Texto de José Odelso Schneider sj (PPGCS/CESCOOP/UNISINOS) falando do Padre Theodor Amstad, o fundador da Sicredi Pioneira RS, a primeira Cooperativa de Crédito da América Latina, e também de muitas outras cooperativas de crédito.
Amstad foi seguramente um relevante e criativo pioneiro na articulação e no desenvolvimento dos micro e pequenos agentes de produção rural, industrial e de serviços, especialmente em Municípios dos Vales do Rio dos Sinos e do Vale do Rio Caì. Padre Teodoro Amstad nasceu na Suíça em 09 de novembro de 1851. Veio para o nosso país em 1885, procedente da Inglaterra, onde concluiu seus estudos teológicos.
Trabalhou na região do Vale do Rio Caí de 1885 a 1905, tendo como sede a paróquia de São Sebastião do Caí; e que atendia às comunidades de São Salvador/Tupandi, Pareci Novo, Bom Princípio, Santo Inácio da Feliz, Nova Petrópolis, Caxias do Sul e Cima da Serra – atual São Francisco de Paula.
Como suíço dominava também a língua italiana, o que facilitava suas visitas à Região de imigração italiana articulando-os em torno de cooperativas.
Posteriormente, de 1905 a 1923 atendia pastoralmente na região do vale do Rio Taquari , ano em que teve uma queda de cavalo, com seqüelas na coluna que o obrigaram desde então, a andar em cadeira de rodas.
Nestes 38 anos de atividades pastorais e sociais diretas, percorreu segundo depoimentos da época cerca de 80 mil km no lombo da mula (em média, cerca de 40 km por semana) . Por isso, após o acidente, em 1923 foi transferido para uma casa dos jesuítas em São Leopoldo, ali permanecendo até sua morte em 1938. Mas, com seus escritos e suas múltiples correspondências, continuou acompanhando as 13 cooperativas que havia ajudado a fundar diretamente e a própria Sociedade União Popular (Volksverein), da qual era o Secretário.
Segundo o depoimento do próprio Pe. Amstad, como auxiliar por 15 anos do pároco de Caì, percorria em média 5.000 km anuais (em torno a 96 km. semanais), desde Pareci Novo até a atual Caxias do Sul no lombo da mula, que considerando as dificuldades das estradas de então, em sua “viatura ” percorria em média uns 7 km por hora.
Como sacerdote católico, desenvolveu uma benemérita ação pastoral, manifestada em meritórias iniciativas de cunho apostólico e social, destacando-se pelo pioneirismo em diversas atividades. Teve capital importância junto com lideranças católicas e evangélicas na criação da Primeira Associação de Agricultores do RS, em 1900 na então Santa Catarina da Feliz. Foi pioneiro também na difusão do cooperativismo, merecendo menção especial sua histórica plataforma do Movimento Cooperativo enunciada na tarde de 25 de fevereiro de 1900, quando proferiu, durante o III Congresso de Agricultores do RS, realizado na cidade de Feliz, célebre conferência, em que participaram cerca de cinco mil pessoas. Denunciou então “a dependência econômica do Brasil – a nova escravatura instalada no país – exploração dos agricultores: baixos preços pagos aos produtos agrícolas, ameaça de aumento da dívida externa; exportar mais e importar menos e apelo à União e proposta de organização (cooperativas)”. Ou segundo sua denùncia: os agricultores transferem carroçadas de produtos às cidades, donde retornam com apenas algumas bugigangas sob os braços…
Dois anos depois, com um grupo de produtores rurais familiares, funda em Linha Imperial, então Município do Caí e depois de Nova Petrópolis, a 28 de dezembro 1902, a primeira cooperativa de crédito do Brasil e da América Latina. Esta funciona ininterruptamente até hoje, já acumulando uma experiência de 109 anos a serviço dos pequenos poupadores e prestamistas, que geralmente não tem acesso aos Bancos Convencionais. Esta cooperativa pioneira, junto com outras sete cooperativas de crédito que sobreviveram às medidas oficiais promulgadas em 1966, passaram a ser as inspiradoras do modelo que com a assessoria de Mario Kruel Guimarães, em 1980 se reestruturou como o Sistema SICREDI/RS, que rapidamente se expandiu, inclusive criando um próspero Banco próprio em Porto Alegre e hoje amplamente difundido pelos Estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, Mato Grosso e Mato Grosso Norte e São Paulo, com 1,8 milhões de associados, todos procurando ser CO-PROPRIETÁRIOS e reais PROTAGONISTAS do sistema. Em outros Estados do País atua o Sistema SICOOB , igualmente com Banco Próprio e com sede em Brasília, e também voltado ao micro e pequeno poupador e prestamista e em constante interação, até com intercâmbio e transferência de tecnologias, com o sistema SICREDI. Ambos os sistemas, mais outros sistemas de crédito cooperativado da economia solidária já são responsáveis hoje por aproximadamente de 5 milhões de associados no País. Mencione-se ainda a participação de lideranças religiosas , católicas e evangélicas, na fundação de muitas cooperativas locais, seja de crédito como também de outros ramos ou setores de atividades.
