“ASSEGURAR CAPITAL COOPERATIVO NECESSÁRIO GARANTINDO O CONTROLE PELOS MEMBROS”
As empresas não podem funcionar sem capital (patrimônio líquido), e as cooperativas não são exceção. Embora tenham capacidade de pedir emprestado, têm necessidade de financiar as suas atividades a longo prazo, o que as leva a, geralmente, terem necessidade de determinada forma de capital com risco a longo prazo ou de absorção de perdas. O capital cooperativo provém, normalmente, quer dos membros, por intermédio do capital social, quer dos benefícios não repartidos (reservas). Por definição, os benefícios não repartidos levam tempo a acumular e não estão disponíveis no arranque da atividade. Historicamente, as cooperativas eram financiadas por depósitos em dinheiro feitos pelos membros, numa época antes de os grandes bancos satisfazerem tais necessidades. Os membros guardavam as suas economias na cooperativa e podiam retirá-las em função das suas necessidades.
O capital social retirável, com exceções limitadas, já não corresponde ao capital necessário. O acesso largamente disponível às instituições e serviços financeiros explica que as pessoas já não precisem da sua cooperativa como valor de refúgio para o seu dinheiro. O capital que se pode retirar de livre vontade no contexto moderno não fornecerá, normalmente, uma base de sustentação suficiente para financiar um negócio. Em muitos sistemas jurídicos, as cooperativas são, pois, confrontadas com um problema em termos de acesso ao capital.
As empresas detidas por investidores levantam capital junto dos que procuram um retorno financeiro. Pode resultar de dividendos, do aumento de valor do capital da empresa num dado período de tempo, ou uma combinação dos dois. Os «fundos próprios» tradicionais oferecem essas vantagens, e assentam no princípio de que a detenção de uma ação confere ao investidor uma parte proporcional do potencial valor do capital da sociedade e uma quota-parte dos benefícios distribuídos sob forma de dividendos.
O capital cooperativo é diferente em relação a ambos esses princípios. Em primeiro lugar, um membro só pode, geralmente, retirar da sociedade o montante de dinheiro depositado ou subscrito para as partes. Não há, pois, direito a uma parte do valor potencial. Em segundo lugar, se bem que as cooperativas possam pagar juros sobre o capital, de acordo com o 3º Princípio Cooperativo, os membros recebem uma «compensação limitada, se ela existir, sobre o capital subscrito como condição para a respetiva adesão». Na medida em que os lucros ou os excedentes sejam distribuídos aos membros, essa distribuição é proporcional às trocas dos membros com a sociedade.
Comparado aos fundos próprios de uma empresa, o capital cooperativo não oferece aos investidores vantagens económicas comparáveis. Por isso, não é economicamente atrativo, e tem pouco interesse para os investidores. Mas o que as cooperativas têm para oferecer à sociedade no seu conjunto (mais que aos investidores à procura de lucros) é claramente atrativo, se comparado com os mais fortes impactos das empresas privadas, por todas as razões já referidas. Como ultrapassar esse fosso?
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Qual é o objetivo?
É fácil fazer deste assunto algo complexo, técnico, até de certa forma misterioso – a procura do Santo Graal. Essencialmente, envolve fazer corresponder as nossas necessidades enquanto cidadãos em possuir um lugar seguro para guardar o dinheiro de que precisaremos no futuro, com as necessidades das empresas que procuram capitais para se desenvolver e responder às nossas necessidades em constante mudança.
A história dos últimos cerca de 150 anos consistiu em transformar pessoas em investidores. ‘Investir’ designa geralmente colocar dinheiro num lugar onde se procura obter um melhor rendimento. É a palavra correntemente utilizada para designar o fato de colocar dinheiro em ações de uma sociedade. A maior parte das pessoas nos países desenvolvidos tornaram-se investidores, fosse isso intencional ou não, através das poupanças-reforma e outros produtos financeiros como os seguros fornecidos pelo modelo de acionário. Maximizar os benefícios das nossas economias é hoje a norma, e tornou-se uma droga. Mas nos últimos quatro anos, a volatilidade econômica revelou a fraqueza deste modelo – há hoje uma clara necessidade de algo melhor.
Encontrar um modelo bem sucedido significa não apenas mudar a forma de atuação da empresa criando modelos que, como as cooperativas, parecem ser mais capazes a longo prazo de satisfazer as necessidades humanas; significa também mudar a forma de comportamento das pessoas. Temos todos de deixar de nos comportar como investidores à procura da maximização do lucro; se quisermos um mundo melhor, precisamos colocar os nossos fundos onde forem mais capazes de construir esse mundo melhor. Não o faremos se os colocarmos em fundos participativos.
É necessária uma proposta financeira que preveja um retorno sobre o investimento, mas sem destruir a identidade cooperativa, e que permita às pessoas aceder ao seu dinheiro quando dele necessitam. Significa também explorar as opções disponíveis para acesso aos capitais para lá da adesão tradicional, mas sem comprometer o controle exercido pelos membros.
São necessários instrumentos que ofereçam a faculdade de se colocar e retirar facilmente o dinheiro das cooperativas, e que:
- Ofereçam uma base estável para os negócios da cooperativa;
- Ofereçam uma ‘saída’ adequada para o fornecedor de fundos, num contexto em que um mercado de ações não é realmente apropriado, e;
- Não prejudiquem ou comprometam a natureza cooperativa da entidade, incluindo o controle pelos membros e o compromisso com a identidade cooperativa.
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Como atingir os objetivos? Ações possíveis e indicadas
- Promover e encorajar de modo geral o financiamento das cooperativas pelos atuais membros
- Assegurar que as cooperativas tenham uma clara proposta para apresentar aos fornecedores de fundos
- Promover uma troca de ideias e experiências entre sistemas jurídicos em matéria de capital e instrumentos financeiros
- Desenvolver um instrumento financeiro genérico moderno que seja catalogado como capital de risco e responda às necessidades das empresas cooperativas e dos investidores cooperativos
- Desenvolver uma série de variantes ao modelo genérico que se adecuem às diferentes dimensões das cooperativas e aos diferentes setores
- Identificar as instituições que podem agir como agregadoras ou intermediárias para as empresas (grandes e pequenas) que necessitam de capital
- Utilizar o Fundo Mundial de Desenvolvimento Cooperativo para demonstrar que as cooperativas são uma classe de ativos
- Levar a cabo investigações sobre mudança de atitudes e motivações no financiamento e para novos instrumentos financeiros
- Rever os riscos e oportunidades criadas pelo uso de filiais e outros dispositivos de estruturação do grupo, e a criação de grupos cooperativos ou clusters que respondam à acumulação de capital
- Argumentar que o capital cooperativo é um modelo de inspiração se comparado com dívida e capital que procura lucros
- Criar um índice específico para medir o crescimento e o desempenho
- Defender normas contabilísticas que tenham em conta as características únicas do modelo cooperativo
- Acelerar o comércio mundial entre cooperativas através de dispositivos de mediação e de estruturas partilhadas de serviços
Fonte: Plano de Ação para uma Década Cooperativa