, e neste caso, de promover desenvolvimento local e manter a riqueza onde é gerada. Mas por outro lado, pode estabelecer um isolamento e atraso tecnológico. E novamente, ampliar a distância dos países mais desenvolvidos daqueles chamados de ‘em desenvolvimento’.

Diante destes pontos sobre globalização e localismo, a melhor definição que já vi de como aproveitar o melhor dos ‘dois mundos’, é o que preconiza o slogan da UCS: “Pés na região, olhos no mundo”.

Também, numa escala nacional e não global, citar o Sistema Sicredi como um bom exemplo, já que por seu modelo de atuação onde as cooperativas locais é que tem o relacionamento com os associados, e uma estrutura de governança que estabelece uma entidade centralizadora de serviços e provedora de soluções, é um caso clássico de ‘pensar globalmente, e agir localmente”.

Desta forma, o mais sábio talvez não seja adotar um ou outro modelo, e sim, aproveitar o melhor de cada ideia. E com isto construir uma via alternativa, o que geralmente se mostra o meio mais eficaz. E assim é que devemos interpretar a defesa do ‘local’, sem deixar de aproveitar as vantagens do global.

As organizações que tem atuação internacional, que precisam manter negócios com outros lugares do mundo, também podem conciliar este olhar de “aproveitar o melhor de cada ideia”. Como praticar isto? Fazer negócios com o mundo, mas cuidar do ecossistema onde estamos. Ser um agente global, mas com um olhar local. Ser um player mundial, mas fazer a cura local. Capturar receita em qualquer parte do planeta, mas trazer a mesma pra gerar desenvolvimento econômico e social na sua região. Ou seja, as condições de nos manter competitivos globalmente não deveriam vir da degradação do ecossistema local.

O preço pela globalização de meu negócio não deveria ser o empobrecimento dos stakeholders locais. E assim, o local passa a ser beneficiado pela atuação global.

Ao fim e a cabo, ser local ou seja global na sua atuação estratégica e comercial, mas sem descuidar do seu “quintal”, da sua gente.

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Solon Stapassola Stahl, Diretor Executivo da Sicredi Pioneira RS

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