A letra da música Imagine, de John Lennon, fechou o discurso do embaixador especial do cooperativismo da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO), Roberto Rodrigues, na cerimônia de entrega do prêmio “Pioneiros de Rochdale”, no dia 31 de outubro, em Manchester, na Inglaterra. A homenagem foi feita pela Aliança Cooperativa Internacional (ACI), em reconhecimento ao seu trabalho na defesa, difusão e fortalecimento do movimento cooperativista mundial. Emocionado, nosso representante destacou o poder agregador e desenvolvimentista do cooperativismo. “Nosso movimento deve ser o grande responsável pela deflagração de uma onda mundial na direção do bem estar de cada pessoa. Por trás desta ideia está uma constatação singela: não posso ser feliz se meu vizinho for infeliz“.
Confira abaixo a íntegra do discurso de Rodrigues.
“Senhora Paulina Green, presidente da ACI, Senhor José Graziano da Silva, DG da FAO, Senhores cooperativistas do mundo todo, Senhoras e senhores,
Antes de fazer este pronunciamento em inglês que trouxe escrito para evitar emoção maior, permitam-me dirigir algumas palavras em português a estes bravos brasileiros que nos acompanham neste evento, liderados pelo Presidente da OCB, Márcio de Freitas, e acompanhados pelo Conselheiro da ACI Américo Utumi.
Meus amigos,
Este prêmio é de todos nós, os brasileiros do movimento cooperativo, porque tudo o que fiz ao longo da vida neste setor foi junto com vocês todos, para vocês todos e por vocês todos. Por isso, agradeço muito feliz, recebê-lo em nome de vocês todos, na sua presença aqui em Manchester, em evento com 10 mil cooperativistas de todo o mundo. Muito obrigado!
Agradeço, profundamente honrado, o maravilhoso prêmio que recebo da ACI nesta Manchester tão próxima da semente de Rochdale, base do gigantesco movimento democrático que é o cooperativismo. Quando, há 40 anos, assumi a liderança de uma pequena cooperativa de agricultores em dificuldades no interior de meu país, e logo depois fundei uma cooperativa de crédito rural para ajudar o setor, não conhecia a ACI e nem tinha a exata noção do extraordinário poder agregador das cooperativas. Mas os resultados do trabalho naquele rincão sofrido me mostraram as características quase mágicas desta doutrina e de sua aplicação na vida real, e me fizeram mergulhar profundamente no tema. Acabei criando e assumindo uma cadeira de cooperativismo em uma Faculdade de Ciências Agrárias da Universidade pública do Estado de São Paulo onde, por mais de 35 anos, formei gerações de cooperativistas que, como eu, se encantaram com a filosofia da cooperação.
E, galgando os sucessivos degraus da escalada institucional do movimento, tive a felicidade de conhecer 81 países das mais diversas culturas e regimes de governo, compreendendo então o vigor da atuação das cooperativas em favor das pessoas comuns. E é sobre este ponto que gostaria de fazer meu pronunciamento.
Acadêmicos do mundo todo já reconhecem que o PIB não é o índice mais adequado para medir o desenvolvimento de uma nação, seja porque não considera questões sociais, seja porque, tomado pelas médias, não representa a realidade dos indivíduos.
É preciso encontrar uma nova medida para exprimir o que realmente importa, e que é o bem estar dos cidadãos de qualquer localidade, e isso incorpora tanto a vertente econômica quanto a social, consideradas as condições de trabalho, saúde, educação, moradia, cultura, lazer, a coesão social, a liberdade de expressão, justiça, segurança, oferta de alimentos, meio ambiente e todas estas variáveis do dia a dia de cada um. Mais que o PIB médio, vale o bem estar individual e coletivo.
Por outro lado, verifica-se uma escassez de líderes mundiais capazes de definir rumos planetários. Desde que a globalização da economia se tornou realidade, o drive mundial passou a ser financeiro, sem ideologia, sem religião e sem nacionalidade: isso tem nos levado a sucessivas crises financeiras que destroem países e trazem insegurança e, portanto infelicidade a sociedades inteiras. O mundo está sem rumo, sem líderes, sem direção.
Como então compatibilizar a necessidade de um novo indexador lastreado no bem estar das populações para encontrar este rumo indispensável para a paz universal sem lideranças capazes de nos conduzir a isso?
Está chegada a hora de um movimento de grande expressão assumir este papel. Um movimento baseado em valores e princípios que coloquem o ser humano no centro das atenções e das políticas públicas. Um movimento mitigador da concentração da riqueza e da exclusão social. Um movimento gigantesco que esteja presente em todos os países do mundo, neutro em relação a religião, ideologia, raça e gênero. E esse movimento só pode ser um: o cooperativismo. Temos, desde 1995, em um congresso realizado aqui mesmo em Manchester, o sétimo princípio da cooperação, o da preocupação com a comunidade. Ele nos dá a direção desta assunção de novas responsabilidades históricas e globais: construir o bem estar coletivo com as ações cooperativistas.
Esta deve ser a missão do cooperativismo a partir deste ano internacional das cooperativas: seguindo o pensamento da ACI de que 2012 não é um ponto de chegada e sim um ponto de partida, e com o ideal de construir um mundo melhor, nosso movimento deve ser o grande responsável pela deflagração de uma onda mundial na direção do bem estar de cada pessoa. Por trás desta ideia está uma constatação singela: “não posso ser feliz se meu vizinho for infeliz”.
Para alcançar este objetivo, as cooperativas precisam valorizar mais o princípio da intercooperação e trabalhar como rede, integrando ações em todos os continentes. Nossos 1 bilhão de cooperados serão, cada um, arautos desta nova visão, desta nova e verdadeira medida de desenvolvimento harmonioso, o bem estar.
E então, estaremos, de fato, dando uma resposta à ONU pela homenagem que ela nos presta em 2012. Mas, muito mais do que isso, estaremos organizando o caminho para que o movimento cooperativo internacional receba uma homenagem que já merece há muito tempo: o prêmio Nobel da Paz.
Obrigado.”
Fonte: OCB em 08/11/2012