Eu sou do tempo que “afrouxar a gravata” era uma expressão comum entre nós, gestores de agências. Ela refletia a nossa “esperteza” de só buscar atingir as metas dos itens que a direção definia, e os demais itens ficavam “esquecidos”, esperando eventualmente metas futuras que os fizessem reviver. Nós sabíamos que as metas dos próximos períodos teriam como base o saldo realizado, então, tratávamos de ficar bem posicionados no ranking, mas sem exageros para não chamar a atenção dos diretores e assim facilitar o atingimento das próximas metas. Entretanto se desejássemos uma grande promoção ou transferência para uma agência maior ou para a sede, bastaria que fizéssemos bem feito o “óbvio” sobre a base de clientes para que fôssemos rotulados como “super-vendedores” pelo atingimento muito acima da meta. Deixando para o gerente que nos iria substituir um campo devastado frente as suas metas, já que a base de clientes estaria saturada.
Essa introdução nos explicita que a prática diária de uma agência contém nuances desconhecidas de alguns dos profissionais responsáveis pelas metas. Assim sendo, muito dos esforços comerciais das unidades seguem rituais muito mais “sutis” do que se pode desvendar em uma planilha Excel ou através de inferências econômicas e sistêmicas, ou até mesmo nos modismos acadêmicos. Isso nos permite induzir que ainda há um imenso vale entre a prática comercial desejada de uma agência e as definições de metas comerciais definidas de forma previsível e tradicional.
Ponto de atenção: Essa introdução nos permite apresentar um tema que poderia ser melhor conduzido em nossas Singulares, em especial naquelas que há anos utiliza uma dita “coerente” lógica que define o DI (Depósito Interbancário) para repasse de excesso de liquidez interagências. De tal sorte que este custo será pago pelas agências que tenham uma carteira de empréstimos superior à sua geração de funding (dinheiro para emprestar), pelo valor que irá complementar sua carência de captação. Ocorre que esta aparente coerência traz inúmeras distorções, mas visando termos um artigo focado e didático iremos nos concentrar em apenas uma delas. Vamos a ela.
Tradicional cenário: Imaginemos que você é o gerente de uma agência que por inúmeros fatores tem dificuldade em captar, mas tem enorme facilidade em conceder empréstimos, ou que esta foi a sua estratégia para viabilizar sua liderança e rentabilizar a unidade. Na prática, por que despenderia esforços em captar em um percentual próximo do DI (ou 100%), se pode ter uma fonte quase “inesgotável” na sua Singular, sem os inoportunos resgates e sem os custos e dispêndio de tempo, mas com um custo global final igual ou até menor do que teria captando na sua própria agência?
O início da resposta: Sabemos que a resposta se inicia com a constatação de que captar é um processo caro, lento, complexo e que requer um alinhamento de inúmeros fatores, sendo que muitos destes não estão à disposição dos gerentes da unidade. Algo explicado em nosso artigo de 2012: “Onde mora a fraca captação no Cooperativismo de Crédito?”. Entre tantas reflexões ele pondera que não há praça tomadora ou investidora, mas fomos nós que chegamos atrasados na praça ou historicamente cometemos algum outro tipo de deslize que nos tornou frágil naquela sociedade, no tocante ao posicionamento desejado de nossa marca. A resposta continua com o fato de que captar bem, de forma contínua e barata é um enorme desafio, além de exigir um comportamento sênior do quadro da unidade frente à sociedade e a seus doadores de recursos.
Contudo, por mais inusitado que possa parecer, não deve ficar fora dessa resposta o fato racional de que “comprar” funding da Singular é algo muito inteligente, já que tem custos financeiros desprezíveis para o resultado da agência, quando comparado a captação tradicional em Depósito a Prazo. Além do que, a isso se agrega o argumento de que não haverá o custo operacional e o dispêndio de tempo dedicado à captação e ao resgate; e que a agência pode pagar menos para quem a procura para aplicar, já que esta captação não lhe “interessa”. Neste cenário haverá pouca atenção comercial à carteira atual e futura de aplicadores, já que a força de venda está focada na venda de crédito massificado, pois estes potencializam elevadíssimos retornos e posições no ranking da Singular. Realmente o final da resposta contida neste parágrafo demonstra que há algo estranho nesse cenário e que merece uma enorme reflexão de nossa parte! Mas o que ocorreria se este custo ficasse mais salgado, sem ser proibitivo? Certamente algo mudaria, e para melhor!
