Em certa oportunidade, conhecendo a experiência do Sistema Desjardins no Canadá, perguntei a um diretor deles, o que ele considerava ser o ponto forte e o ponto a melhorar do Sistema Desjardins.
A resposta foi, a meu ver, uma espécie de retrato e de desafio constante que as cooperativas precisam superar com inteligência.
Segundo aquele diretor, o ponto forte do Sistema Desjardins, se concentrava no processo democrático de tomada de decisão, com profunda discussão dos temas com a base de cooperados e com os colegiados, de tal forma, que as decisões se apresentavam com alta legitimidade e assertividade.
O ponto a melhorar, era o tempo que este processo consumia. De modo que quando a decisão era efetivamente aplicada, apesar de ser assertiva, ela surtia um efeito muito abaixo do seu potencial, em razão de que o melhor momento para ela ter sido aplicada já teria passado.
Ou seja, o mercado financeiro não ficava parado, aguardando o processo democrático do Sistema Desjardins para se movimentar. Isso acontece lá, aqui e em todo lugar. O mercado financeiro é dinâmico, ágil, complexo e competitivo.
Nesta linha, se mostra inevitável uma elevada eficiência na estrutura e no processo de tomada de decisão das cooperativas de crédito para garantirem, na prática, a execução do seu propósito.
Há muitos espaços de atenção para dedicar energia, no sentido de que a cooperativa se transforme numa organização dinâmica, de legítima, assertiva e rápida resposta, como se fosse a sinapse no corpo humano, que transmite informações e conecta elementos rapidamente a fim de ‘promover compreensão e pautar o processo de tomada de decisão’.
Um destes espaços de atenção, é a primordial tarefa da cooperativa de crédito investir-se de fato, de seu compromisso de transformação local. Assumindo para si, o papel de ‘alfaiate’ de soluções financeiras para a comunidade. Identificando e estimulando, por meio de produtos e serviços, as potenciais e existentes cadeias produtivas da região. Promovendo a prosperidade das pessoas e da comunidade com sustentabilidade.
Outro espaço, é o estabelecimento de adequada conexão com a base de cooperados, garantido a legitimidade do processo democrático e de participação. E para isto, um dos meios mais capazes de conferir essa dinâmica é a existência e atuação adequada dos delegados/coordenadores de núcleo.
Se a cooperativa não tem, talvez seja o momento de pensar nesta oportunidade. E se tem. Talvez seja o momento de refletir acerca do nível de investimento que está sendo aplicado para a devida preparação, engajamento e reconhecimento destes cooperados que assumem esse papel e detém grande relevância dentro de uma estratégia de eficiência do propósito.
Um outro espaço, é estar aberto ao contraditório, isso serve para as AGs, assim como, para dentro dos debates dos colegiados/conselhos. O respeito e a maturidade para celebrar o contraditório, é essencial para um olhar crítico e aberto sobre as possibilidades, no campo das ideias.
Quando um colegiado não se permite a construir um ambiente de amplo debate, com respeito às ideias e pessoas e interpreta o contraditório como um embate pessoal, uma ameaça ou algo indesejado. Provavelmente existe alguma perda de qualidade no processo de tomada de decisão.
Ainda na seara dos colegiados e seu viés de eficiência do propósito, é preciso estar atento, aos possíveis conflitos existentes entre a tomada de decisão da maioria versus a melhor decisão.
Pode até soar confuso, afinal, em tese, a decisão da maioria é a melhor. Mas, pode ser que, por vezes, a maioria decida não adotar uma determinada ideia, em detrimento da minoria. Mas isso não significa exatamente que a ideia era ruim, pode talvez apenas revelar que a maior parte daquele grupo não estava pronta, naquele momento, para aquela ideia e, portanto, são coisas distintas.
Ou seja, a ideia era boa, mas parte do grupo não estava preparada. Aí pode vir a questão: Por que não estavam preparados e qual a oportunidade, principalmente para os cooperados, que está se perdendo?
As oportunidades, principalmente no âmbito da inovação e em ambientes de alta competitividade, carecem, por vezes, de desprendimentos, visão e ousadia. Neste sentido, uma vez assegurado o interesse da base e os níveis de segurança, seria salutar uma franca reflexão interna do colegiado, para buscar garantir que o processo de decisão da maioria esteja altamente compatível com a melhor decisão/oportunidade para os cooperados/singulares/centrais/sistemas.
Aliás, pode ser um bom exercício, partir de dentro dos próprios colegiados, o periódico autoquestionamento se estão de fato sendo altamente eficientes em seus processos de tomada de decisão, identificando, debatendo e corrigindo eventuais pontos de melhoria.
Outro essencial ponto de atenção, são os colaboradores. Se estes não tiverem a consciência dos diferenciais de atuação e propósito da cooperativa em relação aos demais players do mercado. Certamente a eficiência do propósito estará comprometida com elevadas sequelas e muito distante de ser alcançada.
Como citei inicialmente, há muitos espaços de atenção, mas enfatizo ainda mais um, que é a intercooperação. Inegavelmente a eficiência do propósito passa pelos princípios do cooperativismo e ainda há uma imensidão de oportunidades no 6º princípio, esperando, dentre algumas coisas, pela palavra: atitude.
No artigo ‘Um terço do copo (talvez)!’ escrevi que seria necessário alguém na estrutura da cooperativa, um cargo, um responsável ou uma área de inteligência dedicada a mapear as oportunidades de intercooperação.
Além disso, ainda há a formação de novas lideranças, maior participação deliberativa de jovens e mulheres, agenda de sustentabilidade (ESG/ODS) e outros espaços de atenção.
Enfim, avaliando o relato do ponto forte e a melhorar do Sistema Desjardins, é fato que pela essência democrática e propriedade coletiva é grande o desafio das cooperativas em estabelecer estruturas e processos dinâmicos e eficientes no sentido da execução do propósito.
No campo da administração, Taylor falava sobre tempos e movimentos, já o processo Kaizen, em melhorias contínuas. Portanto, entendo que sempre que houver um espaço de ineficiência, na estrutura e/ou no processo de tomada de decisão da cooperativa, ele precisa ser identificado e atacado, pois reduzir estes espaços, significa elevar a eficiência do seu propósito.
Sílvio Giusti é Consultor em cooperativismo – Experiência de 35 anos – Palestrante e Articulista – Consultor Sênior para a DGRV (Conf. Alemã de Coop) – Proprietário da GIACOO-Giusti Assesoria & Consultoria