Seria difícil imaginar o que representaria a fundação da primeira caixa rural da América Latina, em 1902, no município gaúcho de Nova Petrópolis, depois de passados 102 anos da iniciativa dos primeiros imigrantes que chagavam ao País para substituir a mão de obra escrava, abolida em 1888. Em mais de um século, diferentes governos, ideais políticos e planos econômicos se sucederam, mas os valores do cooperativismo permaneceram vivos no Sicredi, uma rede financeira que atualmente possui 2 milhões de associados em 10 estado do Brasil.
Com uma postura atuante em momentos marcantes desta história, o presidente da Central Sicredi Sul, Orlando Müller, brinca que só não participou do pioneirismo do início do século “por pura falta de tempo”, mas relembra as conquistas obtidas a partir da década de 1980 com a criação da Cooperativa Central de Crédito Rural (Cocecrer) e, em seguida, o reconhecimento na Constituição de 1988, após o ostracismo em razão da reformulação do Sistema Financeiro Nacional, imposta pelo regime Militar em 1964.
“Em 1988, vencemos a barreira da Constituição, com o reconhecimento no artigo 193. Foi nossa primeira vitória. Antes trabalhávamos sem qualquer amparo jurídico“, ilustra o presidente da Central Sul, Orlando Müller.
Na década seguinte, a adoção da marca Sicredi em todas as cooperativas integrantes do sistema é considerada o passo inicial para chegar ao atual modelo – onde cada unidade permanece independente – e criar o primeiro Banco Cooperativo do Brasil, formalizado em 1995. Segundo Müller, foram mais de dez anos de lutas com o Banco Central e o Conselho Monetário Nacional até que fossem concedidas as autorizações para oferecer serviços financeiros como a compensação de cheques e, mais tarde, a operacionalização de crédito rural com encargos equalizados pelo Tesouro Nacional.
“A ideia em 1985, com a fundação da Cocecrer, sempre foi buscar a equiparação dos serviços, até então, exclusivos de agências bancárias. Retomamos o cooperativismo por uma necessidade agropecuária, mas com o passar do tempo buscamos inspiração em outros modelos do resto do mundo para diversificar as áreas de atuação”, revela.
O foco das atenções voltado ao agronegócio foi responsável pelo salto de 99,1 mil para 369,3 mil associados e de 191 para 627 unidades em quatro estados, entre os anos de 1992 e 2000. No período, o patrimônio líquido avançou de R$ 16,256 milhões para R$ 256,1 milhões. Com resultados em franca expansão, o prestígio também aumentou. Até 2012 – instituído pela ONU como o ano do cooperativismo – a organização econômica registrou novos progressos e ingressou nas áreas de seguros e cartões de crédito, além de receber a aprovação da livre admissão de associados em 2003.
Os principais diferenciais competitivos frente aos sistemas tradicionais, segundo Müller, são os mesmos valores responsáveis pela manutenção do cooperativismo por mais de um século no Brasil. O dirigente destaca que, no mercado financeiro, os clientes são usuários, enquanto na cooperativa são donos, pois administram lucros, ao mesmo tempo em que assumem os riscos de suas unidades, o que, segundo ele, significa a adaptação a uma cultura econômica alternativa.
Meta é duplicar número de associados
As conquistas da última década e a diversificação das áreas de atuação, que culminaram em reconhecimentos na legislação financeira, formam o panorama ideal para a expansão dos bancos cooperativos no País. Presente em dez estados e em 90% dos municípios do Rio Grande do Sul, a meta do Sicredi é cobrir todas as cidades gaúchas até 2015. Conforme explica o presidente da Central Sul, Orlando Müller, o objetivo é dobrar o número de associados no Brasil – dos atuais 2 milhões para 4 milhões – no período.
Com 1,2 milhão de associados, o Estado deve consolidar o pioneirismo nos próximos quatro anos. Enquanto em países como a França, a representatividade do cooperativismo no PIB financeiro chega a 30%, no Brasil é de apenas 2%. Entretanto, no ano passado, reforçado por uma das maiores redes bancárias gaúchas, o Rio Grande do Sul alcançou 10% de participação e a intenção é ultrapassar os 20% em curto prazo, estima Müller.
“Não tenho dúvidas de que o cooperativismo tem um longo caminho a percorrer no Brasil. Para chegarmos ao nível dos países mais desenvolvidos, teríamos de dobrar a participação aqui no Estado e vamos conseguir isso em pouco tempo, só que precisamos de fortalecimento nos demais estados da Federação”, analisa.
Na opinião do presidente da Central Sul, o momento é propício ao desenvolvimento. Neste cenário, a criação de produtos de qualidade e a fidelização das mais variadas atividades econômicas são essenciais para gerar os investimentos necessários e conquistar espaço em um mercado “gigante” e cada vez mais acirrado.
Fonte: Jornal do Comércio RS – ANA PAULA APRATO/JC