Ultrapassando as barreiras de ser apenas uma atual demanda do mercado, a intercooperação ressurge chamando a atenção para a necessidade de autoanálise das cooperativas e da urgência de aplicar esse princípio de forma efetiva.
Os vieses em torno dessa grande questão – e oportunidade para o cooperativismo – foram destaque da matéria de capa da nova edição da Revista MundoCoop. Nela, especialistas e líderes cooperativistas trouxeram suas visões a respeito da mudança de paradigmas sobre a intercooperação. Leia aqui!
“Intercooperação: competição ou cooperação?”. A indagação que dá o título a essa produção é também um “start” nas discussões do tema. Essas que, com certeza, não terminarão por aqui.
Indo além do que está nas páginas da revista, a MundoCoop conversou exclusivamente com o Chefe do Departamento de Supervisão de Cooperativas e de Instituições Não Bancárias no Banco Central do Brasil, Harold Espínola, sobre o recente posicionamento da entidade sobre as cooperativas, suas estratégias e pontos de atenção.
Confira!
Recentemente o Banco Central promoveu um encontro com lideranças cooperativistas para falar sobre intercooperação. Na visão do BC, como essa pauta está sendo aplicada atualmente no cooperativismo brasileiro?
Por ser o 6º Princípio do Cooperativismo, pode-se dizer que ela (intercooperação) esteve presente em toda a história desse movimento bicentenário. Entretanto, nunca foi tão imprescindível passar do discurso à prática, de iniciativas mais periféricas para atividades centrais ou nevrálgicas.
Observador privilegiado do cenário do Sistema Financeiro, a intenção do Banco Central com o evento foi atuar como catalisador do processo de intercooperação no Sistema Nacional de Crédito Cooperativo (SNCC), que precisa ser aprofundado e ganhar amplitude.
O segmento financeiro é um ambiente de muita competição e essa disputa não está mais somente na vertente dos preços de produtos e serviços. O quanto custa servir e bem atender o consumidor, com diversidade e qualidade, passa a ser uma variável determinante para as instituições.
Assim, avançar rápida e fortemente na intercooperação ganhou cunho estratégico e inadiável e o cooperativismo tem um espaço enorme a explorar.
Durante o encontro, foi mencionado o mote de que é preciso falar mais em cooperação, e menos em competição. No longo prazo, que aspectos negativos poderiam ser percebidos diante da atual competição vista no setor e mencionada durante o encontro?
A competição é mesmo acirrada. Além disso, temos uma simultaneidade de eventos ou novidades disruptivos acontecendo nas nossas vidas, inclusive na dimensão da oferta de produtos e serviços financeiros. Essa simultaneidade combinada ao uso intensivo da tecnologia leva a mudanças muito rápidas nos cenários de negócios.
Isso é um desafio? Sem dúvida, mas, a competição não deve ser vista como algo negativo, e, sim, como um catalisador de benefícios à sociedade e um incentivo a resiliência, flexibilidade, criatividade e jogo de cintura de dirigentes e gestores.
A intercooperação é um caminho para enfrentamento dessa corrida, que já vem “de fábrica”, no DNA dos princípios que nortearam o cooperativismo ao longo de quase dois séculos. Mas, precisa ser praticada com vontade.
Também, não é porque duas cooperativas concorrem entre si que não pode haver intercooperação entre elas. Talvez, aqui, no entendimento disso, resida o maior desafio para o cooperativismo de crédito.
As cooperativas brasileiras estão em pleno crescimento, realidade fomentada por recentes dados divulgados. Em contrapartida, o destaque dos bancos digitais continua em uma crescente acima da média. Como o setor cooperativista pode enxergar esse cenário? Quais sinais de alerta são necessários para que o crescimento dos dois segmentos se torne menos desigual?
De fato, a taxa de crescimento das cooperativas é superior à média do Sistema Financeiro, mas, inferior à das entidades financeiras que atuam preponderante ou exclusivamente por meios digitais, conhecidas popularmente como bancos digitais. E a ampliação expressiva da base de clientes de entidades importantes desse segmento se dá principalmente de forma orgânica, ou seja, um cliente trazendo o outro. Uma conclusão que pode ser inferida é que há assertividade na comunicação e no entendimento de seus clientes, indo ao encontro de suas expectativas.
