O cooperativismo como doutrina, com seus valores básicos, princípios, uma ética básica, todo um conjunto dogmático de regras que compõem a doutrina, na verdade, só floresce em cooperativas dentro de três condições básicas. Primeiro, é preciso que haja uma necessidade, porque é um movimento de base. Então, a base deve sentir a necessidade e esta surge sempre de pressões externas que atrapalham alguma comunidade.
Segundo, ela precisa ter viabilidade econômica. A cooperativa não tem a menor condição de ser uma “sociedade de poetas mortos”, não é uma brincadeira romântica, é uma empresa atuante. Então, tem de ter viabilidade econômica.
E terceiro, precisa haver liderança, porque sem liderança, nada funciona bem.
Na verdade, as cooperativas surgiram pós-Revolução Industrial, porque ela gerou dois movimentos simultâneos: exclusão social e concentração da renda. Daí cresceu o que eu chamo de primeira onda da história cooperativista, em 1844, na Inglaterra. Nasceu e esparramou-se pelo mundo inteiro, transformando-se no maior movimento social da história universal, abrangendo, atualmente, 1 bilhão de filados no mundo inteiro. Se considerarmos que cada pessoa representa 3 familiares, isto significa um total de 3 bilhões de pessoas, ou 40% da humanidade.
Essa primeira onda, na qual o cooperativismo foi tratado como a Terceira Via entre o capitalismo e o socialismo, para promover o desenvolvimento econômico social, durou até a queda do muro de Berlim. Quando o muro caiu, o socialismo sofreu um desmaio profundo, do qual ainda não se recuperou, e o capitalismo se desmembrou, seguindo mais o liberalismo do que o modelo capitalista comercial.
Então, por um período de dez a quinze anos, o cooperativismo perdeu um pouco o seu sentido porque, de certa forma, todos os efeitos perversos do modelo da Revolução Industrial esvaíram-se no tempo. Isto até que os efeitos da economia globalizada passaram a ter resultados muito similares a uma Revolução Industrial. Voltaram os problemas, e com ele, de novo, a concentração e a exclusão. Isto produziu o que estou denominando de segunda onda da história cooperativista, ou seja, um recrudescimento do movimento, só que com outras responsabilidades. Durante um século e meio, o cooperativismo foi uma doutrina socioeconômica que visava corrigir o social por meio do econômico. Esta é a definição clássica de cooperativismo. Portanto, preocupada com as questões sociais e econômicas. Com o surgimento da economia globalizada, somada ao liberalismo comercial, os problemas de exclusão e de concentração aumentaram a tal ponto que a democracia e a paz no mundo ficaram ameaçadas.
Hoje, estou convencido de que os governos centrais são cada dia mais incapazes de resolver os problemas comuns das pessoas comuns, como nós. O cidadão comum preocupa-se com o desemprego, a sustentabilidade da atividade produtiva, o acesso à educação, saúde, habitação, aposentadoria, lazer, às coisas do dia-a-dia. E os governos não resolvem mais isso. A decisão de investir para gerar emprego, ou não, é do capital, sem preocupações com ética, filosofia, religião, ideologia, nada. O capital só se preocupa com a própria acumulação. Mas, como os excluídos não sabem disso, nem percebem isso, culpam o governo. Então, cada eleição, em qualquer lugar do mundo, é um plebiscito contra o governo. Então, as oposições ganham, não porque sejam necessariamente melhores, mas porque o governo, por questões estruturais, não consegue resolver os problemas das pessoas.
Qual é o risco? É um problema a oposição ganhar? Não. Faz parte da lógica democrática. O problema é que a oposição ganha e também não consegue resolver. Então, o conceito de democracia vai sendo erodido. A Argentina é um exemplo, e lá há pessoas falando em voltar ao regime militar.
Então, a solução está na ação das bases comunitárias. E é por esta razão que o cooperativismo ressurge. Não mais como um rio fluindo entre as duas margens – capitalismo e socialismo, cada um de um lado. Mas uma ponte juntando as margens – de um lado, o mercado, e na outra margem, o bem-estar das comunidades, a felicidade das pessoas. O cooperativismo é essa ponte; é a defesa da democracia e da paz, na medida em que ele combate a exclusão e a concentração.
O cooperativismo passa a ter, no Terceiro Milênio, na segunda onda da sua história, uma função que transcende a tradicional função social e econômica, para ganhar uma nova dimensão de caráter político, que é a defesa da democracia, o combate aos efeitos negativos da dubiedade econômica do liberalismo, tal como no século XIX combateu os efeitos negativos da Revolução Industrial.
Essa é a consistência nova do cooperativismo. Razão pela qual se diz que há um renascimento do movimento cooperativo fortemente impulsionado por governos de países desenvolvidos. Por quê? Em primeiro lugar, porque a consciência solidária, nesses países, é mais consistente. Viveram momentos na História nos quais a solidariedade se transformou numa necessidade.
E o que diferencia um país desenvolvido de um país não desenvolvido é o grau de organização da sociedade. No Brasil, nós sempre ficamos esperando que o “papai governo” resolva nossos problemas e, por isto, ficamos à margem do processo.
Por Roberto Rodrigues – constante na obra “O Cooperativismo de Crédito no Brasil do século XX ao século XXI – edição comemorativa“, organizado por Diva Benevides Pinho e Valdecir Manoel Affonso Palhares. Confebras, 2004.