Como um dos temas cruciais da sofisticação do marco regulamentar do cooperativismo financeiro, a proposta de ampliação do escopo da auditoria especializada nesse setor, através das chamadas entidades de auditoria cooperativa (EAC), vem concentrando os debates.
De um lado, o corpo técnico e as lideranças do setor cooperativo – sob a coordenação do Conselho Consultivo de Crédito da OCB (Ceco) -, em interlocução com o Banco Central do Brasil, sustentam a necessidade de aprimoramento do modelo vigente, buscando racionalização, segurança, especialização e, também, maior independência no âmbito da inspeção direta (ou supervisão do funcionamento, como precisamente alude a Resolução nº 3.859, em seu art.22), mantendo-se a faculdade de contratar das EACs (ex. CNAC) os serviços de auditoria externa.
De outro, entidades de representação da classe dos contadores e auditores, em especial, proclamam pela inadequação do pretendido modelo quanto à verificação das demonstrações contábeis/financeiras (auditoria externa), sob o argumento principal da falta de autonomia das EACs e de seus profissionais.
Antes de tudo há que se ressaltar que a medida em discussão, tal como veiculada nas consultas públicas (CP) 47/14 e 48/14, não impedirá que as cooperativas, se a elas parecer conveniente, continuem contratando empresas não-cooperativas para a prestação dos serviços de auditoria externa. Por isso mesmo não se pode cogitar, aqui, de reserva de mercado, situação que – aí sim – se configuraria caso o setor cooperativo não mais pudesse eleger solução especializada no segmento (ou, por outra, tomar livremente as suas decisões). Nesse particular, portanto, nenhuma novidade, porquanto a CNAC já atende a um conjunto representativo de entidades cooperativas país a fora.
O objetivo nuclear da iniciativa, via extensão de escopo da EAC, é deslocar para entidade(s) cooperativa(s) de terceiro nível parte substancial da supervisão auxiliar, representada pelas atividades de inspeção direta (que envolvem avaliação do sistema de controles internos, da governança, da gestão de riscos etc), de modo a ampliar a qualidade de tal serviço e assegurar maior independência na sua execução. Ou seja, estão-se escalando competências dentro do próprio setor, com ênfase à autonomia (pela desvinculação societária imediata) e à especialização.
Adicionalmente, considerando que todas as cooperativas estão atualmente vinculadas ao FCGoop – Fundo Garantidor do Cooperativismo de Crédito, impõe-se uma maior uniformidade no serviço de supervisão auxiliar através da aplicação de um padrão mínimo que dê mais segurança e diminua o risco de cobertura de depósitos ao conjunto das entidades contribuintes, e também respalde a tomada de decisão sobre futuras (eventuais) operações de assistência financeira.
Como terceiro e último propósito, já considerando a (facultativa) concentração na EAC (cooperativa de terceiro grau) dos serviços de auditoria externa e da inspeção indireta, estima-se uma maior racionalidade e, por consequência, economia na combinação/integração das duas atividades, uma vez que em alguma medida o escopo da auditoria externa engloba rotinas próprias da auditoria interna (ex. sistema de controles internos). É dizer que a cooperativa não precisará pagar duas vezes pelo mesmo serviço ou por uma parte do serviço que atualmente vem sendo executado nos dois níveis.
A alegada falta de independência da auditoria externa especializada no setor cooperativo financeiro, item central da tese que se opõe ao pretendido avanço, não se sustenta, haja vista o histórico dos trabalhos já entregues pela EAC existente (CNAC). Há, com efeito, absoluto conforto dos donos dos empreendimentos cooperativos auditados (maiores interessados), que julgam ter a empresa profundo conhecimento sobre a situação patrimonial, as variáveis econômico-financeiras e o fluxo de caixa das instituições financeiras cooperativas, agindo com total autonomia e prestando um serviço de excelência.
Ainda com relação ao fator independência, convém realçar que a proposta regulamentar objeto da CP 48/14 traz cuidados especiais a esse respeito visando a assegurar autonomia operacional plena para as EACs, de modo a posicioná-las no mesmo patamar das firmas tradicionais de auditoria que atuam o Brasil.
