Perca uma migalha da reputação da firma, e eu serei impiedoso”. (Warren E. Buffett, investidor)
Fora do Brasil, notadamente nos Estados Unidos e na Europa, as grandes preocupações da indústria bancária começam pela reconquista da confiança perdida em razão da crise financeira que eclodiu em 15 de setembro de 2008 (originada em meados de 2007 no mercado hipotecário norte-americano de alto risco, mais conhecido com subprime), pelo aperfeiçoamento da regulação do setor (em decorrência da própria crise) e avançam na direção da busca por novos clientes, campo em que terão de disputar espaço com entrantes não convencionais.
Por aqui, os desafios principais transitam ao largo dos dois primeiros temas, vez que o incidente que abalou a banca internacional não contagiou – ou muito pouco afetou – o sistema financeiro local, naquele momento já muito bem regulamentado e adequadamente supervisionado, e que não vinha apostando em ativos de mesma precariedade.
A atenção com os agentes heterodoxos que estão ingressando no mercado de serviços financeiros (considerada a principal ameaça à prática bancária tradicional), contudo, está na pauta, a cuja ordem do dia deve-se acrescentar, ainda, como meta doméstica, a busca por uma maior eficiência operacional, visto que nesse quesito, no geral, as IFs brasileiras – cooperativas, entre elas – estão bastante aquém das congêneres norte-americanas, europeias e, especialmente, asiáticas (conforme dados do BIS – banco central dos bancos centrais).
Além de lidar com essas macroquestões, conforme pesquisa – no formato de entrevistas – realizada pela PricewaterhouseCoopers – PwC (La banca’retail’en 2020,¿Evolución o revolución? – www.pwc.es/…/banca-retail-2020-resumen-ejecutivo) junto a 560 dirigentes de entidades financeiras em 17 países diferentes, o sistema financeiro ao redor do mundo terá de adaptar-se a algumas grandes mudanças nos próximos anos, com destaque para:
1) A revisão do seu modelo de negócios, substituindo o foco no produto pelo relacionamento com o cliente/usuário.
Atualmente, as instituições financeiras, incluindo – com exceções pontuais – as cooperativas, conhecem apenas superficialmente o seu público, ao passo que o portfólio de produtos e serviços se mostra bastante completo. Os modelos de relacionamento terão de ser aprimorados de modo a permitirem um domínio mais aprofundado sobre o perfil e os hábitos de consumo dos usuários. Nesse particular, as cooperativas largam em vantagem, podendo antecipar-se nas correspondentes ações, pois estão bem mais próximas dos seus cooperados do que os bancos dos seus clientes.
2) A simplificação dos modelos operativos e a otimização das redes de distribuição.
No formato de hoje, as dependências físicas ainda são a referência no contato com os usuários. Logo mais (a rigor, isso já vem ocorrendo…), entretanto, assumirá grande relevância o conceito de instituição financeira direta, em que o autosserviço deixará margem bem menor para o atendimento convencional.
Em tal cenário, além da intensificação dos investimentos nos canais digitais, vislumbra-se a necessidade de alianças com redes de varejo não financeiras e uma reformulação dos espaços físicos dos bancos e das cooperativas financeiras (essa tendência é explorada mais detidamente em outro artigo, publicado sob o título “O cooperativismo financeiro e os canais de (auto)atendimento” –www.cooperativismodecrédito.coop.br).
3) A informação como vantagem competitiva.
As instituições capazes de rapidamente integrar as bases de dados e informações de suas diferentes áreas – comercial, operacional, riscos, financeira etc. –, e explorá-las no relacionamento com os usuários, tenderão a ser as vencedoras, antecipando-se na conquista de mercado.
4) O impulso à inovação.
A dinâmica imposta pela mudança de hábitos e práticas dos usuários, impulsionada pelo avassalador progresso tecnológico, exigirá dos bancos – e das cooperativas também – constante renovação de seu “cardápio” e contínua reinvenção de seus processos. As instituições mais atentas e dispostas e adaptar-se com maior celeridade, amparadas em orçamentos aderentes aos investimentos reivindicados, manter-se-ão na dianteira.
5) A gestão mais proativa dos riscos, do capital e da regulação.
Diferente de antes da crise, quando a preocupação com este aspecto não se situava entre as mais imediatas das organizações – notadamente fora do Brasil, em que o setor era submetido a baixo grau de regulamentação -, doravante a cautela terá de ser redobrada, já que os modelos regulatórios vêm avançando em densidade e complexidade, e os órgãos de supervisão tenderão a ser menos flexíveis.
Nesse novo ambiente, em tom de proatividade, boas práticas de gestão, que ponderem adequada e tempestivamente os riscos das estratégias operacionais, haverão de constituir a tônica. O horizonte, portanto, aponta para algo mais consistente, algo verdadeiro e coerente a longo prazo, prudência que desde sempre integra o próprio DNA do cooperativismo financeiro.
A lógica da insustentabilidade de ganhos baseados em ativos sem lastros sólidos, portanto, deverá sensibilizar os administradores e os próprios acionistas. Com isso, a reputação se restabelecerá e os investidores e usuários em geral voltarão a confiar no sistema. Ganharão todos!
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Ênio Meinen é advogado, pós-graduado em direito (FGV/RJ) e em gestão estratégica de pessoas (UFRGS), e autor/coautor de vários artigos e livros sobre cooperativismo financeiro – área na qual atua há 30 anos -, entre eles “O cooperativismo de crédito ontem, hoje e amanhã”. Atualmente, é diretor de operações do Banco Cooperativo do Brasil (Bancoob).
Ótimo artigo, parabéns Ênio Meinen!
Com certeza a essência do cooperativismo faz a diferença para que este nosso mercado cresça mais e mais!
Prezados, concordo em parte com o Mestre Ênio Meinen, mas uma das grandes questões é não perdermos nossa “essência” associativista, maior atenção ao cooperado (dono do negócio) e esta sim é uma das maiores vantagem competitiva. Fraterno abraço
As Cooperativas estão na frente sim no que diz respeito ao apoio diferenciado aos clientes ,motivo pelo qual as instituições bancárias perdem clientes,pois só visam o lucro e não se preocupam com o cliente.
Espero que as Cooperativas não deixem de apoiar os cooperados pois se fizerem isso perderão o que demorou décadas para construir.