“Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades” (Camões)
Muito se fala que um dos diferenciais ou uma vantagem comparativa do cooperativismo financeiro está no atendimento qualificado aos associados. Aliás, em diferentes consultas de opinião aos cooperados, esse tem sido um dos atributos mais enaltecidos, justificando de certa forma o entusiasmo com o vínculo cooperativo.
A questão é saber em que medida esse relacionamento virtuoso limita-se ou deveria limitar-se ao contato pessoal. A “priori”, hoje, pode-se dizer que a avaliação do quadro social – pelo menos o que se evidencia nas pesquisas – considera prevalentemente o acolhimento presencial, pois evocam-se características como atenção, simpatia e prontidão do quadro funcional ou mesmo dos dirigentes na prestação dos serviços.
Atualizando o cenário, no entanto, há que se admitir que servir bem apenas na “boca do caixa” já não é/será suficiente. Entre outras possíveis variáveis a conduzirem para essa conclusão, duas se sobressaem.
A PRIMEIRA RAZÃO é o fato de que um grande contingente de associados não faz a menor questão de ir até um ponto de atendimento físico (uma “agência”) da cooperativa, especialmente a população do meio urbano, com destaque ao público mais jovem. Prova disso é que 65%, em média, das transações atuais no meio cooperativo ocorrem via internet – através computadores, tablets e celulares – ou ATMs, número idêntico ao do conjunto do sistema financeiro nacional, âmbito no qual as transações via web (hoje já o principal canal bancário utilizado pelos brasileiros) representam 42% do total, e as feitas através de ATMs, 23% (“Investimento dos Bancos com TI avança 2,5%, para R$ 20,6 bi” – Valor Econômico, edição de 30/04 e 01/05/2014 – link).
A SEGUNDA justificativa está no custo. De acordo com dados divulgados pelo mercado financeiro (Bradesco – Ciab Day 2013), o atendimento no caixa implica dispêndio na ordem de R$ 2,00 (despesas com funcionários, instalações, material de expediente, luz, tributos etc); no ATM, R$ 0,50, e pela internet, R$ 0,16. No caso da cooperativa, essa conta, como se sabe, é paga pelo associado-usuário, direta ou indiretamente.
Obviamente que a cooperativa deve persistir na excelência do tratamento corpo-a-corpo, notabilizando-se – frente à concorrência – em relação àqueles associados cujo perfil indica possibilidade e, acima de tudo, necessidade de comparecer às dependências. Neste caso, fenômeno mais presente nas pequenas localidades e envolvendo públicos específicos, é preciso reconhecer que muitos cooperados têm na visita a cooperativa um dos seus programas favoritos, pois sabem que lá vão encontrar quem lhes dê atenção; quem fala a sua linguagem; quem lhes orienta honestamente sobre investimentos e outros compromissos que envolvem finanças; quem lhes presta informações úteis sobre os negócios particulares; e também quem lhes escuta e com eles dialoga sobre assuntos gerais e pessoais…
Quanto aos canais não-presenciais, a sua preferência do lado do usuário está no fato de que o autoatendimento representa comodidade, liberdade (flexibilidade de horário e local), praticidade, agilidade, segurança (no caso de movimentação de recursos) e economia de tempo (pelo não deslocamento até uma unidade física da cooperativa). Esses “recursos” são (cada vez) mais valorizados pelas novas gerações (íntimas da tecnologia e do mundo virtual) e por todos aqueles cujo perfil dispensa o contato pessoal ou requer otimização de tempo. Tratam-se, portanto, de valores distintos daqueles apreciados pelos cooperados que buscam a aproximação física.
