Steve Jobs, fundador da Apple, em entrevista à revista Business Week em 1998, disse “estes têm sido meus mantras: foco e simplicidade. O simples pode ser mais difícil que o complexo. Você precisa trabalhar duro para deixar o seu pensamento limpo e manter a simplicidade”. Acredito que isso facilite para que possamos apresentar um tema simples, mas que precisa de despojamento mental para analisá-lo de forma imparcial. Falaremos da rentabilidade de um sócio, algo que nossos sistemas definem com relativa eficácia. Apesar disso, pedimos sua atenção para que reflita se é prudente essa nossa argumentação.
Sabemos que para uma empresa, a rentabilidade é o beneficio econômico do capital por ela investido, obtido na venda de seus bens e serviços. Porém, precisamos ampliar esse preceito do que seja rentabilidade líquida para uma cooperativa de crédito, pois é fácil calculá-la para sócios que demandam crédito e/ou serviços, bastando deduzir do valor bruto recebido, os custos previamente definidos desses insumos. Mas será que seu sistema estará bem parametrizado quando calcular a rentabilidade de um sócio-investidor?
Rentabilidade do sócio-investidor: Por necessidade empresarial e pessoal, há décadas mantenho contas em várias instituições, inclusive em cooperativas de crédito, sendo que na maioria dessas instituições mantenho apenas investimentos. Assim, por curiosidade profissional, nos últimos meses passei a pesquisar junto aos meus contatos nessas instituições a rentabilidade de cada uma dessas minhas contas. E, para minha surpresa, na maioria delas, a rentabilidade era zero, sendo que nas restantes, era negativa. Diante disso, é possível pensar que há duas vertentes de análise:
• A primeira sinaliza que minhas contas têm rentabilidade zero, por se balizarem apenas em informações contábeis. Como não pago nenhuma tarifa, e muito menos juros por crédito, nada é computado como “receita” à minha conta;
• A segunda apresenta minha rentabilidade como negativa, pois, aparentemente avançam sobre o pensamento acima, adicionando nesse cálculo as despesas financeiras formalmente contabilizadas, já que “remuneraram” mensalmente minhas aplicações com base em percentuais do DI. Como se eu e os demais investidores fôssemos fornecedores de matéria-prima, e não sócios.
Metas de rentabilidade: Como visto acima, há sinais claros de que, apesar de ser importantíssimo captar e manter sócios-investidores na base de uma instituição, não lhes são computadas quaisquer riquezas, o que acarreta uma não premiação quanto à rentabilidade dos gestores dessas carteiras. De tal sorte que, muito provavelmente, as metas dessas carteiras podem não estar sendo coerentemente definidas e avaliadas, por não conseguirem observar a “rentabilidade” desses sócios investidores, os quais podem, em algumas instituições, até penalizar equivocadamente os resultados de uma carteira. Parece algo complexo, já que é incoerente comercialmente ver nas instituições onde invisto que os “donos” de minhas contas não conseguem perceber minimamente a “rentabilidade” direta que potencializo, ou mesmo a real relevância que tenho para aquela carteira e/ou instituição.
Replicando a rentabilidade de crédito aos investidores: Primeiro devemos definir o spread líquido de uma carteira de crédito de uma agência específica (e não da Singular), tendo como base seus empréstimos massificados, e, principalmente, validando financeiramente as captações que possam se converter em funding (dinheiro para emprestar), em especial oriundas do Depósito a Prazo e à Vista e do Capital Social, já que são esses os fatores de funding que uma agência pode gerir. Essas captações devem seguir o preceito comercial elementar de uma agência que sinaliza que deve ser suficientes na captação de funding para fazer frente a sua carteira de crédito com recursos próprios. Assim, caso não haja esse nível adequado de captação, a agência deve buscar esses recursos faltantes na sede da Singular, e pagar por eles um custo maior que a “amigável” SELIC, que usualmente é o máximo que se cobra de agências desenquadradas. Esse tema foi explicitado em detalhes no artigo de 25/04/2019: “Quanto deveria custar o dinheiro repassado às agências?”.
