A organização sistêmica, com elevado grau de cooperação entre cooperativas de crédito, é chave de sucesso de alguns dos mais bem sucedidos sistemas cooperativos do mundo.
Em dois países em particular, França e Holanda, cuja participação das cooperativas de crédito no sistema financeira atinge percentuais excepcionalmente elevados, constata-se, também, um pacto entre gerações passadas e gerações futuras, com as primeiras renunciando vantagens presentes em benefício daqueles que ainda estão por vir.
Explico: nesses países as sobras eventualmente auferidas pelas cooperativas de crédito são integralmente destinadas às reservas, o que fortalece sobremaneira essas instituições e possibilita que as gerações futuras gozem dos benefícios de cooperativas muito mais robustas, ofertando serviços melhores em condições mais benéficas. Creio se tratar, tal renúncia, do mais elevado grau de cooperação altruística, do associado que abre mão de receber suas sobras hoje mirando a cooperativa que irá legar aos seus netos.
Atualmente o sistema cooperativa de crédito brasileiro é mais fragmentado que o desejável, com quatro sistemas organizados em três níveis, outros cinco sistemas organizados em dois níveis, além de cerca de duas centenas de cooperativas independentes, número que tem flutuado, em razão de filiações, desfiliações e liquidações ordinárias.
Não é necessário se detalhar os ganhos de escala decorrentes de uma organização sistêmica em grau mais elevado. É evidente!
Para se citar um exemplo, o desenvolvimento de um sistema de mobile phone pode custar alguns milhões de reais. Não há diferença no custo do desenvolvimento desse aplicativo se ele for usado por apenas uma cooperativa, um sistema de cooperativas ou todas as mais de mil cooperativas de crédito brasileiras. A diferença é o preço que cada associado pagará. Se for desenvolvido por um sistema com duzentos mil associados, seu custo será dividido por duzentos mil. Se for desenvolvido para todo o Sistema Nacional de Crédito Cooperativo, seu custo será dividido por oito milhões.
Cooperar é lógico, racional, sensato e, sobretudo, mais barato! A organização sistêmica é tão importante que um dos princípios do cooperativismo é integralmente dedicado à ela, o sexto princípio, da intercooperação:
6º – Intercooperação – as cooperativas servem de forma mais eficaz aos seus membros e dão mais – força ao movimento cooperativo, trabalhando em conjunto, através das estruturas locais, regionais, nacionais e internacionais.
Quando ao destino das sobras, grande parte das cooperativas de crédito brasileira tem o costume de destinar para as reservas apenas o mínimo legal obrigatório, ou um pouco mais, devolvendo aos associados parte em espécie e boa parte em novas quotas-partes. Aparentemente tal prática, de se capitalizar as sobras, poderia parecer boa prática, pois as novas quotas-partes continuam compondo o patrimônio líquido da instituição.
No entanto, analisando a questão um pouco mais detidamente, verificamos que as quotas-partes podem ser exigidas pelo associado se o mesmo solicitar desligamento da cooperativa, além do fato de que atualmente a maioria das cooperativas de crédito brasileiras prevê, em seus estatutos, a possibilidade de resgate parcial das quotas. Tudo isso imprime ao capital das cooperativas de crédito uma certa volatilidade, afetando sua estabilidade e, em consequência, a capacidade de reação da entidade em momentos de crise.
Em uma situação de crise econômica, conjugada com perdas por parte da instituição, por exemplo, muitos associados poderiam se ver tentados a solicitar seu desligamento da cooperativa, exigindo a devolução do capital. Mesmo que a sociedade estabeleça restrições à imediata devolução das quantias equivalentes ao capital desses associados, ainda assim os efeitos patrimoniais seriam imediatos.
É certo que ainda temos longo caminho a percorrer para atingir o nível de robustez dos sistemas cooperativistas de crédito citados como paradigma, mas tenho certeza de que estamos a caminho. A cooperação é um caminho longo, cuja construção requer confiança entre todos. Para sedimentar a necessária confiança, é preciso transparência e adequadas estruturas de freios e contrapesos.
Vê-se que já estamos invadindo o tema de outros capítulos, mas a divisão que se fez entre os capítulos desse livro são puramente didáticas. Na prática, todos os assuntos são interligados.
Por Marcos Pinheiro, servidor de carreira do Banco Central do Brasil e autor do livro Cooperativas de Crédito: história da evolução normativa no Brasil. Advogado e engenheiro químico, é pós-graduado em Economia e Finanças (PUC/MG) e Contabilidade e Finanças Públicas (UFMG).
Texto extraído da obra Cooperativismo de Crédito – boas práticas no Brasil e no mundo, lançada no 11º Concred, realizado em 2016 no Rio de Janeiro.
Marcos Pinheiro parabéns pela sua contribuição, espero que nossos filhos possam desfrutar deste cooperativismo que um dia poderá ser uma realidade.
Faço apenas uma reflexão, como conseguir um avanço nos moldes europeus, fazendo as mesmas coisas com os mesmos líderes?
Nosso sistema precisa ser oxigenado, é preciso abrir espaço para novas lideranças.
Acabei de chegar do Congresso Mundial das Cooperativas no Canadá, e muito foi falado sobre a falta de espaço para os jovens em todas as esferas das Coops, inclusive na liderança.
Será que esses atuais líderes que estavam participando do Congresso vão compartilhar isso em suas bases?
Existe interesse neste tema?
São as minhas reflexões.
É algo relevante para se discutir, mas precisamos antes organizar outras questões estruturais e de entendimento na participação dos associados. A questão dos bancos da cooperativos (Custos e altos lucros. E ainda 2?) o que acaba onerando a operação dos próprios cooperados, assim como as áreas de atuação compartilhadas por 2, 3 ou até 4 sistemas também não faz sentido, pois acaba sendo o valor da operação maior (ou sobras menor) fato este que certamente não vantagens ao cooperado ao mesmo tempo que não condiz com o objetivo comum da fundação das respectivas cooperativas. Sim, precisamos lembrar que somos empresas e atuamos no mercado (de forma competente), porém sem esquecer que somos cooperativa, e questões como a autogestão, participação democrática do entes, formação, educação, intercooperação(como o próprio texto cita), não podem jamais ser deixadas de lado!
A ideia é interessante, mas não sei se reservar todas as sobras seria de interesse do associado das cooperativas brasileiras. Acho que as cooperativas de crédito perderiam um de seus atrativos, que, aliás, é usado intensamente como argumento para conseguir novos associados. Talvez o percentual distribuído das sobras pudesse ser diminuído, a fim de fortalecer ainda mais as reservas.