Até a promulgação da Constituição de 1988, o segmento do cooperativismo de crédito era severamente restringido pelas regras do Banco Central do Brasil. As proibições para seu funcionamento eram chamadas ironicamente de os “não podes” do Bacen. Não podia ter talão de cheque, não podia ter cartão de crédito, não podia receber impostos e taxas, não podia remunerar os depósitos dos mutuários, nada podia. Só mesmo os sonhos e o idealismo de algumas lideranças mantinham acesa a esperança de que, “algum dia”, elas pudessem servir ao país como já acontecia na Europa (com o Rabobank holandês, o DGBank alemão, o Boerenbond belga, o Raiffaisen austríaco, o Credit Agricole e o Credit Mutuel franceses, e tantos outros), na América (como o Desjardins canadense e os vários bancos cooperativos dos Estados Unidos, da América Central e do Sul), na Ásia (como o Norintchukin japonês) com enorme sucesso.
Mas graças ao forte trabalho da Organização das Cooperativas Brasileiras e da operosa Frente Parlamentar do Cooperativismo durante os trabalhos da Assembleia Nacional Constituinte, surgiu um texto que impedia as restrições do Bacen. Foi o inciso VIII do artigo 179, do Capítulo da Ordem Econômica, que dispõe sobre o “funcionamento das cooperativas de crédito e os requisitos para que possam dispor de condições de operacionalidade e estruturação próprias das instituições financeiras”. Pronto! As cooperativas de crédito passavam, finalmente, a fazer parte do sistema financeiro!
A partir daí o Conselho Monetário Nacional “desamarrou” os “não podes” e o cooperativismo de crédito teve um crescimento espetacular sob o controle e o apoio de uma área especializada criada no Banco Central. Há um pequeno punhado de grandes lideranças visionárias que foram responsáveis por esse movimento notável, e a história haverá de registrar os nomes de todos eles, inclusive dos funcionários do Bacen que organizaram as rigorosas regras que garantiram o sucesso das chamadas “credis”.
E o que importa mesmo é analisar os resultados do trabalho das cooperativas de crédito rural e urbano para saber se foram úteis ou não ao país.
Estudo realizado no começo desse ano pela FIPE da USP com o apoio do Sicredi, tem uma conclusão terminativa: as cooperativas de crédito produziram benefícios econômicos superlativos para a sociedade em geral.
O método utilizado no trabalho da FIPE é o mais empregado em Ciências Econômicas para avaliar políticas públicas e é conhecido como “Diferenças em Diferenças”. É o principal instrumento usado pela Comissão Europeia para analisar o efeito de sua regulação sobre a economia do bloco econômico europeu. Resumidamente, ele compara o que aconteceu antes e depois da chegada do cooperativismo de crédito a cada município brasileiro, isolando rigorosamente os seus efeitos de outros fatores nessa comparação. Os resultados foram muito interessantes, e vale a pena ressaltar alguns:
- houve um aumento da renda per capita da população, da ordem de 5,6% maior do que onde não havia a cooperativa.
- nos municípios em que as cooperativas estavam, foram gerados 15,7% mais estabelecimentos comerciais, 6,2% mais empregos formais, entre outros dados positivos.
Nos últimos 20 anos, a taxa média de crescimento do segmento foi de 14,7% ao ano em termos de concessões de crédito e de 16,3% em termos de total de depósitos. Isto é mais do dobro do que aconteceu com o sistema financeiro não cooperativo.
A conclusão da FIPE é que a “consolidação dessa trajetória de crescimento, aliada à solidez e à saúde dos indicadores das instituições cooperativas, ressalta o cooperativismo como uma alternativa sustentável e bem-sucedida para ampliar o acesso da população e empreendedores a produtos e serviços bancários e, sobretudo, ao crédito- condição historicamente identificada como requisito para o desenvolvimento e o bem-estar de segmentos e comunidades fragilizadas, inclusive em períodos de crise e desaceleração”(FIPE, 2019, p.129).
A explicação para isso tudo está na disposição de emprestar aos menores, a um custo menor, e de forma menos restrita. Esta é a ação determinada pela veneranda doutrina cooperativista. Vale lembrar que as cooperativas crescem mais durante crises, e na trágica pandemia do Covid-19 isto está acontecendo. Neste ano, quase 20% do crédito rural já vem de cooperativas de credito.
Por Roberto Rodrigues – Artigo exclusivo publicado na Revista MundoCoop, edição 96
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