Se, de um lado, para a maioria das cooperativas de crédito a cobrança de tarifas é assunto superado, de outro, para um grande grupo delas, a questão continua marcada por muitas indefinições.
Aquelas que cobram tarifas se veem motivadas pelo fato de a atitude ser uma boa oportunidade de geração de receitas a complementarem as rendas com a atividade bancária típica, que é a da intermediação financeira (captar e emprestar dinheiro). O parâmetro de eficiência que adotam, na linha do que se pratica no mercado financeiro tradicional, tem a ver com o montante dos custos com pessoal cobertos pelos ingressos daí decorrentes.
As cooperativas que não cobram tarifas, por sua vez, identificam nisso um diferencial competitivo na comparação com as demais instituições financeiras. Algumas delas, aliás, até mesmo elevam a objeção ao grau de preconceito, inadmitindo tal prática na seara cooperativa.
Na essência, contudo, nenhum dos dois argumentos (mais receita e diferencial competitivo), embora procedentes em si, é suficiente para esgotar a justificação.
Com efeito, há uma circunstância, ligada à própria natureza operacional da sociedade cooperativa, que se sobrepõe a qualquer outra motivação, seja ela a favor ou contra a tarifação. Vejamos.
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Reflita …
Durante o ano, dada uma estrutura e dado um portfólio que a cooperativa coloca à disposição do quadro social, um grupo de cooperados deposita recursos (e deixa uma margem – de custeio – para a cooperativa, identificada pela diferença entre o que ela vai conseguir aplicando os recursos em escala e a remuneração que vier a pagar para o associado); outro grupo de associados toma empréstimos (e paga juros por isso); e um terceiro grupo toma serviços (pela movimentação das contas-correntes, pelas atividades envolvidas para a concessão de crédito – elaboração e renovação de cadastro, por exemplo -, entre outras atividades).
No final do exercício, apura-se o resultado pela diferença entre as receitas e as despesas incorridas em todo o período. Significa dizer que, se cada associado pagar pelos produtos e serviços de que se valeu na cooperativa, a sobra será invariavelmente maior. Do contrário, se houver um grupo que não pagar pelas soluções, a sobra fatalmente será menor.
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E é aqui que entra o “x” da questão:
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se um grupo de usuários (tomadores de serviços) não pagar pelo uso da estrutura durante o ano, a despesa alocada para essa oferta (de serviços) não terá uma correspondente receita, sendo assim diluída entre todos. Logo, associados que não lograram proveito (mesmo indireto) com certas atividades, vão suportar o ônus.
Resumindo, toda solução ofertada pela cooperativa tem um custo (uma “tarifa”), que, se não cobrado na origem, incidirá “passivamente” no fechamento das contas.
A escolha está em atribuí-lo (o custo), na devida proporção, a quem se beneficia do negócio ou socializá-lo entre todos (mesmo que apenas uma parcela se valha de dados serviços).
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A socialização tem um problema, representado pela conta que vai para os que não têm nada a ver com isso. Por exemplo: quem toma empréstimo paga por ele (todos os custos da estrutura estão embutidos, além do spread). Da mesma forma, quem deposita recursos deixa uma margem (paga um preço) para a cooperativa, como gestora em escala. Para estes, ou mesmo para quem tem apenas capital e não faz operação alguma, significará, portanto, uma sobreoneração responder pelos dispêndios daqueles que tiveram proveito com determinados serviços.
Por outro lado, as receitas com tarifas – fixadas em valores módicos, compatíveis com a natureza não lucrativa das cooperativas – devem, a exemplo dos encargos pagos pelos empréstimos e os volumes de depósitos, compor a base de cálculo para apurar as sobras a serem devolvidas aos associados (de preferência, em qualquer caso, convertidas em novas quotas-partes de capital). Com isso, faz-se justiça, tanto com os associados que não utilizaram, no todo ou em parte, os mesmos serviços (ao não responderem pela conta), como com aqueles que pagaram as tarifas (pois as terão de volta na razão do excesso sobre as despesas alocadas para o mesmo fim).
Demonstrada a razão maior a justificar a medida, nunca é demais lembrar que a cobrança de tarifas (que pode assumir o formato de “pacotes”, considerando o grau de fidelidaderciprocidade do associado) – em padrões compatíveis com o nosso discurso de melhor instituição financeira do nosso associado – representa um reforço substantivo para o incremento da “última linha do balanço”, especialmente em cenário de redução dos spreads financeiros (diferença entre o custo de captação dos recursos e a remuneração dos correspondentes ativos). E com a vantagem (além da justiça para o quadro social) de, ao contrário das atividades clássicas, não implicar risco a requerer suporte de capital social (tão escasso no meio cooperativo).
O mercado bancário tem na relação tarifas x despesas com pessoal uma de suas medidas de eficiência. Inúmeras, por sinal, são também as cooperativas – e até mesmo sistemas inteiros – que já adotam parâmetro de proporcionalidade entre as duas rubricas. Um bom exemplo entre nós é o caso da cooperativa de Janaúba – Sicoob Credivag – situada no Norte de Minas Gerais, que adota esta correlação como meta, e consegue custear 100% da folha de pagamento com receitas oriundas de tarifas e prestação de serviços.
