“Sejamos bons anfitriões da terra que herdamos. Todos nós temos que compartilhar os frágeis ecossistemas e recursos preciosos da terra, e cada um de nós tem um papel a desempenhar na preservação deles. Se vamos continuar vivendo juntos nesta terra, todos devemos ser responsáveis por isso.”
[Kofi Annan, ex-secretário-geral da ONU, reputado pioneiro na proposição da agenda sobre desenvolvimento sustentável com base no tripé ESG, incialmente dirigida ao mercado de capitais]
O tema da sustentabilidade, alçado, já em 2020, a uma das dimensões da agenda estratégica do Banco Central do Brasil para o sistema financeiro (Agenda BC#), com a finalidade de estimular o engajamento dos entes supervisionados nesse campo, tem merecido ainda mais destaque pela notoriedade que se vem conferindo aos princípios ESG (Environmental, Social and Governance, ou, na versão em português, Ambiental, Social e Governança – daí, também, o uso da sigla ASG em nossa língua).
A amplitude da pauta e a ausência, por ora, de uma classificação padrão sobre iniciativas catalogáveis nesse âmbito (taxinomia) encorajam o aprofundamento das reflexões e incitam novos debates. Nesse sentido, estas breves considerações têm como objetivo agregar aspectos pontuais à matéria, com foco em deveres e, principalmente, oportunidades das instituições financeiras cooperativas.
Com a sua relevância já reconhecida no mercado financeiro, as sociedades cooperativas, tratando-se de instituições prevalentemente de lugar e dada a cartilha doutrinária que direciona a atuação do movimento ao redor do mundo, reúnem motivos além dos regulamentares para destacarem-se entre os agentes reconhecidos por suas boas práticas ambientais, sociais e de governança. Dito de outra forma, as cooperativas, igualmente no presente caso, têm encargos diferenciados quando comparadas a outros operadores da mesma indústria, inclusive quanto à conscientização sobre a importância do desenvolvimento sustentável em sua esfera de influência.
Ações ambientais
Diante de tais motivações e tendo como esteio o sétimo princípio associativista universal, a expectativa é que as entidades cooperativas impulsionem as finanças sustentáveis, com ênfase a projetos da chamada economia verde ou de baixo carbono, zelando pelo equilíbrio ambiental e respeitando as fragilidades e limitações do ecossistema local e regional. Complementarmente, podem estender a sua contribuição com recursos financeiros e esforços pessoais de suas lideranças e de seus executivos em medidas de proteção e revitalização do meio-ambiente.
Para além disso, sabendo das alterações climáticas em curso, em suas atividades devem estar atentas e preparadas quanto aos riscos que decorrem dos eventos extremos, entre os quais as estiagens, os excessos localizados/sazonais de chuvas, os desvios de temperatura e outras intempéries de maior severidade que tendem a repercutir na matriz econômica apoiada pelo setor cooperativo (vale lembrar que a gestão dos riscos sociais, ambientais e climáticos passa a ter assento regulamentar – Resolução CMN nº 4.943/2021 e Instrução Normativa BCB nº 153/2021 –, e, como tal, revestida de teor mandatório).
Na perspectiva ambiental, ainda, espera-se que as cooperativas, na condição de negócios locais e empreendimentos que invariavelmente congregam as principais lideranças comunitárias, componham o pelotão de frente na identificação e no incentivo de/a novos métodos e alternativas de desenvolvimento. Aqui a busca deve ser por inovações que respeitem a vocação do território e seus recursos naturais e que sejam resilientes às transformações que vimos experimentando.
Enfim, almeja-se das cooperativas amplo apoio aos cooperados e às suas comunidades na transição para um processo produtivo cada vez mais convergente com as novas diretrizes.
Práticas sociais
Já no campo social, antes de tudo há que se ressaltar que o cooperativismo é um movimento de “portas abertas”, acolhedor de todas as raças, de todas as cores, de todos os credos e das diferentes ideologias, e que recepciona os seus membros sem discriminá-los ou distingui-los em razão da condição econômica, social ou cultural. Por conseguinte, a quem quer e, sobretudo, precisar, é permitido usufruir dos benefícios da cooperação. E esse acesso universal deve ser ostensivamente disseminado por toda a sociedade, a expensas e para o bem do segmento.
Em razão (outra vez) do vínculo territorial e de sua orientação filosófica, cumpre às empresas cooperativas avocar uma atuação qualificada para mitigar ao máximo as diferenças socioeconômicas na sua base geográfica.
Neste caso, pensando na geração de emprego e renda, uma contribuição mais efetiva pode dar-se pelo incremento dos financiamentos produtivos, adequados (suficientes, tempestivos e a preços justos, por exemplo), e por meio do crédito ao consumo responsável, o que condiz com a função recicladora da poupança local (retenção e reinvestimento nas próprias praças dos recursos ali monetizados). Aliás, a ação creditícia, nesses termos, é, e sempre será, o principal instrumento das cooperativas financeiras para uma economia sólida e inclusiva.
Adicionalmente, sob a ótica do compartilhamento do resultado e do empreendedorismo humanizado, conceitos igualmente caros e inatos ao cooperativismo, algumas frentes importantes podem ser impulsionadas, como o fomento a projetos sociocomunitários voltados às classes menos favorecidas; o estímulo ao consumo consciente (ou suficiente), notadamente por meio da educação financeira; o apoio à formação de cidadãos e de empreendedores e a alocação de fundos para resgate emergencial de pessoas particularmente vulneráveis. Quanto a tais medidas, por sinal, a futura possibilidade de utilização dos recursos do Fates – Fundo de Assistência Técnica, Educacional e Social – a bem de toda a comunidade, como consta do PLP 27/2020, é uma notícia muito alentadora.
Padrões de governança
Por fim, sobre a boa governança, há que se reconhecer que as cooperativas podem alargar o exemplo. Além de os órgãos superiores de administração e de seus componentes, individualmente, mostrarem-se ativos em relação aos outros dois pilares (social e ambiental), devem ser vistos como referência na devoção aos predicativos deontológicos que conformam uma gestão virtuosa. Atributos como transparência, equidade, integridade e responsabilidade corporativa e social hão de ser especialmente cultivados na prática.
No que diz respeito à formação dos colegiados, ao lado do aprimoramento como um todo dos processos sucessórios existe grande espaço a ser ocupado por mulheres e jovens, cujo ativismo na camada diretiva é imprescindível para que as cooperativas possam reputar-se verdadeiramente inclusivas e adeptas da diversidade e do equilíbrio de gênero.
Ainda na seara da administração meritória, requer-se uma atenção dedicada das lideranças à preservação ou restauração da identidade cooperativa, de suas credenciais genuínas – de modo que as ações sejam fiéis às pregações –, o que por si só permitirá posicionar o movimento entre os principais atores do ESG. De outro modo, negligenciando sua origem, seu “porquê”, as cooperativas tendem a afastar-se do seu verdadeiro propósito, perdendo a razão de ser.
Eis, portanto, alguns dos compromissos e algumas das oportunidades que as instituições financeiras cooperativas, até mesmo como modelos, devem e podem percorrer com maior intensidade para acentuar os impactos positivos hoje já produzidos (embora insuficientemente divulgados) em suas áreas de abrangência, assumindo real protagonismo na edificação de um mundo mais equilibrado e assegurando a sua própria perenidade.
Ênio Meinen, autor de “Cooperativismo financeiro na década de 2020: sem filtros!” (Ed. Confebras, 2020) e diretor de coordenação sistêmica e relações institucionais do Sicoob.