Quinze anos de livre admissão de associados: cooperativismo financeiro dá passos importantes, mas o potencial é bem maior, por Ênio Meinen

“Não temos que olhar a concorrência e dizer que vamos fazer melhor… Temos que olhar a concorrência e dizer que vamos fazer diferente.” (Steve Jobs)

Em 25 de junho de 2003, por meio da Resolução nº 3.106, do Conselho Monetário Nacional (CMN), mediante proposta do Banco Central do Brasil (BC), o cooperativismo financeiro conquistava o direito de estender os seus benefícios societários e operacionais a toda a sociedade, independente de vínculo profissional ou econômico das pessoas físicas e jurídicas interessadas em integrar o movimento.

Do lado dos usuários de serviços financeiros – público em geral –, a liberdade de acesso a outro fornecedor, com características singulares, especialmente o de compartilhar a propriedade do empreendimento, revelou-se igualmente um importante triunfo.

O uso da prerrogativa pelas cooperativas permite que mitiguem os riscos inerentes à concentração em segmentos específicos, propiciando mais flexibilidade para contornar intervalos de adversidade a atingirem esta ou aquela atividade econômica ou categoria profissional. O contato com novos públicos, por outro lado, traz mais complexidade à gestão, exigindo maior qualificação profissional.

Da mesma forma, a diversificação e a amplitude associativas, além da extensão do atendimento nos médios e grandes centros urbanos, viabilizou, economicamente, o ingresso das cooperativas em pequenas e remotas comunidades pelo interior do país, muitas delas até então desprovidas de produtos e serviços bancários. Aliás, hoje em mais de seiscentas localidades brasileiras os serviços bancários – crédito, entre eles – chegam à população graças, unicamente, às cooperativas. É dizer, sem as cooperativas centenas de milhares de trabalhadores e empreendedores teriam de deslocar-se a outras praças, com os custos e inconvenientes próprios do deslocamento, sem falar da evasão de riquezas e empobrecimento de suas comunidades.

O aumento na escala de usuários, com as suas múltiplas origens e diferentes necessidades, igualmente estimulou e tornou possível a oferta de produtos e serviços além da captação e do crédito, facultando aos cooperados a migração integral para a cooperativa e livrando-os de um segundo relacionamento bancário, sempre oneroso e operacionalmente inconveniente.

Para se ter ideia do (acelerado) crescimento nessa década e meia de livre admissão, o cooperativismo financeiro saltou de 1,9 milhão para 9,8 milhões de membros (dados de dezembro de 2003 e dezembro de 2017), dos quais 1,3 milhão são, atualmente, pessoas jurídicas. Fazendo um recorte somente das cooperativas de livre admissão em 31/12/2017, constata-se que, apesar de somarem apenas 1/3 das entidades, elas detêm mais de 70% das agências, representam 74% dos cooperados e concentram 75% dos depósitos, das operações de crédito e dos ativos do cooperativismo.

Acentuando o seu resultado econômico em decorrência da elevação do número de cooperados e do volume de negócios, as cooperativas conseguem também ampliar os benefícios sociais nas comunidades onde estão estabelecidas. Com efeito, afora a destinação compulsória de uma parte do excedente contábil para essa finalidade, as entidades investem recursos significativos em projetos educacionais – com ênfase à orientação financeira e desenvolvimento de valores nos ensinos fundamental e médio –, inclusive custeando a construção e a manutenção de escolas; em projetos assistenciais voltados para crianças, idosos e pessoas socialmente desamparadas; em projetos esportivos, beneficiando notadamente jovens carentes; em projetos culturais; em projetos socioambientais, entre muitos outros (algumas dessas ações podem ser identificadas nos seguintes endereços eletrônicos: Sicoob, Sicredi, Unicred, Cresol, Cecred, Uniprime.

A maior presença das cooperativas, com preços e atendimento diferenciados, também vem produzindo efeitos concorrenciais sadios, especialmente nas praças com maior protagonismo cooperativo (BC, Relatório de Economia Bancária/2017, páginas 108 e 109).