Nada disso seria novidade para o cooperativismo, que nasceu da união de pessoas na construção de soluções de problemas comuns. Em outras palavras, uma cooperativa nasce das necessidades de uma comunidade ou de um grupo de pessoas. Isso permite um conhecimento diferenciado para construção e oferta de soluções, produtos e serviços. E, vale lembrar, as cooperativas de crédito ainda estão por todo o país, próximas aos seus cooperados, com a capacidade de praticar políticas de atuação regionalizadas.
Bem, dessas duas análises resta um dever de casa para os dirigentes: por que esse potencial não está sendo maximizado?
Como é possível restabelecer a confiança dentro do setor cooperativista, promovendo assim ações de cooperação e intercooperação que realmente sejam benéficas não apenas para as cooperativas, mas também para os cooperados?
Antes, vale a pena um comentário. As parcerias são importantes e devem ser exploradas pelas cooperativas de crédito. Mas, a intercooperação está em um estágio mais elevado de construção de soluções e, portanto, é bem mais poderosa nos benefícios que pode trazer ao cooperativismo e, logicamente, aos cooperados.
Também, cabe lembrar que fidúcia, confiança, é, talvez, o bem maior na atividade financeira.
Outro aspecto é que cooperativas são sociedades de pessoas e atividades coletivas vão muito além quando o ambiente é de confiança entre os participantes.
Então, não falaria em restabelecer confiança e, sim, em construir e praticar. Se quero ir adiante em um processo, preciso partir de uma visão positiva e de uma predisposição ao diálogo e à construção de consensos – conceito que embute prevalecer em alguns pontos e ceder em outros, construindo acordos e, a partir daí, fazendo tudo para dar certo.
Se formos olhar de uma forma mais ampla, nada mais do que praticar o cooperativismo.
Harold Espínola é Chefe do Departamento de Supervisão de Cooperativas no BC
Por Fernanda Ricardi e Leonardo César – Redação MundoCoop
Fonte: mundocoop.com.br
A intercooperação é um tema crucial associado a ganho de escala; economia de escopo (gerando, na soma das duas variáveis, melhora na eficiência operacional e na competitividade); ampliação dos benefícios ao quadro social e, por extensão, fortalecimento do ecossistema cooperativo financeiro.
Venho colocando essa agenda em relevo há algum tempo. Já no ano de 2014, eu e Márcio Port, por exemplo, dedicávamos à matéria um conteúdo generoso em livro sobre perspectivas e desafios do cooperativismo financeiro.
De lá para cá, ou mesmo antes, muitos artigos foram produzidos a respeito, assunto também amplamente explorado em aulas de pós-graduação e palestras dentro e fora do país.
Mais recentemente, por ocasião da edição do livro “Cooperativismo financeiro na década de 2020: sem filtros!” [ed Confebras, hoje na 2a edição atualizada para 2023], dediquei um capítulo inteiro a esse desafio [4 – “Sob o impulso da intercooperação”], mostrando, em análise vertical, os efeitos positivos da aplicação prática do 6o princípio cooperativista; os efeitos adversos da não observância; os motivos da resistência; as possíveis providências para avançarmos com a pauta, além de relacionar um conjunto de oportunidades a serem exploradas (na relação intrarramos ou entre ramos diversos).
Não há muito, em movimento do qual participamos ativamente, penso que foi dado um passo institucional relevante com a criação do Comitê de Intercooperação do Sistema Nacional de Crédito Cooperativo, âmbito no qual já houve até mesmo priorização de iniciativas de cooperação intrassegmento.
Nos últimos meses, em razão da intensificação dos debates, inclusive sob impulso do BC, o tema ficou ainda mais em evidência, lembrando que a aplicação dos princípios cooperativistas atualmente também compõe o conteúdo regulamentar dirigido ao cooperativismo financeiro.
Ou seja, há um sem-número de argumentos (doutrinários, legais e práticos), todos em favor dos milhões de donos do negócio, que nos conduzem a não tardar a tomada de atitudes, transformando em obra a nossa (uníssona) pregação!