A Sociedade União Popular
A Sociedade UNIÃO POPULAR (Volksverein) fundada por Amstad em 1912, tendo depois como seu condutor o Pe. João Batista Rick, e mais a colaboração do Pe. Maximilian Von Lassberg, contribuiu para a fundação da então Colônia de Cerro Azul – hoje Cerro Largo, de Santo Cristo , ambas no RS, mais a Colônia de Porto Novo, hoje Itapiranga e São João do Oeste em Santa Catarina, como também as colônias em Puerto Rico, Capiovi e San Alberto na Província de Misiones, Argentina. Além disso, a Sociedade contribuiu na Fundação do Leprosário de Itapoã, no Amparo Santa Cruz de Belém Velho que abrigava filhos de famílias leprosas e mais os Hospitais Sagrada Família de São Sebastião do Caì, de Cerro Largo e de Itapiranga. Outra meritória iniciativa da SOCIEDADE UNIAO POPULAR, foi a fundação , em Novo Hamburgo, de uma Escola para a formação de professores paroquiais procurando formar quadros competentes, para atuarem nas Escolas Paroquiais das Regiões de colonização germânica e até italiana , suprindo assim, na ausência da educação universal e pública, a relevante função educacional e cultural das comunidades, que apenas várias décadas depois passaria a ser função precípua dos poderes públicos municipais, estaduais e federal.
Passados uns bons anos e após tantos desvirtuamentos econômicos e sociais na sociedade brasileira, opera-se hoje, transcorrido um século, um salutar resgate da autenticidade do cooperativismo com base nas idéias do eminente padre, que privilegiava a cooperação e a solidariedade em substituição à concorrência e ao conflito, processos esses cada vez mais ávidos pela acumulação e concentração de bens e riquezas, próprias do sistema capitalista. Pois segundo ele, se uma grande pedra se interpõe no nosso caminho, uma só pessoa não conseguirá movê-la dali. Mas, a união e o esforço conjunto de várias pessoas, conseguirá tirá-la do caminho.
O Pe. Amstad trabalhou também e intensamente no desenvolvimento do ecumenismo. Sua ação pastoral foi repleta de espírito e fatos ecumênicos, ao tempo que nossas igrejas cristãs digladiavam-se abertamente, tendo como bandeira questões referentes às escolas e aos sacramentos. Por isso ao longo dos 12 anos que acompanhou a Associação de Agricultores (Bauerverein), de 1900 a 1912, promovia-se anualmente, em parceria entre lideranças católicas e evangélicas, padres e pastores, as Semanas Rurais, onde se estudavam e debatiam os principais problemas e desafios dos pequenos e médios agricultores da época: como preservar os solos férteis e nossas riquezas florestais, como comercializar a produção rural, sem ser explorado ou espoliado na comercialização, etc.
Por outro lado, também foi precursor dos direitos das mulheres quando em 1912 lutou de forma inovadora, pela participação feminina em associações, como na própria Associação Sociedade União Popular (Volksverein). Destacou-se na comunicação social, com a participação importante em diversas publicações. O “Skt. Paulusblatt” que ainda é mensalmente editado, teve a participação decisiva de Amstad no seu lançamento. Podemos referir ainda o “Bauernfreund”, que foi inaugurado ecumenicamente quando da fundação do Associação de Agricultores. O almanaque “Familienfreund” passou a circular posteriormente como Anuário da Família (Familien Kalender).
Também atuou como ecologista. Nessa área, foi o precursor da valorização dos compostos orgânicos para a refertilizaçao dos solos agrícolas e do ensinamento traduzido na seguinte expressão: “para cada árvore derrubada plantar, no mínimo, uma outra”, pois o cuidado com as florestas e o próprio reflorestamento eram temas obrigatórios de debate nas Semanas Rurais entre 1900 e 1912.
Padre Teodoro Amstad faleceu aos 87 anos, na noite de 08 de novembro de 1938, em São Leopoldo, deixando na esteira de sua vida muitas obras e iniciativas de relevante impacto social e comunitário, sempre propondo como condição do êxito das mesmas, o aprendizado, o protagonismo e o crescimento na solidariedade e na cooperação. Suas iniciativas de caráter benemérito estão gravadas entre nós e nos servem de exemplo e estímulo.
Temos neste texto duas pessoas brilhantes. O Pe. Amstad, pela sua história de luta, desbravando o interior gaúcho, levando a todos a semente de nosso cooperativismo e o Pe. Odelso, outra mente brilhante, profundo conhecedor do cooperativismo e ícone do cooperativismo mundial.