Proposta diferenciada: Propomos rever a lógica que a Singular usa para definir a rentabilidade de seus sócios-investidores, em especial quando aplicam em Depósito a Prazo, já que, para a maioria de nossas instituições, são as nossas soluções de investimento que efetivamente alavancam a hiper-rentável carteira de crédito de recursos próprios. Diante disso, precisamos reforçar a nossos gestores de sócios a importância de ter, manter e reter esses bons doadores de recursos, principalmente repassando a eles posições gerenciais mais comerciais (e não apenas contábeis), relativas aos sócios que invistam em soluções que gerem efetivo funding. Assim, estaríamos replicando, de forma gerencial, o mesmo ganho líquido obtido pela carteira de crédito da unidade (spread líquido). Ou seja, se o spread líquido de uma carteira de crédito própria de uma agência é 1,3% a.m. (ex.), esse mesmo percentual deve ser aplicado na parcela geradora de funding da aplicação de um sócio-investidor em Depósito a Prazo, como sendo essa sua rentabilidade “gerencial”.
Importante ressaltar que nessa lógica não estão inseridas soluções como as de fundos de investimentos, que não geram funding à instituição que o capta, ou a poupança, que tem um elevadíssimo direcionamento legal, e que não tem sua gestão e sua responsabilidade legal delegadas à instituição que operacionalizou a captação. LCA/I devem ser melhor analisadas.
Vale aqui destacar que, esses sócios, tipicamente investidores, não se importam com quanto custa mensalmente o pacote de serviços, seja R$ 40,00 ou 70,00, já que nunca o pagaram, sendo essa isenção uma das máximas desse nosso mercado. Assim, se desejarmos ser mais efetivos na definição da “rentabilidade líquida comercial” desses sócios, que não passemos a abater dessa sua rentabilidade gerencial o valor do nosso melhor pacote de serviço, o qual supostamente esse sócio deveria estar pagando, mas que é isento por investimento. Mas que, de forma diversa, estipulemos um valor que mais se aproxime dos custos dos serviços e outros eventuais dispêndios que a instituição terá com esses seletos sócios. Importante frisar que esses custos sinalizam ser discretos, haja vista que, na prática, usualmente, sócios-investidores não demandam dispendiosos serviços.
Uma visão lúdica do cenário da rentabilidade do investidor: Imagine que você é o dono de uma empresa que beneficia alumínio para fazer objetos de decoração, e tenha comprado uma tonelada dessa matéria-prima do fornecedor X. Portanto, ele espera receber por esse insumo na data acordada. Enquanto isso, você irá transformar essa matéria-prima para seu mercado. Tudo simples e coerente. Agora se imagine como um executivo de uma Singular. Você apenas “aluga” de seus sócios-investidores a matéria-prima (dinheiro) para poder emprestar (vender) a outros sócios. Contudo, você não paga esse “aluguel” da matéria-prima quando a recebe, ou quando a usa diariamente. Você somente fará esse pagamento do “aluguel” quando esses sócios-investidores optarem por retirar esses recursos. Durante todo esse tempo, você irá “girar” esse recurso várias vezes em inúmeras vendas de créditos, sem ter pago efetivamente nada por ele, fazendo apenas lançamentos contábeis relativos à dívida com esse “aluguel”. Assim, sua Singular figuradamente usou uma tonelada de alumínio, vendeu a produção várias vezes, não pagou o “aluguel” ao fornecedor que lhe deu um prazo elástico, e espera receber por esse “aluguel” um ganho atrelado ao DI (ex. Depósito a Prazo).
