Representação e Governança Corporativa nas Cooperativas de Crédito de Segundo Grau

O artigo 41 da Lei nº 5.764, de 16 de dezembro de 1971, estabelece que “nas Assembleias  Gerais das cooperativas centrais, federações e confederações de cooperativas, a representação  será feita por delegados indicados na forma dos seus estatutos e credenciados pela diretoria  das respectivas filiadas”. 

Por seu turno, o artigo 47 do mesmo diploma legal citado, no parágrafo anterior,  estabelece que “a sociedade será administrada por uma Diretoria ou Conselho de  Administração, composto exclusivamente de associados eleitos pela Assembleia Geral, com  mandato nunca superior a 4 (quatro) anos, sendo obrigatória a renovação de, no mínimo, 1/3  (um terço) do Conselho de Administração”. 

Depreende-se da leitura do artigo 47 que a renovação de 1/3 (um terço) ocorrerá somente  no caso do Conselho de Administração, situação que não se concretizará na hipótese  de a cooperativa (em geral) optar por ser administrada somente por uma Diretoria. 

Não obstante a clareza da lei, algumas dúvidas continuam incomodando muitos  operadores jurídico-cooperativistas, como, por exemplo, a renovação obrigatória de 1/3  (um terço) do Conselho de Administração. Neste caso, a pergunta que ainda não tem  uma resposta segura é se a renovação em questão diz respeito aos delegados indicados  pelas cooperativas singulares, na forma dos seus estatutos e credenciados pela  diretoria das respectivas cooperativas singulares, ou se a renovação se dará em relação  às cooperativas filiadas à central e, portanto, as representadas?  

Na hipótese acima aventada, não se pode perder de vista que as cooperativas singulares  (de primeiro grau) são as criadoras e mantenedoras (proprietárias mesmo) das  cooperativas de segundo grau (as centrais). Neste caso, a Assembleia Geral, órgão  supremo das sociedades cooperativas, no momento em que for instada, elegerá os  representantes das proprietárias (singulares) para compor o Conselho de  Administração.

Ocorre, porém, que, em algumas situações, elegem um Conselho de Administração  composto por delegados indicados por todas as cooperativas filiadas, situação que,  salvo melhor juízo, impedirá a renovação de 1/3 (um terço) de que trata o artigo 47, da  Lei nº 5.764, de 1971, se a resposta ao questionamento anteriormente formulado for no  sentido de que a renovação se dará em relação às cooperativas filiadas. 

Independentemente da questão constante do parágrafo anterior, é importante  destacar, a propósito, que, na cooperativa singular, a renovação discutida diz respeito  às pessoas físicas associadas e não a delegados, representantes dessas, até porque essa  figura não existe na cooperativa de primeiro grau. 

No caso ora em debate, contudo, é de bom alvitre evidenciar uma situação concreta que se verifica em muitas centrais, que é a composição do Conselho de Administração  por representantes (delegados) de todas as singulares filiadas. In casu, porém, essa  mesma composição será aquela que estará presente na própria Assembleia Geral da  cooperativa de segundo grau. Neste exemplo, pergunta-se: A AG não estará sendo um  conclave incumbido para somente referendar as decisões emanadas do Conselho de  Administração? 

Do ponto de vista da representação democrática, um Conselho de Administração,  formado por todas as cooperativas singulares afiliadas à cooperativa central de crédito,  formata um modelo muito interessante. Isso é inegável, mas, do ponto de vista da  atuação dos representantes indicados pelas cooperativas singulares, o fato de que as  mesmas pessoas poderão atuar no nível do órgão estratégico (Conselho de  Administração) e no foro legítimo do controle societário (assembleia geral) abre espaço  para a potencialização de conflitos de interesse, uma vez que o papel de uma  assembleia geral é exercer o controle sobre a administração da entidade, o que tende a  perder peso, no caso de a assembleia ser formada pelas mesmas pessoas que atuam na  estratégia.  

Além disso, mesmo que os representantes indicados por uma cooperativa singular para  atuarem no Conselho de Administração e na assembleia Geral sejam pessoas naturais  diferentes, ainda assim, remanescem possibilidade de alinhamento de interesses  oriundos da administração da cooperativa singular que indica tais representantes, até  porque não se pode perder de vista que, no ramo crédito, a cooperativa central  desempenha importante papel complementar à supervisão exercida pelo Banco  Central do Brasil, o que está explícito no artigo 18 da Resolução CMN 5.051/2022, com  redação dada pela Resolução CMN 5.131/2024: “A cooperativa central de crédito deve  estabelecer, em seu estatuto social e normas operacionais, dispositivos que  possibilitem prevenir e corrigir situações que possam configurar infrações a normas  legais ou regulamentares ou acarretar risco para a solidez das cooperativas filiadas e do  sistema cooperativo”. 

Ressalvado o dinamismo democrático, já citado, no caso específico do ramo crédito, um  Conselho de Administração, formado por representantes de todas as cooperativas 

singulares afiliadas à cooperativa central pode abrir espaço para alinhamentos de  interesse das cooperativas singulares ou de administradores dessas entidades,  ampliando a possibilidade de conflito de interesse na atuação da central no seu papel  de prevenir e corrigir situações que possam configurar infrações a normas legais ou  regulamentares ou acarretar risco para a solidez das cooperativas filiadas e do sistema  cooperativo. 

  Verifica-se, portanto, sob o ponto de vista da boa governança, que o recomendável,  segundo o Instituto Brasileiro de Governança Corporativa – IBGC2, é um Conselho de  Administração composto por um número de membros que pode variar conforme o  setor de atuação, porte, complexidade das atividades, estágio do ciclo de vida da  organização e necessidade de criação de comitês, sendo recomendável um número  suficiente para garantir a diversidade de perspectivas no processo decisório e não  inviabilizar a produtividade e efetividade da dinâmica, sendo uma referência possível,  um número ímpar entre cinco e nove membros. 

Ora, se a recomendação do órgão de maior distinção no estudo e na proposição de regras  para a governança corporativa no País, a respeito da melhor composição do colegiado, é de um número ímpar de conselheiros de administração, entre cinco e nove, a adoção  de Conselho de Administração com número superior ao indicado pelo IBGC pode  parecer um exagero, o que pode prejudicar o processo de racionalidade e de eficácia do  processo de tomada de decisões! 

Nessa linha de raciocínio, que tem como objetivo apenas contribuir para a discussão  do tema, abrindo caminho para análises técnicas mais alinhadas ao cooperativismo,  especialmente o de crédito, sem perder de vista os riscos inerentes ao processo de  governança, pelas questões postas, será que não é chegada a hora de revermos esse  importante instituto no âmbito das cooperativas centrais do ramo crédito, observando  corretamente a lei de regência e contribuindo, com isso, para a administração de  possíveis conflitos de interesses? 

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