No período de 06 a 09 de outubro, na companhia de cerca de cem representantes brasileiros, participamos da 2ª Cúpula Mundial do Cooperativismo na cidade de Quebec, Canadá, província pioneira das instituições financeiras cooperativas em toda a América.
Trata-se do maior certame envolvendo o setor cooperativo em todo o mundo, tendo mobilizado nesta edição mais de 3.000 participantes, vindos de 93 países de todos os continentes.
Ao todo foram 59 expositores, defendendo inúmeros temas. Um dos painéis foi dedicado ao debate sobre os principais problemas e desafios do movimento mutualista latino-americano.
Em nossa percepção, conforme sustentação que fizemos no painel, os 10 principais problemas (e também desafios) referem-se a(o):
1º) Ausência de um marco regulatório adequado, com flexibilidade societária e operacional (exceto no Brasil, onde o cooperativismo financeiro está presente na Constituição Federal, é regulado por lei própria e conta com farta regulamentação infralegal. Além disso, o setor dispõe de fundo garantidor para os créditos/investimentos dos associados).
2º) Envelhecimento do quadro de cooperados.
3º) Falta de estímulos/criatividade para atrair jovens.
4º) Portfólio de produtos e serviços incompleto ou pouco acionado (cooperativas muito passivas).
5º) Infidelidade operacional dos sócios (no Brasil, cerca de 50% dos cooperados operam paralelamente com bancos).
6º) Baixa escala (existência cooperativas muito pequenas e sem perspectivas) e resistência às oportunidades de incorporação (união de cooperativas, tanto de 1º como de 2º níveis).
7º) Aproveitamento apenas parcial das estruturas de 2º e 3º níveis, combinado com paralelismo de componentes organizacionais (sobreposição de atividades) entre os vários níveis.
8º) Baixa colaboração entre os diferentes subsistemas ou redes de cooperativas.
9º) Reduzido domínio/conhecimento (por parte dos líderes, colaboradores, associados, poder público e sociedade em geral) sobre os diferenciais e as vantagens do cooperativismo financeiro (em todos os aspectos: filosóficos, societários e econômico-financeiros).
10) Deficiências na governança, em especial: I) reduzida participação dos associados na vida da cooperativa (comitês, reuniões, pré-assembleias, assembleias e outros); II) associados pouco ou mal representados nos órgãos de governança (ausência do sentimento de pertencimento) e III) inexistência de processo sucessório nas diferentes entidades e nos vários níveis hierárquicos (estratégicos e executivos).
Além desses aspectos, também secundados por outros representantes na ocasião, houve referência:
- ao tratamento do capital como passivo (e não como componente do patrimônio líquido para fins de limites operacionais/regulamentares), preocupação essa bastante recorrente nas manifestações;
- à ausência de uma marca comum para as redes nacionais de cooperativas;
- à baixa integração vertical entre as cooperativas das diferentes redes nacionais;
- à relevância/oportunidade de atração das mulheres para o movimento cooperativo;
- à perda da identidade cooperativa;
- à falta de fundo para a proteção de créditos dos associados (o equivalente ao FGCoop brasileiro);
- ao isomorfismo organizacional;
- à reduzida aplicação (na prática) do princípio da intercooperação e à necessidade de inserção do ensino sobre o cooperativismo nas escolas e na academia.
Como percepção geral, mesmo que possa – e deva – evoluir em vários temas, o cooperativismo financeiro brasileiro, pelo ambiente (externo e interno) que lhe é de todo favorável, mantém-na na dianteira do setor entre a Argentina e o México.
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Ênio Meinen é advogado, pós-graduado em direito (FGV/RJ) e em gestão estratégica de pessoas (UFRGS) e autor/coautor de vários livros sobre cooperativismo financeiro – área na qual milita há mais 30 anos -, entre eles “Cooperativismo financeiro: percurso histórico, perspectivas e desafios”. Atualmente, é diretor de operações do Banco Cooperativo do Brasil (Bancoob).
Caro Ênio,
Lí o livro e achei pontual e clara a abordagem dos desafios. Além dos problemas citados, entendo que os dirigentes precisam ter uma visão macro do negócio, atuando como lideres das cooperativas de base, devendo, ainda, haver maior alternância nessa governança.
Caro Ênio! Muito reflexivo, como sempre.
Penso que no cooperativismo financeiro, precisamos aplicar todos os ensinamentos do artigo acima.
Mas nossa participação na comunidade me parece ser o instrumento que nos dá credibilidade, respeito e, consequentemente, desenvolvimento.
Caro Ênio. Considero a fraca intercooperação e a elevada infidelidade dos associados como os maiores problemas a serem enfrentados. Porém, faltou citar um problema tão grave quanto estes e os demais: enquanto os dirigentes das nossas cooperativas de crédito tiverem como meta quantidade de associados e não a sua qualidade, esses problemas continuarão. Tenho visto maior atenção na busca de novos associados do que no relacionamento e atendimento aos associados antigos. Na minha avaliação, trata-se de falta de visão estratégica.
Caro Ênio.
Se percebes todas estas características no setor financeiro, imagine nos outros ramos do cooperativismo.