Importantíssimo: A diferença entre você ser o empresário que comprou uma tonelada de alumínio para transformar em objetos de decoração e ser o executivo de uma Singular é que, na Singular, a matéria-prima é “alugada” de um sócio, e terá de voltar para ele com o ganho estipulado. Na Singular, há um processo formal que contabiliza todo o custo financeiro de “alugar” esses recursos do sócio-investidor na própria conta desse sócio, como se ele fosse apenas um centro de custos. Assim, esquece-se que o “aluguel” dessa riqueza nos possibilitou fomentar nossa carteira de crédito, para, em seguida, ser devolvida a esse sócio-investidor. Isso não ocorre com a tonelada de alumínio comprada por sua empresa fictícia, já que essa matéria-prima passa a ser seu bem e você irá transformá-la e usá-la como melhor lhe aprouver, sem qualquer possibilidade de retorná-la à empresa que lhe vendeu, pois você efetivamente comprou esse bem de um terceiro, e não apenas o “alugou” de um sócio, como é nosso caso.
Não nos esqueçamos dos Depósitos à Vista e Serviços: A mesma lógica proposta para termos minimamente um balizador da “rentabilidade gerencial” dos nossos sócios-investidores, deve ser estendida aos sócios que deixam saldos médios regulares em conta corrente, já que esses, efetivamente, junto com os Depósitos a Prazo, geram um excelente funding (dinheiro para emprestar para a carteira de recursos próprios). Além do que, são valores (soluções) que literalmente estão sobre a gestão direta de qualquer carteira/agência. Por fim, há uma ampla gama de serviços, tarifas e taxas pagas, nas quais dificilmente se vê o ganho líquido sendo computado aos sócios que as geraram, e isso é muito relevante para a análise da rentabilidade líquida de sócios PJ. Esses temas devem futuramente ser analisados pela instituição.
Atenção ao gerir o excesso de liquidez: Há um tema correlato à rentabilidade do investidor que deve ser ponderado. É o fato de ter “captações” acima, ou muito acima, da necessidade de funding. Isso é um ótimo sinal da confiança que o mercado empresta à Singular. Contudo, desdenhar esses tradicionais investidores conservadores, em função de um eventual excesso de liquidez, mesmo que essa seja composta por uma robusta Reserva Legal, pode até ser uma decisão racional, mas no médio e longo prazo pode apresentar uma cara fatura. Pois, ao não reter esses recursos internamente, o mercado concorrente local o absorverá, criando ainda mais “músculos” na oferta de crédito de varejo, que é onde a Singular realiza seus generosos resultados, mesmo que indiretamente. O excesso de liquidez é, portanto, um bom problema, mas é um equívoco acreditar que resolvido esse problema, e tendo atuais bons resultados, o futuro está garantido. Por fim, é apenas uma realidade contábil o fato de termos uma estrutura de capital que nos livra da dependência de recursos investidos por tradicionais doadores, que não deveria, por si só, permitir uma tranquilidade comercial para nossos líderes.
Reflexões finais: Não é coerente manter a rentabilidade gerencial dos bons sócios doadores de recursos zerada ou negativa, em especial daqueles sócios que optam por apenas depositar suas reservas em Depósito a Prazo, o que nos permite fazer frente à nossa rentável carteira de crédito com recursos próprios. Isto posto, devemos, então, quebrar o paradigma que nos limita a definir como rentabilidade apenas aquilo que é previsível contabilmente.
Precisamos avançar para sinalizar à força de venda que o conceito de rentabilidade deve ser ampliado para melhor compreensão e condução da carteira de clientes. Assim, que possamos evoluir seguindo os ensinamentos de Steve Jobs “(…) O simples pode ser mais difícil que complexo. Você precisa trabalhar duro para deixar o seu pensamento limpo e manter a simplicidade”.
Concordar é secundário. Refletir é urgente.
Ricardo Coelho – Consultoria e Treinamento Comercial para o Cooperativismo de Crédito
www.ricardocoelhoconsult.com.br – 41-3569-0466 – Postado em 18/06/2019