A Expointer, uma das maiores feiras agropecuárias da América Latina, tornou-se palco de um anúncio crucial para o setor rural brasileiro. Durante a abertura oficial da 48ª edição, realizada em Esteio (RS), no dia 5 de setembro de 2025, o Governo Federal apresentou um pacote emergencial para renegociação de dívidas rurais, formalizado pela Medida Provisória nº 1.314.
Medida Provisória de Desendividamento Rural é anunciada na Expointer 2025
A iniciativa entrou em vigor de forma imediata e foi articulada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em conjunto com os ministros Carlos Fávaro (Agricultura e Pecuária) e Paulo Teixeira (Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar).
Alternativa ao uso do Fundo Social
O anúncio representou uma mudança de estratégia em relação ao projeto de lei aprovado pela Câmara dos Deputados, que autorizava o uso de até R$ 30 bilhões do Fundo Social para refinanciamento de dívidas de crédito rural. Em vez disso, a MP estabeleceu um modelo próprio, combinando duas fontes de recursos: até R$ 12 bilhões provenientes do superávit financeiro do Tesouro Nacional, apurado em 31 de dezembro de 2024, e a utilização de recursos livres das instituições financeiras, como a poupança rural e as Letras de Crédito do Agronegócio (LCA).
O cenário do endividamento rural
Apesar da expectativa de uma safra recorde de 345 milhões de toneladas de grãos em 2025, muitos agricultores convivem com um paradoxo: dívidas elevadas e dificuldade de acesso a crédito. A queda nos preços das commodities e o aumento dos custos de insumos pressionaram a renda no campo. O Rio Grande do Sul tornou-se o epicentro dessa crise, respondendo por 80% do endividamento agrícola nacional, com um passivo estimado em R$ 27,4 bilhões e cerca de 65 mil produtores afetados. Nos últimos cinco anos, duas estiagens severas e uma enchente histórica intensificaram o problema, levando o governo a adotar medidas emergenciais.
Critérios de acesso e beneficiários
A Medida Provisória estabeleceu critérios rigorosos para direcionar os recursos a quem mais precisa. Apenas produtores que registraram perdas de pelo menos 30% em duas safras entre julho de 2020 e junho de 2025 poderão acessar as linhas. Além disso, os municípios contemplados devem ter decretado dois estados de emergência nesse período. A MP também ampliou o alcance ao incluir as cooperativas de produção agropecuária como beneficiárias diretas. Em contrapartida, operações contratadas com recursos do Fundo Social no Rio Grande do Sul em 2024 ficaram excluídas do programa.
As linhas de crédito previstas
Linha via BNDES
A principal modalidade da MP prevê até R$ 12 bilhões de recursos do Tesouro, operados pelo BNDES, que poderá atuar diretamente ou por meio de instituições financeiras habilitadas. Essas instituições assumem integralmente o risco das operações, incluindo o risco de crédito. O prazo de contratação vai até 30 de junho de 2026.
As condições variam conforme o porte do produtor:
- Pronaf: até R$ 250 mil, juros de 6% ao ano;
- Pronamp: até R$ 1,5 milhão, juros de 8% ao ano;
- Demais produtores: até R$ 3 milhões, juros de 10% ao ano.
O prazo máximo de pagamento é de nove anos, com carência de até dois anos, e o primeiro vencimento poderá ocorrer apenas em 2027.
Somente poderão ser liquidadas operações de crédito rural de custeio, investimento e CPRs que tenham sido contratadas ou emitidas até 30 de junho de 2024. Essas operações precisam estar adimplentes nessa data e podem ter se tornado inadimplentes até a publicação da MP. Também são elegíveis as operações renegociadas ou prorrogadas com vencimento até 31 de dezembro de 2027, desde que adimplentes no momento da nova contratação.
A MP trouxe ainda uma regra inovadora: quando o valor da dívida ultrapassa o limite da categoria, o excedente passa a ser enquadrado na faixa seguinte. Por exemplo, um produtor familiar do Pronaf que precise de R$ 300 mil poderá acessar R$ 250 mil a juros de 6% ao ano, enquanto os R$ 50 mil excedentes serão enquadrados na categoria seguinte (Pronamp), com juros de 8% ao ano.
Linha com recursos próprios
Além da linha via BNDES, a MP autorizou que instituições financeiras ofereçam crédito com seus recursos livres, como poupança rural e LCAs. Essas operações poderão ter prazos de até nove anos, com carência de um ano, e taxas de juros definidas livremente. O governo, entretanto, incentiva o uso de taxas pós-fixadas, considerando a expectativa de queda da Selic.
Nesse modelo, as instituições precisam avaliar cuidadosamente o fluxo de caixa dos produtores para garantir sua capacidade de continuidade produtiva. Para estimular a adesão, a MP concede um benefício fiscal: bancos e cooperativas poderão apurar crédito presumido tributário até 2029, limitado a R$ 15 bilhões, com possibilidade de ressarcimento a partir de 2026.
Sustentabilidade e regras contábeis
O texto prevê que o Conselho Monetário Nacional (CMN) poderá estabelecer critérios de sustentabilidade ambiental para operações de investimento realizadas com base na MP. Dessa forma, a medida se conecta à agenda ESG e ao debate sobre crédito verde. Além disso, o CMN definirá como as operações serão classificadas nos balanços, evitando que sejam registradas como ativos problemáticos, em linha com as regras do IFRS 9.
Impactos esperados
A expectativa é de que a medida atenda a praticamente todos os produtores endividados. Embora 96% se enquadrem dentro das faixas estabelecidas, o governo projeta que 100% sejam contemplados, graças à possibilidade de migração entre categorias. Estima-se que os R$ 12 bilhões iniciais movimentem mais de R$ 40 bilhões em operações, considerando a alavancagem e o crédito presumido.
O custo fiscal máximo projetado é de R$ 15 bilhões até 2029. A prioridade ao Pronaf e ao Pronamp reforça o foco na agricultura familiar e nos médios produtores. Outro impacto esperado é a redução das recuperações judiciais, uma vez que o programa estimula renegociações extrajudiciais mais vantajosas para produtores e instituições.
Com essas condições, os agricultores, especialmente no Rio Grande do Sul, poderão recuperar sua capacidade produtiva, retomar investimentos e fortalecer a estabilidade do setor agropecuário brasileiro.
Papel das cooperativas de crédito
As cooperativas de crédito têm papel estratégico na implementação da medida. Sua proximidade com o produtor, aliada ao conhecimento profundo das realidades locais, permite que elas atuem como parceiras essenciais na operacionalização. Instituições como o Sicredi estão preparadas para orientar associados, oferecer soluções personalizadas e garantir que os recursos cheguem de forma ágil e transparente.
Gestão e transparência
O Ministério da Fazenda ficou responsável pela gestão e fiscalização da medida, devendo acompanhar e publicar relatórios periódicos sobre a execução. Já o CMN deverá detalhar condições financeiras, definir critérios de risco e, se necessário, estabelecer exigências ambientais. Essas medidas reforçam o compromisso do governo com a transparência e a prestação de contas.
Um caminho para a reconstrução
A efetividade do programa dependerá da celeridade na regulamentação e da eficiência no atendimento aos produtores. O cooperativismo financeiro, com sua tradição de proximidade e compromisso comunitário, surge como pilar da reconstrução do setor agropecuário brasileiro, ajudando a restaurar a confiança no campo e a sustentabilidade produtiva.
Fonte oficial
Confira a íntegra da Medida Provisória no Diário Oficial da União:
Medida Provisória nº 1.314, de 5 de setembro de 2025 – DOU