A Associação Internacional de Seguradores de Depósitos – IADI (International Association of Deposit Insurers) e o Comitê de Supervisão Bancária de Basileia publicaram, em junho de 2009, os Princípios Básicos para Sistemas de Seguro de Depósitos Eficazes, revisados em 2013, que servem de orientação aos países na construção de seus fundos e cuja aplicabilidade é objeto de avaliação dos bancos centrais pelo Banco Mundial.
Para que se possa compreender a aplicação do princípio relativo à cobertura de depósitos ao regramento dos fundos garantidores, é necessário que se inicie por dois conceitos: hipossuficiência e risco moral.
A hipossuficiência pode ser analisada sob vários aspectos: a hipossuficiência econômica ou financeira, a hipossuficiência de informação (ou técnica) e a hipossuficiência jurídica. Para esta análise, interessa-nos o conceito de hipossuficiência financeira, ou seja, que se refere à pessoa que não dispõe de recursos financeiros excedentes ao sustento de si e de sua família e o de insuficiência de informação (técnica), que significa a carência de conhecimento ou compreensão sobre aplicações financeiras, principalmente quanto a seus riscos, o que leva à decisão sobre instrumentos financeiros mais simples e conservadores.
A primeira informação a se ter em conta é que os fundos garantidores existem para proteção não ao grande investidor e sim aos hipossuficientes. Estes se diferem do grande aplicador, que por si ou por consultor de investimentos que seja sério, tem condições de fazer a devida avaliação, em relação a riscos, sobre onde e em que aplicar seus recursos excedentes.
O risco moral está bem descrito nas considerações iniciais dos Princípios Básicos, podendo ser traduzido como o maior apetite a riscos por parte de gestores de instituições financeiras a partir da existência do segurador de depósitos, por poderem transferir a ele a responsabilidade pelo ressarcimento que minimizará os efeitos de uma quebra.
O mesmo documento registra que a rede de segurança financeira cria e apoia incentivos adequados para aliviar o risco moral por meio de diversos mecanismos, o que inclui: a promoção da boa governança corporativa e a sólida gestão de riscos em instituições financeiras individuais; responsabilização das partes por perdas; disciplina efetiva de mercado; estruturas e aplicação de rigorosa regulamentação prudencial, supervisão, resolução e leis e regulamentos.
Para resumir esse ponto para as conclusões que se pretende: no conjunto de instrumentos que compõem a rede de proteção do sistema financeiro e no regramento do fundo garantidor devem haver condições que mitiguem o risco moral, fazendo com que os gestores zelem pela boa gestão e perenidade da instituição, não se deixando guiar pelo risco apenas pelo fato de existir a cobertura de depósitos. No caso dos fundos garantidores, a cobertura limitada é um dessas condições.
O Princípio 8 da IADI, que trata de Cobertura, assim recomenda:
“As autoridades encarregadas de preparar as políticas de seguro de depósito devem definir claramente o nível e o escopo da cobertura do mesmo. A cobertura deve ser limitada, credível e proteger a grande maioria dos depositantes, deixando, no entanto, uma quantidade substancial de depósitos expostos à disciplina do mercado. A cobertura de seguro de depósito deve ser consistente com os objetivos de política pública relacionados ao sistema de seguro de depósito e as características do projeto de depósito.”
Vê-se que a IADI recomenda a cobertura limitada de depósitos, como um dos fatores para mitigar o risco moral, resguardando, porém, que deve ser protegida a grande maioria dos depositantes.
Na “Orientação para sistemas eficazes de seguro de depósitos: cobertura de depósitos”, preparado pelo Comitê de Pesquisa e Orientação da IADI, em 2013, recomenda-se que o limite de cobertura deve ter como alvo a cobertura entre 90 a 95% do número de depositantes.
O que importa, então, é o efeito do limite de garantia ordinária de R$ 250 mil, o mesmo para os dois fundos brasileiros: segundo dados dos respectivos relatórios, em dezembro de 2019, o limite cobria, no FGCoop 99,17% dos depositantes e investidores e, no FGC, 99,67%.
Outro ponto que mostra que o limite brasileiro para a garantia ordinária está mais do que adequado é em relação à renda per capita do país: a título de exemplo:
- na Alemanha e na Itália, onde o limite de cobertura é de 100 mil euros, corresponde a 2,35 e 3,15 vezes o PIB per capita;
- no Brasil, o limite de R$ 250 mil equivale a 5,59 vezes,
- relação maior até mesmo que a dos EUA, onde o limite de 250 mil dólares corresponde a 4,48 vezes o PIB per capita (dados de dezembro/2019)[1].
Para que não se confunda com aumento de limite, ressalte-se que a alteração aprovada no Regulamento do FGC pela Resolução nº 4.620/2017, limitando a cobertura de cada credor no conjunto de todas as instituições associadas a R$ 1 milhão a cada período de quatro anos consecutivos, manteve a garantia ordinária de R$ 250 mil por instituição. A justificativa pode ser extraída do Relatório de Estabilidade Financeira do BCB, Abril/2019: “Tal limite foi considerado adequado para a manutenção da proteção ao investidor hipossuficiente e para, simultaneamente, desestimular o comportamento de fracionamento de investimentos por parte de alguns poucos investidores alcançados pelo novo regramento normativo atinente à garantia de depósitos.”
Por fim, importante lembrar:
- limite e condições de garantia estão presentes nos regulamentos dos fundos garantidores brasileiros;
- embora ambos os fundos sejam de natureza privada, seus estatutos e regulamentos, por força de resoluções[2], têm que ser aprovados pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), após exame do Banco Central, para assegurar o cumprimento dos requisitos e características mínimas estabelecidos naqueles normativos;
- eventual alteração de limite de cobertura ordinária deve ser aplicada a ambos os fundos, para não gerar assimetria que afete as condições de competitividade nesse quesito;
- ressalvam-se coberturas especiais que a mudança de contexto econômico possa induzir e que venham a ser implementadas de acordo com as especificidades de um ou outro sistema, o cooperativista ou o bancário, mas que também deverão sempre ter a concordância de Banco Central e aprovação do CMN.
[1] Alemanha: Statutory Deposit Guarantee System of German Cooperative Banks; Itália: Credit Cooperatives Depositors Guarantee Fund / Fondo di Garanzia dei Depositanti del Credito Cooperativo; EUA: National Credit Union Administration (NCUA)
[2] FGC: Resolução CMN nº 2.197/1995; FGCoop: Resolução CMN nº 4.150/2012
Por Lúcio César de Faria, graduado em Economia, Administração e Ciências Contábeis, e com pós-graduação em Capacitação e Potencialização Gerencial. Atuou como assessor do Banco Central do Brasil e como diretor do FGCoop, sendo também Conselheiro de Administração formado pelo IBGC.