Não há, também, qualquer impropriedade de a matéria ser disciplinada pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), que tem a sua competência regulamentar assentada na Lei Complementar (LC) 130, de 2009, mais precisamente no art. 12, V e VI. Ainda nessa dimensão, vale lembrar que o Decreto-Lei nº 9.295/46 e a Lei nº 6.839/90, que regulam o exercício da profissão contábil e o registro de empresas prestadoras de serviços nessa área, não especificam o tipo societário a exercer a auditoria independente, nem vedam, nesse âmbito, a ação do CMN em relação às instituições financeiras. Portanto, a iniciativa se reveste de plena legalidade.
Ademais, essa medida encontra total ressonância na Constituição Federal, que em seu art. 174, §2º, manda a lei (em seu amplo significado) estimular e apoiar o cooperativismo, facultando-se ao ramo financeiro, na forma dos arts. 14 e 15 da LC 130/2009 (expediente-âncora da estrutura jurídica do setor), verticalizar os serviços de interesse comum em entidades cooperativas de segundo e, caso presente, terceiro nível. Por fim, ao incorporar o 4º princípio universal do movimento cooperativo, o inciso XVIII do art. 5º da Constituição faz ver que as cooperativas são entidades autogestionárias, que operam com autonomia e independência, podendo – por seus donos e seus representantes – fazer as suas próprias escolhas no campo da gestão, inclusive quanto ao melhor modelo de auditoria. É dizer que a vontade do cooperado deve prevalecer sobre quaisquer outros interesses, notadamente de cunho corporativo.
Em síntese, não há dúvida de que a reunião, numa mesma entidade especializada, das atividades de supervisão auxiliar e verificação da integridade das demonstrações contábeis tornará mais eficiente e consistente o processo de auditoria no cooperativismo financeiro, qualificando a governança do setor, além de induzir uma maior integração e unidade do movimento.
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Ênio Meinen é advogado, pós-graduado em direito da empresa e da economia (FGV), em advocacia empresarial em ambiente globalizado (Unisinos/RS) e em gestão estratégica de pessoas (UFRGS), e autor/coautor de vários artigos e livros sobre cooperativismo financeiro – área na qual milita há 31 anos -, entre eles a obra “Cooperativismo financeiro: percurso histórico, perspectivas e desafios”.
Maior segurança, transparência, autonomia para os auditories e padronização e bonsresultados.Resumindo: Sucesso
Concentrar auditoria interna e externa em uma mesma empresa não contraria o princípio de controle interno da segregação de função.
Isto é uma clara reserva de mercado e uma afronta à livre concorrência. Uma entidade auditar ela mesma extrapola o limite do bom senso e viola diversas normas e regras existentes. É por isto que o CFC e o Ibracon já fizeram um manifesto com mais de 100 itens contra esta ideia.
Precisamos fazer com que pessoas entendam que cooperativa financeira é coisa séria. Penso que são mais sérias do que outras instituições autorizadas pelo Bacen, visto que o Dirigente administra seus bens e de uma infinidade de associados…. para que fazer coisa errada.
Pena que no Brasil temos dificuldade de admitir que alguem seja sério.
Se a moda pegar, quem sabe os bancos, financeiras, seguradoras e outras empresas de diversos ramos, também irão criar suas próprias entidades de auditoria externa, ou seja, para quê independência! o mercado será auditado por ele mesmo. viva o Brasil.
O modelo proposto pelo Bacen guarda estreita relação com o modelo de auditoria adotado na Alemanha onde todas as cooperativas do país (não apenas as de crédito/financeiras) estão sujeitas ao mesmo modelo de auditoria. Segundo representantes do setor alemão, este é um dos fatores de sucesso naquele país. Da mesma forma, no Brasil, estando todas as cooperativas participando do mesmo fundo garantidor (FGCoop) é necessária a garantia de que todas serão auditadas observando o mesmo escopo de trabalho sendo as EACs uma das melhores formas de se conseguir a desejada segurança para o setor.
Em tempo: em se tratando de autonomia e independência (e também em conhecimento do setor), qual o modelo de auditoria que permite total autonomia dos auditores?
1) Aquele em que a empresa de auditoria (muitas vezes sediada na mesma cidade/região da cooperativa) é contratada diretamente pelos administradores da cooperativa? Destaque para o fato de que neste modelo a empresa de auditoria não é especializada em instituições financeiras (sejam elas cooperativas ou não);
2) Aquele em que a empresa de auditoria (em forma de EAC) segue um padrão mínimo de auditoria e o adota para todo o setor, com especialização em instituições financeiras cooperativas?
Com esta rápida análise é possível deduzir que o modelo das EACs trará ao setor maior segurança, transparência, autonomia para os auditories e padronização.