A propósito de custos de produtos e serviços, considerando que não visam ao lucro – pois o seu cliente é também o seu dono –, as cooperativas, à medida em que ampliam a sua escala associativa e operacional (em 31/12/2017 detinham, por exemplo, 10% do mercado de crédito das micro e pequenas empresas e 16% das operações sem consignação com pessoas físicas), conseguem praticar tarifas e taxas de juros mais em conta que o sistema bancário convencional. Em muitos casos nem mesmo há cobrança de pacotes de tarifas, e em algumas linhas de crédito a taxa de juros chega a ser 50% inferior à praticada pelos demais agentes financeiros (BC, Relatório de Economia Bancária/2017, páginas 107 e 108). Essa precificação diferenciada, em um único ano (2017), gerou um ganho econômico agregado para os cooperados na ordem de R$ 20 bilhões, valor este que permaneceu nas respectivas comunidades irrigando a economia local.

Em síntese, a atuação societária e operacional irrestrita permite que as cooperativas cumpram com maior efetividade os seus quatro grandes objetivos, quais sejam: promoção da inclusão e educação financeiras; desenvolvimento econômico, pela retenção e reinvestimento da poupança nas próprias comunidades; atendimento integral das demandas financeiras dos cooperados, com preços justos e mediante um atendimento qualificado (adequado para quem é dono da instituição); motivação para o reposicionamento do mercado bancário como um todo na busca de maior convergência com as expectativas dos seus clientes.

Os resultados já alcançados, portanto, demonstram o acerto da abertura normativa, que se tornou um marco no processo de emancipação das cooperativas. E o que se reserva ao cooperativismo financeiro doravante? Entre desafios e oportunidades, dada a necessidade inadiável de melhorar a sua eficiência e as suas condições de competitividade, o segmento haverá de partir para uma consolidação estrutural, eliminando atividades e componentes organizacionais redundantes em todos os níveis (cooperação intrassistêmica) e intensificando a colaboração entre as diferentes bandeiras (cooperação intersistêmica); deverá dar continuidade ao processo de aprimoramento da governança, tanto estratégica como executiva; precisará avultar e qualificar os investimentos em tecnologia, até mesmo para acompanhar a revolução em curso no mundo digital; terá de escalar o número de cooperados, dedicando especial atenção aos ingressantes no mercado bancário, e com eles intensificar o relacionamento operacional.

Esses movimentos serão decisivos para a sustentabilidade do setor e o qualificarão a um maior protagonismo na área de influência, em linha com a sua vocação transformacional, destacadamente nos campos da cidadania financeira, do desenvolvimento socioeconômico local, da oferta de produtos e serviços compatíveis com a demanda dos usuários e da redução de tarifas e spreads bancários.

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Ênio Meinen, diretor de operações do Banco Cooperativo do Brasil (Bancoob) e coautor/autor, respectivamente, dos livros Cooperativismo financeiro: percurso histórico, perspectivas e desafios e Cooperativismo financeiro: virtudes e oportunidades. Ensaios sobre a perenidade do empreendimento cooperativo, obra esta também versionada em língua inglesa sob o título Financial cooperativism: virtues and opportunities. Essays on the endurance of cooperative entreprise.

4 Comentários

  1. Muito oportuno o seu artigo… Fui o protagonista da primeira transformação de uma cooperativa de crédito rural em livre admissão, já se vão 15 anos, e a cooperativa de Morada Nova de Minas continua se desenvolvendo de forma crescente e acentuada!!!

    O estreito relacionamento entre as centrais de crédito e o BACEN é fundamental para o desenvolvimento do setor!!!

    Transformei mais de 100 cooperativas na Crediminas e Cecremge!!!

  2. Como de costume, um texto lúcido e animador para aqueles que acreditam no cooperativismo como forma para resolver distintos problemas no ambiente financeiro. Com as devidas prudências, bem como com o devido respeito às normas que regem o assunto, demonstraremos ao público interno e, principalmente, ao público externo, que o segmento é também um excepcional modelo de governança corporativa.

    Parabéns Dr. Ênio Meinen!

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