“A felicidade não depende do que falta, mas do bom uso que fazemos do que temos.” (Thomas Hardy)
No momento em que o cooperativismo financeiro ao redor do mundo clama por um melhor relacionamento com os respectivos governos e busca, ao menos, manter as suas conquistas no campo regulatório, por aqui o setor tem motivos de sobra para celebrar o bom ambiente institucional.
É nesse contexto que as cooperativas financeiras saúdam os 10 primeiros anos da maior de suas conquistas na seara normativa: a Lei Complementar 130, aprovada em 17 de abril de 2009.
Ao levar à prática as diretrizes advindas do artigo 192 e do §2º do artigo 174 da Constituição Federal, a LC 130 – primeira iniciativa infraconstitucional estruturante do sistema financeiro pós 1988 – consolida e eleva o status de um conjunto de normas regulamentares sobre o segmento, construídas desde o início dos anos 1990, proporcionando às cooperativas as condições necessárias para promoverem a justiça financeira no território nacional.
O seu alcance sob a perspectiva mais jurídica foi objeto de outro artigo de nossa autoria, cujo teor pode ser acessado por meio do Portal do Cooperativismo Financeiro (https://www.cooperativismodecredito.coop.br), sob o título “Lei Complementar 130, de 2009: ponto de partida e de chegada para soluções envolvendo cooperativas de crédito”.
No âmbito operacional e societário, os estímulos da LC foram decisivos ao longo do período para a construção de um portfólio de negócios completo e atração significativa de novos beneficiários, cidadãos e pequenos empreendedores, neste caso, não raro, tendo a cooperativa como a única alterativa de inclusão financeira. A escala associativa e operacional, notadamente nas praças e regiões de maior protagonismo cooperativista, também vem contribuindo para melhorar as condições de competição bancária – desejo da sociedade e propósito-alvo do Banco Central do Brasil.
Do lado da governança, além dos inúmeros efeitos benéficos relacionados à supervisão e segurança do setor cooperativo (melhora das regras de gestão de risco, aprimoramento das auditorias, instituição do fundo garantidor e previsão da cogestão instrassistêmica), a LC 130 induziu maior profissionalismo na gestão ao introduzir o modelo dual de administração, segregando direção estratégica e gestão executiva e permitindo adequada alocação de responsabilidades entre conselho e diretoria.
O olhar da lei, a um só tempo, para o desenvolvimento e o controle, para a quantidade e a qualidade, assegura o equilíbrio entre a expansão do negócio e a sua integridade, garantindo a sustentabilidade do empreendimento cooperativo.
Não há dúvida de que o cooperativismo financeiro ainda pode dar passos significativos sob a tutela da LC 130, explorando bem mais o texto vigente. Contudo, conquanto esse expediente, robustecido pela Lei Complementar 161/201, já seja bastante generoso, há oportunidades para avanços no atual regime regulatório, incluindo-se:
1) o aprimoramento do processo de cogestão, para assegurar tempestividade e efetividade às ações de responsabilidade das centrais e confederações;
2) o recrudescimento das regras relativas a desfiliações, de modo a reduzir os riscos de descontinuidade e de contágio decorrentes, de um lado, da insubordinação de cooperativas às regras oficiais e sistêmicas e, de outro, da ausência de instrumentos e de providências de alçada de centrais/confederações;
3) a impenhorabilidade das quotas-partes de capital enquanto estiverem indisponíveis aos cooperados (nos termos do § 4º do art. 24 da Lei nº 5.764/1971);
4) a permissão para campanhas de capitalização com entrega de prêmios, mediante agregação de um parágrafo ao art. 7º da LC 130 descaracterizando essa iniciativa como benefício (adicional) às quotas-partes;
5) a fixação de prazo prescricional para a retirada das quotas-partes a partir de sua disponibilização ao cooperado (na forma do estatuto social);
6) a reversão dos saldos remanescentes do fundo de reserva e do Fates para entidade(s) cooperativa(s) eleita(s) no estatuto social da cooperativa liquidanda.
Enquanto se constrói a desejada evolução, e dado que na extensão presente a lei e os demais instrumentos regulamentares concedem respaldo à altura, o cooperativismo financeiro pode, e deve, seguir a sua (acelerada) marcha de expansão, oportunizando o pleno exercício da cidadania financeira e do empreendedorismo para um conjunto bem maior de cidadãos e empreendedores país afora.
Ênio Meinen, diretor de operações do Banco Cooperativo do Brasil (Bancoob), coautor do livro “Cooperativismo financeiro: percurso histórico, perspectivas e desafios” e autor de “Cooperativismo Financeiro: virtudes e oportunidades – Ensaios sobre a perenidade do empreendimento cooperativo” (Confebras, 2016), obra também disponível na língua inglesa.