O Cooperativismo de Crédito na Alemanha

Por Marco Aurélio Almada, diretor-presidente do Bancoob, e Ênio Meinen, diretor operacional do Bancoob.

No período de 22 a 26 de agosto último, tivemos a oportunidade de (re)visitar o sistema cooperativo financeiro alemão com o intuito de aprofundar conhecimentos sobre as práticas cooperativas adotadas naquele país. A ação de intercooperação internacional, desta vez, deu-se a convite da Confederação Alemã das Cooperativas (DGRV) e envolveu, também, o presidente do Sicoob Confederação, José Salvino de Menezes e o diretor operacional do Sicoob Central Bahia e conselheiro fiscal do Bancoob, Cérgio Tecchio.

Em razão do tempo mais generoso que nos foi destinado, combinado com uma riquíssima agenda proposta pelos anfitriões, a experiência pôde ser muito enriquecedora, permitindo que conhecêssemos melhor o funcionamento do cooperativismo de crédito na Alemanha. A seguir, compartilhamos informações e dados relevantes acerca do sistema e das entidades individualmente contatadas:

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Macroestrutura

Como entidade de cúpula, a DGRV cuida da coordenação entre as várias entidades do sistema alemão (a exemplo da Confederação do Sicoob), sendo responsável pela representação institucional nos âmbitos nacional e internacional, pela assessoria contábil-jurídico-tributária, pela macrocoordenação das ações de desenvolvimento de recursos humanos (executadas via academias de capacitação) e, ainda, com respaldo legal, via federações regionais, pela fiscalização das cooperativas de todos os ramos e dos bancos cooperativos alemães.

Na área financeira, com funções negociais e operacionais, existem dois bancos cooperativos centralizadores, com os quais os bancos cooperativos locais se relacionam: o DZ Bank (com sede em Frankfurt e abrangência nacional) e o WGZ Bank (de caráter mais regional, estabelecido em Düsserdorf). Ambos exercem papel semelhante ao Bancoob em relação às cooperativas do Sicoob, disponibilizando produtos e serviços e gerindo a liquidez dos bancos singulares.

logo_BVRTambém com abrangência nacional, atua a Federação Cooperativa Alemã (BVR). Com  75 anos de vida, a entidade tem como incumbências fundamentais a gestão e o aporte de recursos do fundo de proteção e a administração da marca única dos bancos cooperativos alemães, marca essa resultante da fusão das logos dos bancos populares ou urbanos, conhecidos como “Volksbanks”,  e dos bancos rurais Raiffeisen.

O fundo de proteção assemelha-se, em parte, ao Fundo Garantidor do Sicoob (FGS), mas possui uma característica distintiva importante: na Alemanha – onde os bancos cooperativos também não integram o fundo de garantia dos bancos em geral – os recursos são utilizados basicamente para ações preventivas, objetivando a recuperação econômico-financeira dos bancos cooperativos em dificuldade, ou para a sua reorganização com vistas a processos de incorporação.

Para essas ações de saneamento, a BVR conta com os trabalhos de auditoria das federações regionais. Trata-se, portanto, de um fundo de caráter mais institucional do que de depósitos, atuando fundamentalmente para evitar que os bancos quebrem. A entidade tem o poder de requerer auditorias especiais e de determinar a substituição de dirigentes e executivos dos bancos socorridos.

Há, ainda, outras entidades corporativas, como é o caso da R+V (seguros), a VR leasing (leasing), o Team Bank (especializada em crédito a consumo para assalariados, cujo modelo é conhecido como e@syCredit), a  Union Investiment (gestão de recursos), dois bancos hipotecários, além de duas empresas de informática, todas elas voltadas para a prestação de serviços ao conjunto dos bancos cooperativos.

Merecem, também, destaque as federações regionais (filiadas à DGRV), que têm a incumbência legal de realizar a auditoria externa do conjunto dos bancos cooperativos, inclusive do DZ Bank e do WGZ Bank. O seu papel é semelhante ao exercido pela Confederação Nacional de Auditoria Cooperativa (CNAC), uma vez que as nossas centrais cuidam apenas da auditoria interna das cooperativas.  Na Alemanha, a auditoria interna é atribuída aos próprios bancos cooperativos, que possuem componentes organizacionais próprios para essa tarefa. 

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Preparação / Formação Profissional

No campo da preparação/formação de profissional, os bancos cooperativos possuem 7 academias regionais/locais (contando com a de Giessen), e 1 academia nacional (ADG), todas elas entidades associativas sem fins lucrativos. As academias regionais são encarregadas da formação do quadro técnico dos bancos, cuja certificação é obrigatória na Alemanha. Já a Academia Nacional das Cooperativas tem a incumbência de preparar, na área de gestão e finanças, os diretores e executivos imediatos e especialistas dos bancos cooperativos. A entidade é a responsável legal pela capacitação dos dirigentes dos bancos cooperativas para fins de habilitação junto ao Banco Central da Alemanha. Os candidatos, cumprindo pré-requisito para homologação de seus nomes pela Supervisão Bancária, passam por um ano de treinamento, reunindo-se em seminários/encontros distribuídos em 16 semanas.

