O texto abaixo faz parte da obra O Cooperativismo de Crédito ontem, hoje e amanhã, de autoria de Ênio Meinen e Márcio Port
Na gestão diária de uma cooperativa de crédito, não há como negar que existem grandes diferenças entre as operações realizadas por um associado em relação a outro. Essas diferenças dizem respeito tanto aos diferentes níveis de reciprocidade que existem como também aos diferentes níveis de poder aquisitivo de um associado. Pode ocorrer, por exemplo, de dois associados possuírem junto a cooperativa uma aplicação financeira de R$ 50 mil, sendo que um deles tem nesse valor todas as economias de sua vida, e que o outro tenha um patrimônio e economias bastante superiores, ultrapassando a casa do milhão. Apesar de ser muito difícil de mensurar esses diferentes perfis, é possível afirmar que o associado com menor poder aquisitivo é mais fidelizado à cooperativa do que aquele que tem com ela apenas uma pequena parcela de sua movimentação.
Não havendo a possibilidade de mensurar essa reciprocidade, as cooperativas acabam lançando mão de diferentes formas de distribuir os excedentes (sobras) entre os associados que operaram no exercício findo. Nesse quesito, existem aquelas que utilizam como base de cálculo:
- somente o saldo médio das operações mantidas com a cooperativa (empréstimos e depósitos, por exemplo);
- os montantes de juros pagos pelo associado (no caso de empréstimos) ou de juros recebidos pelo associado (no caso de depósitos a prazo);
- e aquelas que distribuem seus excedentes de forma proporcional ao spread gerado pela operação realizada pelo associado.
O objetivo aqui é o de chamar a atenção para o fato de haver, entre os associados da cooperativa, diferentes rentabilidades (ou margem de contribuição, ou ainda spread) geradas por seus depósitos, empréstimos, ou demais produtos e serviços. Essas diferentes rentabilidades/ reciprocidades devem ser lembradas ao final do ano, ao ser feita a distribuição das sobras, restituindo uma parcela maior das sobras àquele associado que mais contribuiu para que elas existissem, e não levando em conta simplesmente o saldo médio das operações ou mesmo o montante de juros pagos ou recebidos.
No caso de uma operação de crédito, conforme o objeto do financiamento haverá diferentes prazos e taxas de juros para os associados. Uma linha de financiamento de veículo, por exemplo, sempre apresentará menor custo para o associado do que uma linha de crédito pessoal, tanto pela menor inadimplência apresentada quanto pelo fato de o veículo servir de garantia real para a operação. Na tabela abaixo, é possível compreender melhor a ideia aqui apresentada, de utilizar-se a margem de contribuição da operação como parâmetro para a distribuição das sobras.
“Margem de Contribuição é quantia em dinheiro que sobra do preço de venda de um produto, serviço ou mercadoria, após retirar o valor do gasto variável unitário, este composto por custo variável unitário e despesas variáveis. Ela representa uma margem de cada produto vendido que contribuirá para a empresa cobrir todos seus custos e despesas fixas, chamados de custo de estrutura/suporte.”
O exemplo demonstra duas operações de crédito, a primeira de um crédito pessoal de R$ 10 mil, com custo mensal de 3,5%, e a segunda de um financiamento de veículo de R$ 20 mil, com custo mensal de 1,75%. Ambas geram para a cooperativa uma receita bruta mensal de R$ 350,00 e, caso seja utilizado como parâmetro de distribuição de sobras o montante de juros pagos pelos associados (no caso, os R$ 350,00), estaremos sendo injustos com o associado que teve tal desembolso para sua operação de R$ 10 mil, enquanto o outro associado teve a mesma despesa para um financiamento de R$ 20 mil.
No conceito da margem de contribuição da taxa de juros paga pelo associado (3,5% ou 1,75%), deve ser descontado o custo de captação da cooperativa, ou o chamado custo de oportunidade, representado pela Taxa Selic (1,00%). A diferença encontrada é o spread da cooperativa em cada operação (2,50% ou 0,75%, respectivamente), apresentado um valor líquido de R$ 250,00, no caso do crédito pessoal, e de R$ 150,00, para o financiamento de veículos. Se utilizarmos tais valores como parâmetro para a distribuição de sobras, estaremos sendo justos com os dois associados, contemplando um retorno maior para o associado que mais auxiliou a cooperativa a obter excedentes, no caso, o tomador do crédito pessoal.
Essa mesma lógica de cálculo deveria ser adotada para todos os produtos e serviços da cooperativa, seja nos depósitos a prazo (receita obtida com a diferença entre o custo de captação de cada operação e a Taxa Selic), fundos de investimento e consórcios (levando-se em conta a receita auferida com a taxa de administração), seguros (considerando-se as comissões líquidas), receitas de tarifas, e outros tantos.
Fonte: O Cooperativismo de Crédito ontem, hoje e amanhã – texto por Márcio Port