No coração da Escócia, na vila de Fenwick, East Ayrshire, nasceu um movimento que viria a moldar o futuro do comércio e da comunidade: a mais antiga cooperativa do mundo, dos Tecelões de Fenwick.
A primeira cooperativa do mundo
A Sociedade dos Tecelões de Fenwick foi fundada em 14/03/1761, sendo assim reconhecida como a primeira cooperativa documentada do mundo, um marco que prenunciou o advento do cooperativismo.
Pesquisadores que recuperaram a história
John McFadzean e John Smith, realizaram pesquisas importantes que ajudaram a estabelecer a Sociedade dos Tecelões de Fenwick como a primeira cooperativa totalmente registrada do mundo.
Revolução Industrial e seus impactos sociais
A fundação da Sociedade dos Tecelões de Fenwick ocorreu em um momento de transformação econômica e social. A Revolução Industrial estava em pleno andamento, e com ela, a mecanização ameaçava os métodos tradicionais de tecelagem. Os tecelões estavam diante do declínio da tecelagem manual e da pressão para aceitar pagamentos mais baixos. Decidiram então se unir para apoiar uns aos outros, garantindo o futuro do seu comércio de tecelagem e assegurando um preço justo pelo trabalho.
O vilarejo de Fenwick, em East Aurshire, na Escócia
Durante as décadas de 1750, 1760 e 1770, a economia e a história de Fenwick, na Escócia, estavam intimamente ligadas à indústria têxtil. A vila de Fenwick era conhecida por sua comunidade de tecelões, que desempenhava um papel significativo na economia local. Os tecelões de Fenwick estavam envolvidos na produção de tecidos de lã e linho, que eram comercializados localmente e em outras regiões.
16 tecelões criaram um pacto de solidariedade
Diante desses desafios, 16 tecelões uniram-se com um propósito comum: apoiar uns aos outros e garantir um futuro sustentável para seu ofício.
O propósito era de que os tecelões se apoiassem mutuamente, sendo fiéis e honestos uns com os outros e com seus empregadores, produzindo trabalho de boa qualidade e estabelecendo preços que não fossem “nem mais altos nem mais baixos do que os costumeiros nas cidades e paróquias vizinhas”.
Eles formaram uma sociedade baseada em princípios de honestidade, qualidade e justiça. Essa união representava mais do que uma mera associação comercial; era um pacto de solidariedade.
Foi em 14 de março de 1761, se uniram na Igreja de Fenwick para assinar a carta de fundação da Fenwick Weavers Society. Estavam criando ali a mais antiga cooperativa do mundo, dos Tecelões de Fenwick.
“Foi concebido de forma um tanto secreta”, disse McFadzean, pesquisador que garimpou informações sobre esta história. “Eles colocaram vigias para poder ver quem estava chegando. Os proprietários de terras desaprovavam a reunião dos trabalhadores e a tomada do seu futuro nas próprias mãos, tornando-se mais organizados e autossuficientes.”
Nas duas primeiras décadas do século 19, várias outras cidades e vilas em Ayrshire estabeleceram suas próprias cooperativas de trabalhadores.
A Operação da Cooperativa dos Tecelões de Fenwick
A Sociedade dos Tecelões de Fenwick operava sob um conjunto de regras acordadas, promovendo a integridade e a cooperação entre seus membros. Em 1769, a sociedade expandiu seu escopo, decidindo usar seus fundos coletivos para comprar alimentos em grandes quantidades e vendê-los a preços acessíveis, tanto para membros quanto para não membros.
Registros mostram que a sociedade rapidamente começou a emprestar dinheiro para membros carentes e suas famílias – tornando-se, segundo pesquisadores a primeira cooperativa de crédito registrada. Os registros originais, agora na Biblioteca Nacional da Escócia, registram empréstimos de curto prazo de 10 e 12 xelins aos membros, a uma taxa fixa de 5%. Uma folha de contas de 1764 registra: “Dado a Margaret Mitchel em Finnick estar em necessidade … 1s.”
A sociedade dos tecelões começou comprando e compartilhando materiais e teares, mas em 1769 se ramificou em alimentos, primeiro comprando um saco de aveia no atacado para vender em quantidades menores a preço reduzido.
Essas inovações geraram outras iniciativas:
- uma biblioteca cooperativa foi fundada em 1808, que resultou na criação da Biblioteca de Fenwick;
- e uma “sociedade de emigração” para ajudar os aldeões a fazer novas vidas no Novo Mundo, o que indica que havia uma consciência da necessidade de buscar oportunidades além das fronteiras locais.