Daí que, combinando o fator custo (sob a ótica do empreendimento cooperativo) e a preferência do cooperado-usuário, não há dúvida que investimentos em canais “alternativos” são muito bem-vindos no cooperativismo financeiro. Aqui, por sinal, o “ponto de equilíbrio” é quase que simultâneo! A propósito, em levantamento recente no Sicoob, constatou-se que o uso prevalente do atendimento remoto (internet banking, office banking, mobile e ATMs) em apenas três meses (vis-à-vis o atendimento presencial em equivalente número de transações) gerou economia correspondente ao total do orçamento de investimentos em TI para todo o exercício. Estendendo, em idêntica dimensão, o impacto para o período de 2009 a 2013, a diferença representou R$ 403 milhões. A partir desse dado é possível estimar em cerca de R$ 1 bilhão a economia propiciada pelas transações não presenciais no conjunto do sistema financeiro cooperativo nos últimos cinco anos!
Segundo, ainda, pesquisa recente da Febraban (ano-base 2013), envolvendo 16 instituições – responsáveis por 93% do setor bancário -, os investimentos em canais virtuais como o internet banking e mobile banking permitiram uma redução no custo unitário de transação de 17,4% nos últimos cinco anos, e ao mesmo tempo contribuíram para um crescimento de 73,4% no volume de transações.
Ou seja, além do elemento (menor) custo, a amplitude e a boa performance dos canais “self service” constituem apelo para o aumento das transações (diante dos incentivos da comodidade e da conveniência). Adicionalmente, geram incremento de negócios (investimentos, crédito e produtos e serviços complementares), impactando, assim, também o lado da receita. Em síntese, o resultado recebe duplo “insumo” (menos despesas e mais ingressos) e a eficiência operacional aprimora-se duas vezes.
Por conta desse cenário-realidade (utilização acentuada da internet ou “digitalização” bancária), em mercados onde o atendimento bancário está consolidado há mais tempo, notadamente em termos de rede física, já se inicia um movimento de redução da quantidade de agências, situação mais notada na Europa. No mesmo continente, ainda, os – assim designados – “bancos de internet” ou “bancos móveis” vêm assumindo protagonismo cada vez maior, enquanto que as instituições tradicionais aceleram a ampliação das suas redes on-line. Em relação às instalações físicas, há, também, uma grande preocupação sobre torná-las mais atrativas ou otimizadas, o que inclui oferta de serviços não bancários, como disponibilização de tablets para livre uso nas dependências (“Bancos europeus fecham 5,3 mil agências em 2013” – Valor Econômico, edição de 15/04/2014 – link).
Nos Estados Unidos, por sua vez, a disponibilização de soluções remotas tem sido fator de retenção/atração de clientes nos bancos e de associados nas cooperativas. Prova disso é que cerca de 60% dos usuários americanos de smartphones ou tablets que mudaram de instituição financeira no quarto trimestre de 2013 disseram que o “banco móvel” foi um fator importante na decisão. Os agentes financeiros americanos também têm nos custos um atrativo a mais para calibrar o orçamento em TI, especialmente na seara do mobile banking. Segundo dados da empresa de pesquisas Javelin Strategy & Research, uma transação por celular tem um custo médio de US$ 0,10, metade do que representa uma transação feita por computador e muito abaixo do custo médio de US$ 1,25 da operação via caixa eletrônico. Outro dado recentemente divulgado pelo J. P. Morgan Chase dá conta que depósitos móveis de cheques (transmissão remota de imagem – tecnologia em implantação no Brasil) custavam ao banco US$ 0,03 por transação, comparado com US$ 0,65 para depósitos feitos na agência. (“Aplicativos são nova arma dos bancos para manter clientes” – The Wall Street Journal , edição de 11/04/2014 – link).
Por aqui, igualmente, temos de seguir apertando os passos em relação ao virtualismo bancário. Contudo, paradoxalmente, ainda carecemos de uma rede de varejo mais densa (agências, correspondentes e ATMs), notadamente no que se refere ao atendimento cooperativo. Assim, para o relacionamento operacional com os associados, as duas frentes – rede de dependências e canais de autosserviço – devem andar juntas e merecer ênfase, uma vez que, no todo, a despeito dos avanços já computados, ainda estamos consideravelmente “distantes” de nosso público-alvo (atual e potencial).