Com entidades locais ou regionais, em razão de sua área de atuação, o sistema é composto por 1.138 bancos cooperativos “singulares”, que se relacionam com os 2 bancos centrais cooperativos e com as demais entidades cooperativas e corporativas de prestação de serviços, voltando-se essencialmente ao contato negocial com associados e clientes. Na Alemanha as entidades cooperativas podem operar com associados e com não-associados, os quais têm acesso a todos os produtos e serviços dos bancos em geral, sem, no entanto, fazer jus a qualquer prerrogativa tributária. A “expertise” negocial dos bancos contempla o universo das pessoas físicas e das micro e pequenas empresas.

Em resumo, as entidades alinham-se em dois blocos, tendo na base os bancos cooperativos “singulares” e no topo (coordenação geral) a DGRV. De um lado, há o grupo de entidades ligadas aos negócios, representadas pelos bancos centrais cooperativos e as empresas corporativas de produtos e serviços, a quem estão submetidas também as duas empresas de informática e as academias (regionais e nacionais) de formação e capacitação. De outro, formando o grupo de controles, estão as federações regionais, também designadas federações de auditoria (são 7, ao todo, reunindo cerca de 1,5 mil auditores), e a BVR (fundo de proteção).

Digno de nota nesse modelo organizacional, diante da circunstância de o vínculo entre os bancos “singulares” e os “centrais” ser livre, é o índice de fidelidade no relacionamento negocial (utilização de produtos e serviços dos bancos “centrais”), que alcança a expressivo marca de 99%. Tal número refere-se, naturalmente, à abrangência e à qualidade das soluções, aliadas ao modelo de interrelação instituído entre as partes, que pressupõe forte participação dos bancos “singulares” na definição dos rumos e do portfólio de negócios.

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Alguns números

Os atuais 1.138 bancos cooperativos “singulares” (que já foram 11 mil bancos em 1950 e 7,1 mil em 1970), detêm uma rede de 13,5 mil pontos de atendimento, aproximadamente 17 milhões de associados e mais 30 milhões de clientes.

Somando-se os dois bancos centrais (excluídos os dados dos respectivos conglomerados), o conjunto dos bancos cooperativos alemães administra ativos da ordem de 1,2 trilhão de euros (ou 1,7 trilhão de dólares), o que equivale a cerca de 20% do sistema financeiro local e 80% do PIB (conjunto da riqueza) brasileiro. Em depósitos, detêm 507 bilhões de euros (cerca de 25% do total dos depósitos bancários do país). Os empréstimos, por sua vez, alcançam 406 bilhões de Euros.

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Curiosidades

VOLKSBANK MITTELHESSEN Uma das instituições visitadas foi o Volksbank Mittelhessen, sediado na cidade de Giessen (estado de Hessen), de 70 mil habitantes. O banco cooperativo singular, fundado em 1858, já passou por 200 incorporações (isso mesmo!) e hoje detêm ativos de cerca de 5,8 bilhões de Euros, sendo o 3º maior banco cooperativo singular da Alemanha. Com 179,3 mil associados e 350 mil clientes, leva os benefícios do cooperativismo a um entre cada dois habitantes de sua área de atuação. Outro dado interessante refere-se ao fato de que, em razão do grande número de associados e comunidades atendidas, todos os anos o banco realiza 43 pré-assembleias, fóruns nos quais são discutidos os temas relacionados à prestação de contas do exercício e a definição de ações para o ano em curso. Além disso, há alguns anos a instituição vem sendo eleita como uma das melhores empresas para trabalhar em toda a Alemanha.

TEAM BANK  Outra entidade que nos recebeu foi o Team Bank, localizado em Nuremberg, cuja referência é o seu modelo de crédito ao consumidor assalariado. Conhecido como e@syCredit, é o processo de crédito fácil mais conhecido e apreciado do sistema bancário alemão. Verdadeira “fábrica” automatizada de crédito a serviço dos bancos cooperativos alemães, também é utilizado por bancos cooperativos que atuam na Áustria. O mecanismo consiste, basicamente, na seguinte rotina: o beneficiário do crédito (que pode valer-se, também, da internet) apresenta-se no ponto de atendimento (do próprio Team Bank ou de banco cooperativo singular) e entrega ao atendente o contracheque dos últimos dois meses e a sua carteira de identidade, além de assinar uma autorização para a consulta às centrais de dados restritivos e positivos (são 4 na Alemanha e 2 na Áustria).