No início de 1800, os aldeões estabeleceram o que ficou conhecido como o “parlamento de Fenwick”, reuniões abertas para debater assuntos locais realizadas na bomba de água, estrategicamente localizada em uma encruzilhada.
A cooperativa operou até 1873, completando 112 anos
A Fenwick Weavers Society se desfez em 1873. Ficara com um punhado de membros, em parte vítima da emigração da população, coordenada pela própria Sociedade de Emigração criada pelos tecelões. No início da década de 1870, a população de Fenwick havia caído de 2.000 para 500, dispersada para a Nova Zelândia, Austrália, Canadá, África do Sul e Estados Unidos. Isso espalhou sua influência pelo mundo.
A Sociedade foi reconvocada em março de 2008 e foi reconstituída como uma cooperativa, na forma legal de uma sociedade industrial e providente, a fim de registrar, coletar e comemorar o patrimônio dos Tecelões de Fenwick.
Legado e Influência
A cooperativa funcionou até 1873, um testemunho de sua resiliência e relevância. Durante sua existência, a sociedade não apenas forneceu bens essenciais a preços justos, mas também fomentou a educação e o bem-estar da comunidade, estabelecendo uma biblioteca e apoiando a emigração para novas terras.
A história dos Tecelões de Fenwick é uma narrativa de inovação, comunidade e resistência. Embora seu nome não seja amplamente conhecido, o legado que deixaram é imenso. Eles pavimentaram o caminho para o movimento cooperativo global, provando que a cooperação e a mutualidade podem florescer mesmo nas circunstâncias mais desafiadoras.
Este artigo é uma homenagem àqueles tecelões visionários de Fenwick, cujas ações corajosas deram origem a um movimento que continua a prosperar séculos depois. Sua história, embora talvez desconhecida por muitos, merece ser contada e celebrada como o alvorecer do cooperativismo.
Registros na Biblioteca Nacional da Escócia
A Nacional Library of Scotland guarda em seus arquivos o livro de registros da mais antiga cooperativa do mundo, dos Tecelões de Fenwick. É um dos itens mais antigos da história do trabalho escocês na Biblioteca.
Cobrindo o período 1761-1873, contém uma série ininterrupta de atas, alguns registros financeiros, listas de membros (1800-1872) e um registro de suas mortes (1763-1863).
No livro de registros, consta a ata original da fundação da “Sociedade de Tecelões em Fenwick”, datada de 14 de março de 1761.
O livro dos Fenwick Weavers foi apresentado à Biblioteca em 1968 por Andrew Faulds MP.
O vilarejo de Fenwick nos dias atuais
Fenwick é uma vila situada em East Ayrshire, na Escócia. Hoje, Fenwick é conhecida por ser o término da autoestrada M77, após sua extensão que foi inaugurada em abril de 2005, marcando o início do desvio de Kilmarnock.
A população de Fenwick foi estimada em 1.170 habitantes em 2020. A vila mantém seu charme histórico e continua a ser um local de interesse para aqueles que estudam o movimento cooperativo e a história social da Escócia.
Em termos de localização relativa, Fenwick está localizada a cerca de 30 kilometros ao sudoeste da cidade de Glasgow, estando próxima de áreas urbanas maiores, enquanto ainda mantém sua identidade de vila rural com uma rica herança histórica.
Ata da fundação da Sociedade dos Tecelões de Fenwick
Pesquisas realizadas por Márcio Port, autor do livro “Cooperativismo Financeiro, uma história com propósito, publicado em 2022, e coautor dos livros “Cooperativismo de Crédito Ontem, Hoje e Amanhã”, publicado em 2012 e “Cooperativismo Financeiro: percurso histórico, perspectivas e desafios“, publicado em 2014.
História encantadora e riqueza de detalhes e ensinamentos, mostrando o como esse ciclo histórico se repete e se repete aos longo dos séculos. Parabéns pelo texto e muito obrigado por compartilhar.
Obrigado por compartilhar.
Parabéns por resgatar essa rica história e essência do cooperativismo. O passado nos dá uma perspectiva, contexto e consequências, os quais podem nos direcionar para os sucessos e fracassos do nosso movimento. Abraço
Paulo Abreu Barcellos
Caro Marcio, muito interessante esse seu trabalho, uma contribuição excelente para a história do cooperativismo mundial.
Dois pontos chamam a atenção: o primeiro é a função de crédito exercida pela cooperativa e o segundo é a ajuda para imigração para outros países. Também relevante é a ideia de preocupação com a comunidade, que acabou dando origem ao sétimo princípio.
Muito obrigado por compartilhar!
Parabéns!
Forte abraço
Roberto Rodrigues