O frequente caráter informal das atividades dos microempreendedores é apontada como uma das principais razões para a sua exclusão do crédito bancário. As conhecidas imprecisões e debilidades do conceito “setor informal” desaconselham a sua utilização como instrumento analítico em uma operação de microcrédito.
Com efeito, fosse a informalidade a barreira fundamental para o acesso ao crédito por parte dos empreendimentos informais, a falta de registros contábeis formais poderia ser contornada por uma análise cuidadosa de seu fluxo de caixa. Porém, como sabemos, uma grande quantidade de microempresas formais também não tem acesso ao crédito bancário. A formalização é um importante passo para a consolidação e fortalecimento do micronegócio, mas ela sozinha pouco contribui para uma redução substantiva da assimetria de informações entre o micro empreendimento e o agente financeiro.
Para além do binômio formalidade/informalidade, uma análise da clientela potencial das microfinanças – micro negócios formais e informais – deve ter como referência a “economia familiar”.
Desenvolvido inicialmente pelo economista Alexander Chayanov para a análise da pequena produção na agricultura, o conceito oferece uma sólida alternativa teórica às imprecisões e dificuldades metodológicas inerentes ao conceito “setor informal”, ao permitir uma percepção da complexa interdependência e entrelaçamento dos fluxos monetários entre firma e família, entre produção e reprodução, investimento, consumo e poupança.
Nesta unidade socioeconômica a família (consumo) e o negócio (investimento) concorrem pelos mesmos e escassos recursos. Por não existir uma clara separação entre o caixa da família e o do negócio, é praticamente impossível uma distinção precisa das origens dos fluxos de renda (lucro do negócio, eventuais salários, aposentadorias e benefícios percebidos pelos membros da família) e sua utilização em forma de investimento ou consumo.
Por essa razão, a análise de risco de uma solicitação de crédito de um micro negócio deve considerar os diversos laços financeiros e de reciprocidade – também inter-geracionais – de seus membros.
A falta de separação entre o caixa do negócio e o da família faz que haja uma permanente concorrência pelos mesmos recursos, os quais, em geral, são suficientes apenas para cobrir as necessidades básicas da família e garantir a existência do negócio. Nessa disputa pelos recursos comuns, o enorme déficit de consumo familiar faz que a reprodução (o consumo) tenha prioridade em relação à produção (o investimento). Ou seja, o caixa comum permite que o lucro da firma seja utilizado para financiar as necessidades de consumo da família. Essa relação se inverte quando prejuízos da firma são compensados por meio de uma redução do consumo familiar.
Essa capacidade de sobrevivência, permite que o micro negócio sobreviva em conjunturas bastante adversas, mantendo-se por períodos relativamente longos caso a força de trabalho familiar não encontre fontes alternativas de renda, pois, ao contrário de uma firma tradicional em uma economia familiar, a força de trabalho não representa um custo variável, mas sim fixo.
A partir dessa perspectiva, os conceitos de renda, consumo, poupança, investimento e trabalho assalariado adquirem uma complexidade e uma ambiguidade inexistentes nas análises microeconômicas tradicionais.
A incapacidade do crédito bancário tradicional de atuar com microcrédito em larga escala é frequentemente atribuída a informalidade (e dos problemas informacionais dela resultante) da demanda nesse segmento de mercado.
Uma diminuição considerável da assimetria de informação passa pela superação da dicotomia formal-informal por meio de uma análise que tenha como centro a unidade socioeconômica “economia familiar”. Soluções criativas capazes de substituir a falta de garantias tradicionais também podem ser encontradas no âmbito da economia familiar e de suas relações socioeconômicas.