Quem de nós já não foi “escalado” para sentar à mesa de negociações? Refiro-me, aqui, às tratativas na seara profissional (condições comerciais de parcerias e negócios em geral, termos de cláusulas contratuais, assuntos internos da empresa ou relativos a interesses corporativos intra e intersistêmicos, matérias legislativas e regulamentares e outros temas de nossa rotina organizacional), embora as reflexões que adiante desenvolverei possam, em essência, ser úteis em outros campos (familiar, social etc).
Bem, sem recorrer aos bordões do “livro texto”, vou tentar descrever alguns bons (ou maus) exemplos que selecionei a partir de testemunho (ou eventualmente participação) de práticas negociais ao longo de minha atuação no cooperativismo de crédito.
O primeiro movimento, sem dúvida, passa por reunir todas as informações possíveis sobre o assunto em torno do qual gira o desafio da composição (dominância do tema). É preciso saber claramente a nossa situação diante do interlocutor, se ela é mais ou menos favorável. Conhecer, na medida do possível, o perfil de quem está (ou estará) do “lado de lá” é, igualmente, providência desejável.
Para iniciar a conversa temos de ter em conta o que não gostaríamos que o “outro” fizesse conosco. Com isso, aplicando a reciprocidade, já sabemos, em boa medida, o que não devemos fazer que possa desapontar ou desprestigiar o nosso interlocutor.
Vamos lá. Ninguém, por exemplo, suporta uma postura arrogante. Por isso, não tente demonstrar que você é o “sabe tudo”, que é o “dono da razão”, muito mais ainda quando tem tudo a perder em caso de ruptura. Esqueça a sua mania de “dar aula” para a o interlocutor sobre o negócio ou a vida dele (do tipo: eu acho que para a sua empresa o melhor é isso, ou a solução da sua vida passa por aquilo…). Controle a sua ansiedade e evite reafirmar coisas óbvias (isso irrita de verdade…). Da mesma forma, não queira fazer valer a sua condição social ou a sua posição hierárquica (cargo) – aliás, o uso da hierarquia é útil numa única situação: organizar ou disciplinar processos internos. Ganhar no grito ou na ameaça é igualmente condenável. Não seja inflexível ou intolerante. Quando a serviço de uma organização, lembre-se de que as suas convicções pessoais não podem ser obstáculo para uma boa solução institucional. Portanto, vença a “birra”! A vaidade, decididamente, frustra muitas negociações.
Se você domina bem as circunstâncias, é o que basta. Deixe o interlocutor falar à vontade. Ouça-o, ouça-o e ouça-o. Aliás, susciteevidencie os seus atributos (com honestidade), incentive-o a falar sobre aspectos que ele valorize (lembre-se que, em consideração a quem você for procurar, é preciso buscar informações prévias a seu respeito: qualificativos profissionais, clube do coração, preferências por leituras, lugares, vinhos, culinária etc). A confiança em você aumenta (ou diminui) conforme a deferência que você for expressar e o espaço que vier a conceder ao parceiro.
Tendo merecido boa acolhida, fale, resumidamente, de sua situação pessoal, que nunca se deverá sobrepor (em importância) a do interlocutor. Sei que, por vezes, é difícil evitar a menção aos nossos grandes feitos, ao nosso protagonismo nisso e naquilo, ao quanto somos “venerados” pela nossa posição profissional e social… Em síntese, de forma amável e humilde, com pureza e um pouco de coração, tente buscar um “encaixe” no cenário descrito pelo interlocutor.
A essa altura, se havia uma grande distância antes da conversa, no mínimo ela terá encolhido significativamente. Assim, estará criado o ambiente para tratar do assunto propriamente dito. Tente, então, obter, primeiro, a impressão do interlocutor sobre o tema da pauta. Depois disso, chegando a sua vez, fale de como é socialmentecoletivamente (o bem que fará para muitas pessoas) importante você ter a sua posição considerada. Dê conta do amparo principiológico, do justo, da equidade da “concessão”. Seja firme, fluente, preciso e consistente (jamais mostre nervosismo ou indecisão – “perderá pontos” na certa). Não minta, não invente, não blefe…, não se iluda! Enfim, com verdade e transparência – e um sentido de quase imparcialidade -, faça ver as suas boas e bem lastreadas intenções.
