Quando a Sra. Senioridade nos brinda com sua presença e estamos preparados para este fortuito convívio, há uma grande chance de sermos mais complacentes com algumas meias verdades que até então nos estressavam. Ao mesmo tempo em que, pelo lapidar da senioridade, passamos a ficar desconfortáveis com algumas verdades que, por anos, julgávamos como inegociáveis.
Uma destas verdades que deixam inquietos muitos dos líderes das Singulares onde prestamos consultoria é a que surge quando explicitamos, de forma substanciada, a pouca utilidade gerencial da análise da inadimplência da sua instituição pelo modelo tradicional, onde se obtêm um índice pela pura divisão do total da inadimplência pelo total do crédito concedido. Alertamos ser este um índice frágil, e de pouca utilidade prática na gestão da sua Cooperativa de Crédito, e que é também um equívoco usá-lo para se balizar comparações ou julgamentos frente a suas Coirmãs.
Portanto, vamos juntos refletir sobre temas coadjuvantes para ampliar nossas reflexões:
Vários níveis de Taxas:
Sua Singular pratica vários níveis de taxas de juros e estas foram baseadas em uma combinação de vários fatores como: custo, prazo, risco, garantia, oportunidade, mercado, liquidez, relacionamento, etc. E alguns dos motivos intrínseco desta saudável discrepância são, sem dúvida, a potencial inadimplência e a provisão de cada linha. Portanto, desde já, fica incoerente analisar um saldo global de inadimplentes, como se houvesse uma única taxa de juros para toda a carteira.
Provisão:
Ela é algo natural em nosso modelo de negócio, tanto que qualquer Singular terá este custo em 100% dos créditos já na sua concessão, o qual pode se agravar, dependendo da deterioração de um crédito específico. Portanto, após um colchão natural de provisão, devemos gerir este montante por linhas e safras como algo natural, legal, prudencial e que atende a transparência tão apregoada pela Governança.
Desta feita, uma elevada provisão pode não ser algo representativo, como muitos querem acreditar, além do que a provisão é, em conceito, uma “reversa potencial receita”. Lembremo-nos que utilizamos e contabilizamos apenas a provisão formal e legal, a qual nem sempre explicita a realidade comercial, pois há formas criativas de suavizá-las, além da gradual complacência da regulamentação e fiscalização. Este cenário se agrava se observássemos a verdadeira e prudencial provisão que deveria surgir dos vários fatores de riscos “esquecidos” tratado em nosso artigo: Risco “i”.
Risco – Visão ampliada:
Risco
é algo natural em nosso modelo de negócio e deve ser analisado de forma ampliada e sem estresse por nossos executivos. Interessante: Sua Singular é um risco para aqueles que nela depositaram suas riquezas (capital social, depósito a prazo, depósito a vista, poupança…). Por outro lado, outro grupo de clientes – os que tomam crédito – passam ser um risco para nós e para aqueles que a nós confiaram suas riquezas. Assim sendo, risco é inerente ao nosso cotidiano e é um componente inseparável do crédito, o qual é sempre será o responsável pela nossa maior parcela de resultados. Sendo inevitável, saibamos transformá-lo em algo saudável através de uma prazerosa e astuta gestão.
Inadimplência: Ela é algo também natural em nosso modelo de negócio e não pode ser entendida como problema se seus custos e riscos tiverem sido muito bem precificados por linha e safra. Sim. Devemos observar safras e linhas de crédito para sabermos se uma inadimplência é elevada ou não. Se havíamos precificamos 5% de custo de inadimplência quando da definição de uma linha e safra creditícia, e na análise final da linha e safra só tivemos 4%. Foi um ótimo negócio. Mas se precificamos 0,5% de custo de inadimplência e tivermos 0,7% sem dúvida será um enorme prejuízo e erro crasso de gestão. Lembro sempre nos seminários, que devemos precificar a inadimplência como um custo direto tal qual constou nas entrelinhas do orçamento do armário embutido para sua cozinha, os descartes das sobras de retalhos de madeira e as várias idas a sua residência, inclusive para pequenos ajustes. Precificado também foi toda sobra de comida que em média será jogada no lixo diariamente pelo restaurante a quilo que você costuma freqüentar. Portanto, inadimplência é algo esperado e, se dinamicamente bem precificada, não deveria ser motivo de estresse de nossos executivos e muito menos analisada de forma engessada como se vê.