No que se refere, em particular, aos ATMs, espera-se que o Banco Central do Brasil, rapidamente, logre êxito em seus esforços junto aos interlocutores da indústria financeira para integrar os equipamentos de todos os agentes (cooperativas e bancos comerciais), de modo que possam ser reciprocamente utilizados em qualquer canto do país pelos associados e clientes dessas instituições. O ganho de escala na oferta e utilização da rede, combinado com a eliminação de estruturas de manutenção individualizadas, além de aumentar a eficiência operacional das entidades, permitirá reduzir os custos para os usuários finais.
Sobre o perfil das dependências (“agências”) das cooperativas, a exemplo do que vem ocorrendo em alguns estabelecimentos da rede financeira em certas partes do mundo, e até mesmo no Brasil, poderiam, com o tempo, ser redimensionadas, passando, de um lado, a contemplar área customizada para abordagens comerciais (“balcão de negócios”) e, de outro, para atividades livres (mas identificadas, de alguma forma, com a cooperação) de interesse dos associados e do público em geral. Aliás, no meio cooperativo já há pelo menos uma experiência pontual dentro do último conceito. A iniciativa, batizada de “espaço cooperativo”, consiste na oferta de ambiente aos cooperados e à comunidade em geral para o desenvolvimento de projetos e ações sócio-educativo-culturais.
Com relação, ainda, aos canais virtuais, é desejável que as cooperativas invistam na “preparação” dos associados que ainda não despertaram para as facilidades e a importância do mundo tecnológico. Entre as medidas, a título de exemplo, está a oferta de treinamentos (inclusive com o emprego de recursos do Fates) sobre o uso de computadores e dispositivos móveis e a navegação pelo (magnífico) universo virtual. Paralelamente a esse movimento, poder-se-ia, também, considerar a possibilidade do financiamento de equipamentos e smartphones, com taxas de juros diferenciadas…
Ação nessa linha, além de aumentar o grau de satisfação, gerar gratidão nos beneficiários (que terão acesso à informação diversificada e atualizada, pelo mundo; diversão; novos amigos etc) e, assim, contribuir para a sua fidelização, pode ser um meio de atrair associados dentro do universo de pessoas ainda não familiarizadas com a realidade digital.
Por fim, para que não haja uma leitura no sentido da desimportância da mobilização física dos associados, (re)afirma-se, aqui, a necessidade do relacionamento social direto com os donos das cooperativas, mas fora das filas dos caixas.
Com efeito, da mesma forma que é indispensável acentuar a oferta de facilitadores transacionais/operacionais remotos, também é fundamental para a sustentabilidade do empreendimento cooperativo a criação e o aperfeiçoamento de fóruns regulares e institucionalizados de contato pessoal nas entidades. Daí que, sem que nas sugestões se esgotem as alternativas, é de todo conveniente estimular a formação e a ampliação de núcleos, comitês sociais e outros formatos de agrupamento de associados, e também instituir e densificar as pré-assembleias, vias pelas quais a administração efetivamente vai ao encontro dos donos das cooperativas, promovendo o diálogo, estimulando a participação e, assim, dando vida ao princípio universal da gestão democrática.
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Ênio Meinen é advogado, pós-graduado em direito (FGV/RJ) e em gestão estratégica de pessoas (UFRGS), e autor/coautor de vários artigos e livros sobre cooperativismo financeiro – área na qual atua há 30 anos -, entre eles “O cooperativismo de crédito ontem, hoje e amanhã”. Atualmente, é diretor de operações do Banco Cooperativo do Brasil (Bancoob).
Um dos grandes desafios das Cooperativas Financeiras é posicionar-se com foco no público jovem. Vejo que o Sicredi já vem atuando neste sentido há uns 2 anos e este é o caminho a ser seguido pelos demais Sistemas!