Não pressione por uma decisão na hora, embora, sendo o caso, fale de quanto seria desejável – lembrando impactos que possam sensibilizar – uma manifestação a curto prazo. A paciência e a serenidade são posturas milenarmente consagradas.
Pesa muito no resultado final a sua disponibilidade para fazer as tarefas por vezes mais árduas ou trabalhosas: pesquisas, simulações, produção de textos (para os acordos, inclusive quando envolver tratativas visando à construção de texto legal ou regulamentar, novos contatos etc). Seja, portanto, solícito e voluntarioso. Prontifique-se!
Procure manter-se fiel às combinações. Não deixe de cumprir os prazos que você venha a assumir. Preferencialmente, antecipe as suas entregas. Assim, não deixará margem para que o interlocutor justifique encaminhamentos adversos por mera “inadimplência” (sua) na forma.
Já sobre o mérito que for defender, jamais pretenda algo que desequilibre a relação. Do tipo eu ganho e o outro perde. Ou, eu tenho de “levar vantagem em tudo” (a maldição da “Lei de Gérson”…). Além de dar mau exemplo do ponto de vista da ética negocial, e ver a sua “vitória” “dar água” a curto prazo – a condição “imposta”, a par de iníqua, invariavelmente é também inexequível -, em futuras negociações terá o “universo” (mercado) conspirando contra você.
Não perca de vista que as pessoas e as organizações se comunicam e que os interlocutores mudam de empresa, de posição. Logo, logo você estará diante de um novo desafio, talvez muito mais importante daquele no qual você (pensa que) “triunfou”, e pode reencontrar-se com o mesmo interlocutor ou alguém (da mesma ou outra empresa, do mesmo órgão…) que já conhece o seu “jeito”. Um futuro reencontro pode dar-se também com a mesma organização. A sua condição nessa nova conversa pode ser boa ou ruim, dependendo do seu comportamento nas tratativas anteriores… Por sinal, tem uma máxima que diz que você sempre tem de “juntar” quem estiver caído na sua volta, pois nunca saberá o “buraco” em que um dia poderá cair. E para sair dele, muito possivelmente você vai precisar de quem um dia acudiu (ou perdeu a oportunidade de acudir…!).
O certo não é “convencer” a outra parte (impor-lhe uma vitória, como indica a raiz do vocábulo), mas influenciá-la de maneira a alcançar-se o verdadeiro consenso. O resultado virtuoso na negociação é o que conduz ao “ganha-ganha”, à justa composição. Qualquer outra solução é insustentável na linha de tempo (portanto, precária e efêmera).
Tem mais: em nosso meio, considerando o universo institucional em que militamos, voltado para uma causa nobre e de alto apelo social – o cooperativismo -, que é orientada por princípios e valores éticos e morais, agir certo é um dever, uma questão de exemplo!
Por fim, tão importante quanto à (adequada) postura durante a negociação é a conduta após a conclusão desta. Com efeito, uma vez alcançado o consenso, honre o trato, honre a sua instituição, honre o seu próprio nome!
E lembre-se de que:
“Nem toda vitória é honesta, nem todo sucesso é decente”. (Mário Sérgio Cortella, filósofo e professor universitário)
Por Enio Meinen, advogado, pós-graduado em gestão estratégica de pessoas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e atualmente diretor Operacional do Banco Cooperativo do Brasil – Bancoob.
Parabéns Sr, Enio, pela excelente matéria.
Abraços.
Tábada
Enio mais uma vez muito bem colocado, neste momento tão intenso em que para fazer crescer nossas cooperativas temos que estar atento a ética, e a forma com que gostariamos de ser tratados… Parabéns.
O dr. Pery deve estar bem orgulhoso do seu companheiro!!!
Abraços,
Daniela
Excelente matéria!
Um verdadeiro guia da negociação, parabéns!