Nas sociedades cooperativas de crédito, diversamente das empresas capitalistas, é vedada a distribuição de benefícios às quotas-partes, bem como adotar privilégios e vantagens financeiras em favor de associados ou terceiros, exceto, no que se refere ao pagamento de “remuneração anual” até o limite da Taxa Selic, nos termos do art. 7º da Lei Complementar nº 130/09, conforme segue:
“Art. 7º É vedado distribuir qualquer espécie de benefício às quotas-parte do capital, excetuando-se remuneração anual limitada ao valor da taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia – Selic para títulos federais.”
A regra acima harmoniza-se com a premissa de ausência de lucro nas atividades das sociedades cooperativas, bem como com o princípio do retorno, mediante o qual retorna aos associados o excedente gerado pelos serviços usufruídos junto à sociedade.
Antes de findo o exercício e verificada a existência de excedentes, que correspondem ao resultado positivo da subtração entre os ingressos e os dispêndios da sociedade, possível a deliberação pela cooperativa para que esses montantes sejam devolvidos aos cooperados mediante remuneração do capital social.
A remuneração do capital social, nas sociedades cooperativas, uma vez observado o limite legal, é pacífica e não encontra qualquer óbice.
Por outro lado, os reflexos tributários da remuneração anual do capital social recebida pelos associados da cooperativa encontra divergência de entendimento entre o fisco e o Judiciário, notadamente no que tange ao imposto de renda na fonte.
De um lado, a Receita Federal do Brasil defende que tais operações devem receber o tratamento tributário destinado as aplicações financeiras de renda fixa, de outro, o Tribunal Regional Federal da 5ª Região pacificou o entendimento que se aplicam as regras de pagamento de juros ao capital previstas na Lei nº 9.249/95.
Assim, diante desta divergência de entendimento que contribui para a insegurança jurídica da matéria, cabível e necessária uma análise crítica sobre os fundamentos legais adotados por ambas posições antagônicas, ainda que de forma resumida, para então se concluir pela possibilidade, ou não, de se adotar algum destes entendimentos.
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Posição da Receita Federal do Brasil
O entendimento da Receia Federal está contido em Soluções de Consulta Fiscal no sentido de que os pagamentos de juros ao capital de sociedades cooperativas devem sofrer a retenção de imposto de renda na fonte, com alíquota de 20%, como se fossem rendimentos de aplicações financeiras.
Sabe-se que as aplicações financeiras de renda fixa possuem particularidades e tratamento tributário específico. São operações de investimentos realizadas nos mercados financeiro e de capitais, cujas negociações são feitas através de títulos ou valores mobiliários, disciplinado pelo Conselho Monetário Nacional e fiscalizado pelo BACEN.
Referidos títulos podem ser públicos ou privados, conforme a condição da entidade ou empresa que os emite e sua principal característica consiste na possibilidade do investidor poder dimensionar o retorno do seu investimento no momento em que adquire a aplicação de renda fixa. Exemplos de títulos públicos de renda fixa: Notas do Tesouro Nacional (NTN) e Títulos da Dívida Agrária (TDA). Exemplo de títulos privados de renda fixa: Letras de Câmbio (LC) e Certificados de Depósitos Bancários (CDB).
Por outro lado, a remuneração do capital dos associados não configura investimento realizado nos mercados financeiros e de capitais. São valores integralizados pelos cooperados, a fim de viabilizar o objetivo maior da cooperativa, qual seja, unir forças para utilizar-se dos serviços fornecidos pela cooperativa e assegurar maiores vantagens a todos os seus cooperados.
A partir de tais distinções, somado ao fato dos rendimentos provenientes das aplicações financeiras possuírem tributação específica, compiladas na Instrução Normativa RFB nº 1.022/2010, não é dado concluir de forma diversa do que a impossibilidade de tributar a remuneração dos juros ao capital como se rendimentos de aplicações financeiras fossem.
Nestes termos, diante das razões acima expostas, não se vislumbra a possibilidade, nem por analogia, de considerar tais pagamentos como rendimentos de aplicações financeiras. Por isso não se poderia adotar o tratamento tributário desses rendimentos, cuja natureza em nada se equipara a remuneração anual dos juros ao capital paga aos associados.
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Posição do Tribunal Regional Federal da 5ª Região
Diversamente da orientação da Receita Federal, o TRF da 5ª Região pacificou recentemente o entendimento que os juros ao capital pagos por sociedades cooperativas submetem-se à retenção de imposto de renda na fonte, com alíquota de 15%, nos termos do artigo 9º da Lei nº 9.249/95.
Os juros sobre o capital próprio previsto na referida legislação são valores pagos aos titulares, sócios ou acionistas, como forma de distribuição do lucro, tal qual os dividendos. Além disso, são condicionados à existência de lucro e estão sujeitos à incidência do imposto de renda na fonte, à alíquota de 15%, bem como limitados à variação pro rata dia da Taxa de Juros de Longo Prazo – TJLP.
Os pagamentos feitos pelas cooperativas de crédito a seus associados, de acordo com as respectivas quotas-partes do capital de cada um, em nada se equiparam a figura dos juros sobre o capital próprio. A primeira diferença é que as cooperativas de crédito não auferem lucro, nos exatos termos do art. 3º da Lei 5.764/1971, condição indispensável para que possa haver a remuneração do capital disposta na Lei nº 9.249/95.
Além disso, os pagamentos feitos pelas cooperativas de crédito não estão sujeitos à variação, pro rata dia, da Taxa de Juros de Longo Prazo – TJLP –, mas sim pela SELIC. A previsão legal do pagamento dos juros ao capital nas sociedades não cooperativas e da remuneração dos juros nas sociedades cooperativas de crédito é distinta, inclusive o próprio Regulamento do Imposto de Renda confere tratamento distinto.
Nestes termos, tanto a orientação da Receita Federal, quanto do Tribunal Regional Federal da 5ª Região merecem reforma, uma vez que a remuneração dos juros ao capital pelas sociedades cooperativas não consiste em aplicação financeira de renda fixa, submetida a alíquota de 20% de IRRF, muito menos está adstrita ao tratamento tributário previsto no art. 9º da Lei nº 9.249/95, o qual prevê a incidência de imposto de renda retido na fonte com alíquota de 15%.
Por Rafael Dias Toffanello, Advogado