Há, também, cooperativas que utilizam a cobrança de tarifas como forma de direcionamento dos associados para os meios eletrônicos ao praticarem níveis de preços diferentes (maiores) nos guichês de caixas – canais mais dispendiosos – em comparação com os dos terminais de autoatendimento e internet. Essa medida motiva uma preferenciação pelos cartões, atm’s e internet. Outras, ainda, valem-se das tarifas como ferramenta educativa. No intuito de sancionar associados que deixam suas contas correntes devedoras mais recorrentemente, aplicam taxações mais representativas em eventos como adiantamento a depositantes e sustação e devolução de cheques.
Aliás, falando em (mais) ingressos x (menos) despesas, vale inserir aqui uma recomendação quanto à ampliação do portfólio de serviços das cooperativas para os cooperados, de modo a incorporar receitas – não necessariamente pagas diretamente pelos associados – com cartões, seguros, consórcios, convênios de arrecadação (locais, regionais e nacionais), cobrança, captação de recursos de previdência privada, intermediação de quotas de fundos de investimento, captação de poupança (para os bancos cooperativos), prospecção de operações de crédito consignado; originação de créditos para fundos de investimentos em direitos creditórios (FIDCs), entre outros. Além de melhorar o resultado (nos maiores conglomerados bancários do país, essa lista chega a representar 60% de todo o lucro), a cooperativa amplia o nível de fidelização e satisfação do associado.
Esse conjunto de providências, além de “calibrar” as sobras, ajudando a alimentar os fundos (de reserva, em especial), a incrementar as quotas partes (pela conversão das sobras) e a diminuir a dependência das “inconvenientes” ou mal recebidas chamadas para capitalização, segura o associado e melhora a imagem da cooperativa.
”Riobaldo, a colheita é comum, mas o capinar é sozinho” (João Guimarães Rosa, poeta mineiro de Cordisburgo, em Grande Sertão: Veredas)..
Por Enio Meinen, advogado e Diretor Operacional do Bancoob
Prezado Ênio,
Parabéns pela forma ponderada como você abordou um tema tão controverso quanto a cobrança de tarifas pelas cooperativas!!! Concordo plenamente com sua recomendação para ampliar o portifólio de produtos da cooperativa, entretanto, a forma como essas receitas são contabilizadas, como atos não cooperativos, não permite que estas gerem uma remuneração apropriada. Os custos não são contabilizados de forma fiel à realidade e o saldo remanescente é integralmente destinado ao FATES. Esses produtos, como você mencionou, ampliam o nível de fidelização e satisfação do associado, mas deveriam receber um tratamento contábil diferente, afim de se tornarem realmente remuneradores paras as cooperativas.
Leonam Lucas Militão
Gerente de Negócios
Sicoob Crediuna
Prezado Enio,
O tema, cobrar ou não tarifa, é oportuno e foi muito bem exposto. Embora quesito consolidado no meio bancário, fonte principal de suas receitas, a questão cooperativista surge exatamente aí, no diferencial da não cobrança. A tarifação de serviços em nosso meio é tema causador de polêmica. Sou de opinião pela cobrança uniforme, diferenciada e negociada, ou seja, valores sensivelmente abaixo dos valores médios cobrados pelo sistema financeiro em geral. Entre as razões para tal, muito bem exposta em seu artigo, destaco as diferenças de uso do sistema pelos cooperados, diluindo as despesas por quem não as usa efetivamente, e um reforço na formação do colchão de liquidez das cooperativas. Fica aí o desafio: Gerar Receitas que viabilizem os investimentos necessários, ao Sistema Cooperativista, que lhe propiciem maior competitividade, uma certa “blindagem” às intempéries do mercado, e que maximizem os resultados das Cooperativas.
Bom dia Sr. Enio Meinen, parabéns pelo artigo, estou ingressando no mundo do cooperativismo agora através do curso GCC – Gestão de Cooperativas de Credito no SEBRAE/RO, tenho uma duvida se puder ser respondida agradeço, de que forma faço para ingressar em uma cooperativa de credito? Digo como me tornar um cooperado, posso usar o FGTS para tanto? Abraço.
Excelente artigo!
Colocação perfeita!!
Como sempre, o Sr. Enio Meinen coloca a situação de forma muito clara e bastante eloqüente, mostra que não existem posicionamentos errados, mas caminhos diferentes para se chegar (quase sempre) ao ponto.
A citação quanto a ampliação do portifólio é deveras importante, pois boa parte das cooperativas ainda resistem a colocar produtos disponíveis do Sistema em suas prateleiras, o que acarreta em perda de recursos advindos de produtos que poderiam atender uma parcela de seus associados, que na falta destes, procuram a concorrência.
A verdade é esta: “Quem não encontra o “croissant” em uma padaria, certamente irá procurar em outra, é uma questão de gosto (perfil)!
Abraço,
Valéria Ximenes