Garantia: Onde fica a análise do quesito “garantias por linha e safra” quando nos debruçamos sobre comparações macro de saldo de provisão e inadimplência? A Garantia é um dos grandes pesos na precificação de uma taxa juros de uma linha creditícia e não pode ser esquecida pelos executivos que desejam entender o cenário interno de sua carteira de crédito, inclusive sua inadimplência e provisão. Haja vista que a existência de garantia real bem concebida torna uma provisão e inadimplência distinta de uma dívida sem garantia. A qual, como já vimos, também não poderá ser considerada um problema se houver sido bem precificada por linha e safra.
Varejo massificado de Crédito – sem garantia real ou aval. Aqui reside o futuro das Singulares. Muitos executivos acham uma loucura conceder créditos mais generosos sem garantia e sem aval, pré-aprovados e revitalizados após um período de pagamento. A Sra. Senioridade já demonstra que será um suicídio premeditado demorar ainda mais para entrar nesta onda que já é surfada com sucesso há mais de 20 anos pelos bancos. Sabemos que as receitas com tarifas são inelásticas e os custos elevam-se absurdamente. Só nos resta obter boas receitas no crédito de varejo massificado. Se formos efetivos na precificação destas linhas e safras de maior risco, e termos força comercial para implementá-la, vendê-la, geri-la e inová-la, certamente teremos êxito no acompanhamento das inadimplências e provisões pois haverá um processo previsível de cobrança. Portanto, por mais assustador que seja para alguns, passaremos a gerir uma maior, esperada e “saudável” provisão, inadimplência e insolvência. Favor reler o artigo: Credito pré-aprovado – muita calma nesta hora.
Saldos corrigidos: É comum vermos análise de que a inadimplência ou provisão cresceu ou decresceu em um período (ex: ano), baseado unicamente no saldo ou percentual bruto. Devemos sempre lembrar que há uma inflação e correção monetária minando sorrateiramente nossa captação, limites, concessões, custos, rendas dos clientes…, bem como nosso mercado é maduro é sazonal. Também não devemos nos esquecer de que, muito provavelmente tivemos reversões de provisão, renegociações focadas em linhas distintas de risco, crescimento do número de sócios, majoração ou redução de taxas de juros e de limites, alteração no custo de captação e administrativos, ampliação ou redução de garantias, alteração de alçadas etc. Portanto é hiper frágil a análise comparativa da inadimplência balizada por saldos brutos e seus percentuais.
Outros fatores: Deixaremos para compartilhar em outro momento outras infinidades de motivos para reforçar que é equivocado o uso do indicador de inadimplência tradicional, mas apenas citamos alguns outros temas que mereceriam análise, como: o esquecimento que o prazo é um fator que agrava a inadimplência, o uso de mesmas lógicas para definição de taxas de pessoa física e jurídica, a forma de gestão do uso de escritórios de cobrança terceirizado, a inexistente ou fraca tecnologia e estrutura da equipe de cobrança de inadimplentes além da sua baixa pró-atividade e usual engessamento e pasteurização quanto às regras de trabalho, etc.
Reflexão Final: Nossos carros têm extintor de incêndio, estepe, airbag, freios ABS. Não são para usar, mas se precisar estarão lá, e com certeza tudo isto foi bem precificado e já foi pago. Tal qual devem ser encaradas nossas “saudáveis inadimplências e provisões” se bem geridas e precificadas.
Você deve estar se perguntando. Sim, mas qual seria a métrica para considerar como razoável um número ou percentual de provisão ou inadimplência? A resposta correta frente aos pontos de reflexão deste artigo seria: Depende de vários fatores. Mas reafirmamos ser perigoso para a Singular a analise de seus valores e percentuais brutos de inadimplência e que também é temerosa a comparação destes fracos indicadores com os das coirmãs, em especial quando se tem a ousadia de se querer tirar conclusões, culminando em prepotentes julgamentos de mérito. A prática nos demonstra que Singulares com baixa inadimplência têm outros problemas tão relevantes quanto as que incorrem em maiores índices de inadimplência e observaram as premissas saudáveis de risco descritas neste artigo.
Por fim, reafirmamos que só há um caminho para o cooperativismo de crédito se manter sustentável e promover as vantagens sociais que tanto apregoa. O Crédito Massificado de Varejo. Ele tem um forte componente de risco, inadimplência e provisão, portanto, aprendamos a aplaudir estas despesas, seja pela coerência da lei ou pelos princípios mercadológicos que internalizam.
A Sra. Senioridade, esposa do Sr. Mercado, agradece nossas reflexões e relembra que o risco é parte viva deste nosso jogo e nos lembra que seu marido não perdoará baixos resultados comercias.
Concordar é secundário. Refletir é urgente.
Por Ricardo Coelho Consult – Consultoria e Capacitação Comercial para as Cooperativas de Crédito