Foco na carteira de crédito: Se a agência focar fortemente em sua carteira de crédito, diretamente “venderá” uma enormidade de outras soluções de baixa atratividade como: seguro prestamistas, pacotes de serviços, integralizações, multas e moras, adiantamento a depositantes, saldo médio em C/C etc., conforme tratado no artigo de 2013: “Crédito vende Serviços”. Assim, a agência que foca em crédito potencializa um resultado muito superior daquela que tem uma generosa carteira de Depósito a Prazo, pois isso que lhe permite gerar todo o funding necessário para atender as suas demandas creditícias, não precisando “comprar” recursos interagências da sede. Isso sem considerar que, historicamente, a agência com maior geração de funding é a anexa a sede ou outra que, por circunstância específica, tenha uma concentração ou tradição de ter forte captação ou ainda que, por opção comercial, tenham uma fraca demanda por crédito em sua carteira de clientes.
É ruim ser uma agência doadora de recursos: Vê-se, então, que o simples repasse de recursos interagências a um custo pífio (DI) incentiva a não dispender esforços comerciais na árdua luta de conquistar as mentes e os bolsos dos raros e desconfiados detentores de recursos que podem vir a compor a carteira de Depósito a Prazo de cada agência, os quais já estão muito bem atendidos nos bancos onde decidiram concentrar suas aplicações. Por outro lado, a agência que “vende” recursos interagências não tem nenhum ganho expressivo que justifique este diferencial, pois paga algo muito próximo do que ganha na transação interagências, sem ter retorno de seus custos administrativos e do tempo da força de venda. Por fim, devemos ter ciência de que não é por que estamos captando muito que somos muito bons nisso. Isso pode cada vez mais estar ocorrendo por estarmos ano após ano dando generosos prêmios aos investidores na AGO, ou até mesmo por nossos concorrentes estarem saindo de nosso mercado (ex: HSBC), além de outras tantas motivações externas a nosso raio de ação como a pujança do agronegócio nestes últimos tempos.
Importantíssimo: O conceito do custo do repasse do funding interagências, internaliza uma razoável coerência comercial, mas deve ser revisto com forte base nos aspectos discretos e impactantes que afetam o tema, em especial quanto ao custo real do dinheiro que se empresta ou aplica-se na centralizadora. Hoje, seu critério “simplificado” e “contábil” traz descompassos que induzem equivocadamente nossos líderes a leituras e decisões desalinhadas, estas gradualmente internalizadas como verdades pela sua força de venda.
Outras reflexões: Neste artigo já há reflexões que suscitariam ponderar a revisão da forma como calculamos o custo do nosso funding. A seguir, sem esgotar o tema, veremos outras reflexões:
• Os custos ocorridos na AGO quando debitados a Singular e creditados a milhares de sócios em função de seus saldos médios em Depósito a Vista e a Prazo devem ser computados no custo do funding da Singular. E, portanto, devem impactar o custo do funding de venda interagências;
• Sabemos que o funding da Singular é composto de vários itens como Capital Social, Reservas, “Fundos de Expansão”, Fates etc., sobre os quais as Agências não têm poder de decisão, e que podem reduzir drasticamente o custo final do dinheiro a emprestar;
• Em um cenário de mediana estabilidade econômica, como verificaremos, muitos dos recursos em Depósito a Prazo serão naturalmente resgatados, haja vista que seus detentores desejam voltar a aplicá-los em suas áreas comerciais de afinidade, acarretando perda de funding;
• A queda da Selic fará com que as aplicações em Depósito a Prazo percam gradualmente sua atratividade, conceitualmente reduzindo o custo do funding, mas impactando na sua geração;
• O dito “grande” excesso de liquidez pode em breve vir a ser muito frágil, ainda mais se precisarmos elevar nossa carteira de crédito. Aqui ressaltando que é complexo voltar a buscar bom funding no mercado, se esta não é a cultura da agência ou se não for a sua prática rotineira;
• Ainda é incipiente a notoriedade comercial dada ao Depósito a Vista, e ele é um enorme sinalizador de aderência, redutor de riscos etc., além de um funding razoavelmente barato…
Reflexões finais: O custo do funding é muito mais complexo do que vemos em planilhas repassadas entre nós. Diante de um cenário mais agressivo e inóspito, é prudente reconhecermos TODOS os detalhes relativos ao custo de nossa matéria prima, incluindo aqueles ainda não explícitos, bem como ponderar se é prudente mantermos o uso do modelo atual de custos como um balizador comercial, em especial seu uso na política de custo de repasses interagências.
A manutenção de uma análise superficial do custo do funding potencializa na força de venda um exagerado foco em números brutos vindos de produtos rentáveis, gerando análises distorcidas das metas comerciais e deixando sem brilho as soluções de aderência que alicerçam nossa longevidade.
Seria oportuno não mais premiarmos aqueles que “afrouxam a gravata”.
Concordar é secundário. Refletir é urgente
Muitas destas reflexões serão debatidas em nosso: 3º Workshop de Planejamento Estratégico e Metas com Foco em Competitividade. 24 e 25/10/2016 – Belo Horizonte. Solicite informações!
Ricardo Coelho – Consultoria e Treinamento Comercial para o Cooperativismo de Crédito
41-3569-0466 – Postado 16/10/2016 – www.ricardocoelhoconsult.com.br