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    • Enquanto o atendente preenche o cadastro (são 7 telas, ao todo), a central de atendimento já providencia a consulta aos dados restritivos (e positivos) do candidato, calcula o limite de crédito do pretendente e apura o número sugestivo de parcelas, o prazo do crédito e a taxa de juros (que tem a ver também com o “risco”). Concluído o cadastro, e tendo em mãos a posição de crédito do assalariado, o atendente, em caso positivo, colhe a assinatura no contrato ou nos contratos (se for entregue cartão de crédito, o tomador tem de assinar outro contrato), e providencia a remessa digitalizada da primeira e da última via dos contratos, dos contracheques e da carteira de identidade para a central de atendimento. Esta confere apenas aspectos formais e dá o retorno em um tempo médio de 4,5 minutos. Feito isso, o crédito é liberado instantaneamente e os recursos são disponibilizados no dia seguinte, em conta corrente indicada pelo mutuário. Em razão da agilidade do processo, em dias de pico o número de liberações chega a 1,7 mil operações de crédito, sendo que a inadimplência tem sido mantida abaixo de 2,5%.  

WGZ BANK Merece destaque, ainda, um aspecto peculiar relacionado ao WGZ Bank (banco central regional). Embora seja uma sociedade anônima (AG), o sistema deliberatório obedece à lógica cooperativa. Ou seja, cada banco cooperativo acionista, independente do seu capital, tem apenas um voto na sociedade. Isso só é possível em razão de uma “engenharia” jurídico-societária que permitiu a criação de uma holding não submetida à lei das sociedades anônimas, sede na qual são tomadas as decisões.

BANK IM BISTUM ESSEN O Bank im Bistum Essen (em português, Banco Cooperativo na Eparquia de Essen) é uma entidade ligada à circunscrição eclesiástica, cujo público-alvo (associados e clientes) são instituições religiosas de fé católica, cooperativas e respectivos empregados. As instituições desse tipo estimulam o chamado “crédito ético”. Na Alemanha, existes 7 entidades que trabalham nesse modelo, sendo 4 vinculadas à igreja católica e 3 às instituições protestantes.

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Governança

Uma particularidade da governança nos bancos cooperativos (e cooperativas em geral) refere-se ao fato de que os órgãos sociais são representados pela assembleia geral dos associados, pelo conselho fiscal (os membros têm de ser associados ou empregados dos bancos) e por uma diretoria eleita e destituível pelo conselho fiscal. Ou seja, não há conselho de administração.

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Entidades visitadas

No total, pudemos manter contato com 9 entidades: DGRV e BVR, situadas em Bonn, antiga capital alemã;   WGZ Bank AG e Bank im Bistum Esse, localizados em Düsseldorf; ADG e Volksbank Mittelhessen, situados, respectivamente, em Montabaur e Giessen; DZ Bank, localizado em Frankfurt; Winzergenossenschaft DIVINO Nordheim eG (cooperativa de produtores de vinho), situada em Nordheim e Team Bank AG, localizado em Nüremberg.

Autores: Marco Aurélio Almada, diretor-presidente do Bancoob, e Ênio Meinen, diretor operacional do Bancoob.

6 Comentários

  1. Tive a oportunidade de conhecer este sistema através da palestra proferida pelo Sr Cergio Tecchio, Diretor do SICOOB -Bahia e Presidente da OCEB. Acreditamos que cada vez mais o sistema cooperativo brasileiro, principalmente o de credito está se fortalecendo e se autogerindo, para acompanhar estas ações, hoje, práticas regulares na Alemanha. O Brasil já é conhecido internacionalmente como gestor eficaz dos recursos economicos financeiros e as nossas cooperativas de credito estão neste caminho. Importante fazer este intercambio e outros e na medida do possivel aplicar estas lições verificadas na visita.

  2. Almada e Ênio,

    Viajar para o berço do Coopetativismo Mundial é algo que não tem preço, tomar conhecimento de toda parte operacional e negocial deles então, nem se fala!

    Está em minha lista de sonhos a realizar, uma viagem desta, quando for, posso pegar o roteiro com vocês?

    Saudações cooperativistas!

  3. Muito insteressante o modelo de cooperativismo de crédito alemão. Duas características nos chamaram a atenção, desmistificando o modelo (doutrinário) brasileiro: 1. As cooperativas de crédito alemães são na verdade bancos cooperativos. No Brasil, nós funcionamos praticamente como bancos, mas, conforme legislação em vigor, não se pode nem citar o nome banco na constituição de uma cooperativa. 2. O princípío da governança no Brasil, estabelece de forma quase dogmática, a constituição de um conselho de administração e de uma diretoria executiva, como se sabe que, principalmente numa cooperativa de crédito formada por funcionários de uma empresa, principalmente governamental, o conselho de administração é um órgão inoperante. Mais eficiente funcionalmente e mais transparente, quanto à sua constiuição, é uma Administração formada por uma Diretoria, com poderes deliberativos e executivos, eleita pela Assembleia Geral, além de um Conselho Fiscal eficaz.

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