Filho de agricultores, o empresário liderou a construção do banco cooperativo.
O escritório envidraçado, no 12º andar da sede do Sicredi, na Avenida Assis Brasil, permite que Ademar Schardong olhe para o norte e para o leste. Mirando o norte, enxerga a expansão de Porto Alegre, mas ainda vislumbra campos e banhados. Para o leste, vê a metrópole sufocada, apinhada de prédios. A mesa de Schardong está virada para o norte das suas origens.
O presidente-executivo do Sistema de Crédito Cooperativo é de Lajeado Teimoso, interior de Crissiumal, quase na fronteira com Santa Catarina, onde os pais, José Arnildo e Wilma, ainda vivem em 14 hectares. Schardong, 54 anos, saiu dali na adolescência para continuar os estudos na cidade:
– Vivi na roça até os 13 anos.
Formou-se em Ciências Contábeis, na Unijuí, e em Direito, na Ulbra. Desde 1982, mora em Porto Alegre. Há 32 anos dedica-se com teimosia a uma utopia que finalmente viu prosperar, a criação de um banco cooperativo nacional.
O Sicredi, que virou grife, com 1.122 agências em 10 Estados (492 no Rio Grande do Sul), 1,6 milhão de associados, R$ 19 bilhões em ativos (recursos de terceiros movimentados pelo sistema) e 12 mil funcionários, é o quinto grupo econômico gaúcho e o 19º do Sul, segundo ranking da revista Amanhã.
A história do Sicredi é também a história de Schardong. Nos anos 80, quando o cooperativismo de produção definhava, ele percorria o Rio Grande defendendo a ideia de que, assim como os europeus, o Estado poderia ter um sistema de crédito cooperativo forte. Era eloquente, agitado, discursador e sonhador, como o definiam nos corredores das cooperativas.
Schardong acionou sua utopia em 1978. Tinha 22 anos quando abandonou um emprego com estabilidade no Banco do Brasil para ser gerente geral da Caixa Rural União Popular, de Crissiumal, que o avô Osvino ajudara a fundar. A Caixa, uma das nove sobreviventes do Estado, repassava recursos do Banco do Brasil para os colonos. Tinha dois funcionários, emitia talões de cheques. Schardong morava no segundo piso da sede, na Rua Horizontina, ao lado da Igreja Matriz, e também era contador do Sindicato dos Trabalhadores Rurais e professor de contabilidade no Ensino Médio.
Em 1981, as nove caixas rurais gaúchas foram reunidas na Cooperativa Central de Crédito Rural (Cocecrer), criada por Mário Kruel Guimarães, vice-presidente da Federação das Cooperativas de Trigo e Soja (Fecotrigo). Um ano depois, Schardong deixa Crissiumal e assume como gerente de fomento da Central. E enfrenta, logo adiante, uma sequência de baques. O Plano Cruzado, de 1986, esfacela os ganhos financeiros com a inflação alta.
Adoentado, Kruel Guimarães afasta-se da Cocecrer. Schardong assume a presidência e, quatro anos depois, Fernando Collor extingue o Banco Nacional de Crédito Cooperativo (BNCC). As cooperativas de crédito, que dependiam do BNCC para compensação de cheques do sistema, são abaladas e passam de novo a depender da estrutura do Banco do Brasil, lembra Schardong:
– Mas as cooperativas não queriam ser apenas correspondentes bancárias do BB.
Em 1995, o Sicredi substitui a Cocecrer como primeiro banco cooperativo privado do país. O sistema se expande pelo país com uma confederação criada em 2002. De repassador de recursos, aos poucos, o Sicredi vira banco múltiplo, com administradoras de cartões de crédito e de consórcio e uma corretora de seguros. Há dois anos, uma reengenharia reorganizou a estrutura e a gestão do sistema. A administração foi profissionalizada. Dos 48 executivos, avaliados por uma consultoria externa, apenas oito ficaram.
Num meio em que carreiras e reputações tombaram em meio às crises do cooperativismo, Schardong é um caso exemplar de sobrevida. Conseguiu levar adiante um projeto aparentemente romântico e criar um banco que disputa espaço num mercado ainda concentrado. Firmou parceria com o banco holandês Rabobank e projeta crescimento grandioso: em 2016, quer ter 4,2 milhões de associados e movimentar ativos de R$ 52 bilhões. Ainda será pouco. Na Alemanha, o cooperativismo de crédito detém 36% do mercado. Na Holanda, 28%. Na média dos países desenvolvidos, 20%. No Brasil, mal chegou a 3%.
– O cooperativismo de crédito é um laboratório de empreendedorismo – diz, enfatizando as vantagens de um sistema em que cada cliente do banco é também sócio de uma cooperativa, que compartilha projetos, está próximo das comunidades e reinveste no lugar em que atua tudo o que capta, com inadimplência abaixo da média.
Lembra que nenhuma cooperativa de crédito americana ou europeia tombou com a crise de 2009 e diz que a prioridade agora, com o aumento da capacidade de competir e o consequente aumento dos riscos, é a qualidade da gestão. Do 12º andar, Schardong mira o norte, mas avista todos os quadrantes.
Fonte: ZH Dinheiro