LC 130 – 10 Anos: Marco do Cooperativismo de Crédito, por Lúcio César de Faria

“A Lei Complementar 130/2009 constitui um marco para o cooperativismo de crédito no País. Introduz disposições importantes para sua consolidação e desenvolvimento, visto serem adequadas aos aspectos característicos das cooperativas de crédito e de sua organização em sistemas.”
Alexandre Antônio Tombini, Diretor de Normas e Organização do Sistema Financeiro do Banco Central do Brasil

Em 17 de abril de 2019 são completados dez anos da edição da Lei Complementar nº. 130, a primeira lei, após a Constituição Federal de 1988, a regulamentar o sistema financeiro, e específica para o cooperativismo de crédito.

Em homenagem, é justo destacar alguns pontos da LC 130, sob a ótica de sua relevância para o sistema cooperativista, sem aprofundar questões jurídicas, por dois motivos: primeiro, por não ser o habitat do autor; segundo, por já terem sido muito bem exploradas por Isaac Sidney Menezes Ferreira e Ênio Meinen. .

Devem ser ressaltados, inicialmente, dois pontos importantes trazidos pela lei:

1. suporte jurídico a muitos aspectos que eram tratados por leis gerais do sistema financeiro ou regulamentação aplicável;

2. o conceito de Sistema Nacional de Crédito Cooperativo, que, em seguida à lei, foi especificado na Circular 3.502/2010, do Banco Central do Brasil (BC), e está atualmente presente na Circular BC 3.771/2015.

Estruturação do quadro social

A lei prevê que o quadro social da cooperativa de crédito, composto de pessoas físicas e jurídicas, é definido pela assembleia geral, com previsão no estatuto social. Dessa disposição decorrem dois aspectos essenciais para a estruturação do quadro social: com a edição da Resolução nº. 4.434/2015, do Conselho Monetário Nacional (CMN), deixam de ser previstas formas de segmentação do quadro, podendo a cooperativa organizar-se da forma que melhor lhe convier, sujeita, naturalmente, à aprovação do estatuto pelo Banco Central; e as pessoas jurídicas deixam de ser excepcionalidade no quadro, como previsto na Lei 5.764/1971.

O CMN, atendendo a proposição do Banco Central, estabeleceu, por meio da Resolução nº. 4.434, nova classificação para as cooperativas de crédito, que passaram a ser enquadradas em três categorias, em função das operações praticadas:

• plenas – aptas a realizarem todas as operações e serviços autorizados para o setor;

• clássicas – aptas a realizarem as operações e serviços financeiros autorizados para o setor, à exceção de determinadas operações de maior complexidade, especificadas na resolução;

• capital e empréstimo – além de não realizarem as operações vedadas às cooperativas clássicas, não podem captar depósitos à vista ou a prazo.

Governança

A lei provocou melhor estruturação da governança, com adoção de conselho de administração e diretoria profissional a ele subordinada, permitindo a segregação das atribuições de direção estratégica, realizadas pelo CA e de condução da gestão, a cargo da diretoria.

Embora, mesmo antes da lei, essa segregação já tivesse sido indicada pelo Banco Central como diretriz do projeto Governança Cooperativa, o dispositivo legal deu base à sua inclusão na Resolução CMN nº. 3.859/2010, obrigando a sua adoção pelas cooperativas singulares de livre admissão, de empresários, de pequenos empresários, microempresários e microempreendedores. Atualmente, essa estrutura está prevista na Resolução CMN nº. 4.434 para adoção por cooperativa clássica que detiver média dos ativos totais, nos três últimos exercícios sociais, igual ou superior a R$50.000.000,00, e para a cooperativa plena.

O mandato do Conselho Fiscal foi estendido para três anos, concedendo maior experiência aos seus membros e, consequentemente, maior qualidade aos trabalhos inerentes a esse conselho.

A assembleia geral ordinária passou a poder ser realizada até o final do mês de abril, prazo igual ao das sociedades anônimas, com maior tempo para realização das pré-assembleias ou assembleias de núcleo, prática comum nas cooperativas que adotam a representação por delegados.

Fundo Garantidor

“… a criação do fundo fortalecerá o cooperativismo financeiro, uma vez que esse mecanismo aumenta a segurança e a credibilidade do segmento, junto ao mercado, e permite competir em igualdade com os bancos, no que se refere às garantias disponibilizadas aos associados”.
Bento Venturim, vice-presidente do FGCoop

Antes da edição da LC 130, os sistemas cooperativos de três níveis (Sicoob, Sicredi e Unicred) possuíam fundos setoriais. Porém, sob a ótica do regulador, essa estrutura de proteção apresentava fragilidades que prejudicavam a construção de uma efetiva rede de proteção ao sistema cooperativo como um todo, principalmente pela inexistência de fundo garantidor abrangendo as cooperativas de economia solidária e as não filiadas a centrais.

A lei deu ao CMN poder para dispor sobre fundos garantidores, inclusive a vinculação de instituições financeiras cooperativas a tais fundos.

A partir daí, a diretoria do Banco Central traçou as características básicas do fundo garantidor para o cooperativismo. O tema foi objeto de ampla discussão entre grupos técnicos do BC e do Conselho Consultivo do Ramo Crédito (Ceco) da Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB), com participação de representantes do sistema de agricultura familiar solidária e de cooperativas não filiadas (singulares e centrais).

Dessas discussões resultou proposta de resolução, submetida ao CMN, que, por meio da Resolução nº. 4.150, de 30.10.2012, estabeleceu os requisitos e as características mínimas do fundo garantidor de créditos das instituições financeiras cooperativas singulares e dos bancos cooperativos integrantes do SNCC.

O FGCoop foi um marco de construção coletiva entre Banco Central do Brasil e o cooperativismo de crédito. O tema foi objeto de ampla discussão entre grupos técnicos do BCB e do Ceco, com participação de representantes do sistema de agricultura familiar solidária e de cooperativas não filiadas (singulares e centrais).

Em 27 de setembro de 2013, foi realizada a Assembleia Geral de Constituição do Fundo Garantidor do Cooperativismo de Crédito – FGCoop, com aprovação de seu estatuto e regulamento, submetidos em seguida ao exame do BC e levados à aprovação do CMN, conforme previsto na Resolução nº. 4.150/2012.

O CMN, por meio da Resolução nº. 4.284, de 5.11.2013, aprovou o estatuto e o regulamento do Fundo Garantidor do Cooperativismo de Crédito (FGCoop) e estabeleceu a forma de contribuição.

Ao igualar as condições de competitividade com os bancos, no que se refere à cobertura de depósitos, o FGCoop ajudou a promover um ciclo virtuoso de crescimento: mais credibilidade, aumento de volume operacional e ampliação da participação no SFN.

Captação de recursos municipais

Recentemente, entrou em vigor a Lei Complementar nº. 161/2018, que alterou a Lei Complementar nº. 130, tornando possível a captação, pelas cooperativas de crédito, de recursos dos Municípios, de seus órgãos ou entidades e das empresas por eles controladas e ainda estabelecendo que a captação desses recursos em valor superior ao limite assegurado pelos fundos garantidores referidos no inciso IV do caput do art. 12 da LC nº. 130 obedecerá aos requisitos prudenciais a serem estabelecidos pelo CMN.

A Resolução CMN nº. 4.659, de 26 de abril de 2018, estabeleceu esses requisitos prudenciais e também o correspondente cálculo da garantia prestada pelo fundo garantidor: o limite será apurado considerando que cada Munícipio, em conjunto com seus órgãos ou entidades e empresas por ele controladas, deve ser considerado como uma única pessoa, independentemente da existência de múltiplas inscrições no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ).

Referida resolução traz outros requisitos prudenciais a serem cumpridos pelas cooperativas para captação de recursos municipais:

a) o valor correspondente ao saldo total, apurado ao final de cada dia, de recursos captados de cada Município que exceder o limite da cobertura de R$ 250.000,00 deve estar aplicado em títulos públicos federais livres, admitidos à negociação nas operações compromissadas realizadas com o Banco Central do Brasil;

b) A captação de recursos de cada Município por cooperativa de crédito é condicionada a:

I – aprovação pela assembleia geral; e
II – cumprimento dos requerimentos mínimos de capital e limites regulamentares.

c) é vedada à cooperativa de crédito a captação de recursos de Município cujo prefeito, vice-prefeito ou secretário municipal seja diretor ou membro de seu conselho de administração.

Curiosidades

A Constituição vigente, promulgada em 1988, previa, no art. 192, que o sistema financeiro nacional seria regulado por lei complementar, o que implicava que uma só lei deveria dispor sobre todo o sistema financeiro, em substituição aos ditames da Lei nº. 4.595/64. É de se imaginar a complexidade de uma só lei dispor sobre todo o sistema financeiro com todo o avanço que teve desde 1988. Nesse sentido, a Emenda Constitucional nº. 40, de 2003, alterou a disposição do art. 192 , prevendo que o sistema financeiro nacional será regulado por leis complementares.

Dessa forma, abriu-se caminho para a edição da LC 130, regulamentando parte importante do SFN, que é o cooperativismo de crédito.

Embora tenha revogado alguns dispositivos das Leis nºs. 4.595/1964 e 5.764/1971, ambas continuam tendo fundamental relevância na disciplina da atuação das cooperativas de crédito. Enquanto não aprovada lei geral para o sistema financeiro, a Lei nº. 4.595 continua sendo a estrutura basilar de estruturação do SFN, especialmente no que diz respeito à sua organização e funcionamento. Da mesma forma, situações não tratadas na LC 130 continuam reguladas pela Lei Geral Cooperativista.

A LC 130, de acordo com texto proposto pelo setor cooperativo, por meio do Ceco, teve origem no Projeto de Lei do Senado nº. 293, de 1999, de autoria do Senador Gerson Camata (PMDB/ES). Camata, que também foi Governador do Espírito Santos de 1983 a 1986, faleceu em dezembro de 2018.

O artigo é de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente o pensamento institucional.

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