A razão pela qual a empresa faz o que faz e o impacto que quer gerar no mundo é o seu propósito. Quanto mais clara essa definição, maior engajamento de seus públicos e retorno no longo prazo
Façamos um exercício: se uma empresa de cosméticos, por exemplo, declarasse existir para desenvolver produtos de beleza, e outra dissesse trabalhar para proporcionar bem-estar; qual pareceria mais inspiradora? Declarar o motivo de existir, ao invés de apenas o que faz, coloca a empresa em vantagem no mercado, não só em termos de retornos financeiros, mas principalmente de longa vida. É o que garante Simon Sinek no livro “Comece pelo porquê”, que explica sua teoria do “círculo dourado”. Ele afirma que empresas com sucesso duradouro apresentam primeiro seu propósito aos públicos – seu porquê – seguido de como e o que faz. Dessa forma, as pessoas se identificam e avalizam aquele propósito ao consumir os produtos, trabalhar ou fazer negócios com a organização.
O autor atribui esse raciocínio a marcas como Apple e Southwest Airlines, por exemplo, que ao declararem um propósito oferecem mais que produtos, tornam-se símbolos de estilo de vida, de valores, de crenças; criam fãs da marca. Já as que não seguem essa fórmula, acabam buscando sucesso por meio de artifícios que trazem rentabilidade, mas podem se transformar em armadilhas no longo prazo (investem em copiar a concorrência; na manipulação do consumidor com preço baixo e promoções, por exemplo). A marca torna-se uma commodity, defende, e “apenas as companhias que atuam como commodities acordam todo dia com o desafio de se diferenciar. Organizações com uma noção clara do porquê não se preocupam com isso. (…) Elas são diferentes, e todos sabem”.
Empresas com propósito se importam com pessoas. Como um conceito mais amplo que a missão, o propósito deve estar enraizado na cultura organizacional para inspirar e congregar pessoas e proporcionar valor à sociedade. “O propósito deve ser simples e agregador, e declarar de fato uma paixão pelo que se está fazendo”, afirma Douglas Murilo Siqueira, diretor do curso de Administração da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP). Siqueira avalia que empresas com propósito precisam de liderança forte e consciente, que valorize o ‘nós’, e gere confiança em seus públicos. “Quando existe relação de confiança entre líder e liderados, clientes e empresa, fornecedores e clientes etc. tudo fica mais fácil”, diz, inclusive inovar.
Ao oferecer uma causa a se lutar, as equipes se esforçam em desenvolver ideias para enfrentar crises e capazes até de mudar o rumo do setor. Segundo Siqueira, “quando existe o engajamento, existe a confiança e, assim, as pessoas ficam mais à vontade em fazer suas propostas e, porque não, errar… pois, a empresa que não admite o erro de uma tentativa, inibe a inovação”. E salienta: “não tenho dúvidas de que as organizações que sairão mais rapidamente dos problemas econômicos devido à pandemia serão aquelas que acreditam em seu propósito e em seus funcionários”.
O propósito empresarial é um dos pilares do movimento capitalismo consciente, que considera ainda orientação para stakeholders, liderança e cultura, aspectos que tornam a empresa mais humanizada. “A partir dos exemplos das pesquisas Empresas Humanizadas, posso afirmar que o ideal é a empresa adotar um constante processo de reflexão estratégica a partir do seu propósito. Somente assim é que podemos começar a desenvolver uma nova lente para interpretar a realidade ao nosso redor. Caso contrário, vamos apenas fazer mais do mesmo”, defende Pedro Paro, consultor, pesquisador, especialista em Propósito, Cultura e Estratégia e um dos responsáveis pela pesquisa Empresas Humanizadas no Brasil.
Paro lembra que vivemos tempos que tanto sociedade quanto parceiros, funcionários e consumidores cobram que as organizações mantenham um propósito. A primeira edição da pesquisa, publicada em 2019, analisou 1.115 organizações e destacou dentre elas 22 empresas por suas práticas de negócios éticas, voltadas a pessoas, inovações e sustentabilidade. “A diferença está na qualidade das relações, que impacta na qualidade dos resultados da organização. Seus colaboradores são 224% mais felizes com o negócio; os clientes, 239% mais satisfeitos, e no médio e longo prazo, elas possuem um retorno 132% superior. Isso só ocorre porque existe uma liderança que acredita em fazer negócios de uma forma diferente”, justifica o especialista.
Ao menos um sistema cooperativo já figura nesse grupo: o Banco Cooperativo do Brasil (Bancoob), do Sistema Sicoob. “O cooperativismo abre espaço para uma estrutura e um modelo de gestão diferente, e dessa maneira, cria-se uma janela de oportunidade para uma gestão mais humana e consciente. Se uma cooperativa não cuida das relações, está perdendo competitividade”, avalia.
Conectar pessoas para promover justiça financeira e prosperidade
Esse é o propósito do Sicoob. A instituição avalia que é por meio de suas ações que explicita a seus stakeholders o seu por quê.“O que fizemos aqui no Sicoob foi tornar esse ‘porquê’ mais ostensivo, até para orientar adequadamente o seu “o que” e o “como” e uniformizar a percepção por parte dos públicos interno e externo”, explica Ênio Meinen, diretor de Coordenação Sistêmica e Relações Institucionais do Sicoob. “Isso tudo não requer investimentos vultosos em mídia de massa, pois os efeitos são sentidos por quem faz a escolha pelo empreendedorismo cooperativo e pelas comunidades assistidas”.
O diretor afirma que o propósito direciona todo o planejamento estratégico, visão, missão, valores, objetivos e metas da cooperativa. Orienta inclusive os programas de formação e atualização de pessoal. “Em julho, por exemplo, promovemos seminário cuja mensagem central foi nossa essência, o nosso propósito. Tivemos a participação de 35 mil pessoas de todos os estados brasileiros. Colaboradores de todos os níveis hierárquicos”, comemora. Para Meinen, “organizações como o Sicoob trabalham com a perspectiva do longo prazo, de sustentabilidade e até mesmo de perpetuação. A cooperativa serve as pessoas, que retribuem dando preferência à solução associativa, gerando um círculo virtuoso e permanente”.
Transformação que concilia legado e visão de futuro
“Conectar pessoas e riquezas gerando prosperidade” é o por quê das Empresas Randon, especialista em produzir soluções em equipamentos, sistemas automotivos e serviços ao transporte. Atenta às mudanças de mercado e processos de trabalho, a Randon é destaque em inovação empresarial. Aos 71 anos, está em plena transformação. Um processo que abrange não só mudanças internas, mas também externas, com envolvimento de startups e parcerias com outras organizações próximas, formando um movimento de inovação colaborativa.
Essa transformação visa adequação às mudanças de mercado e desafios tecnológicos que foram identificados no horizonte da organização há pelo menos seis anos. “É um processo que começou dentro de casa, com uma revisão, e fomos, aos poucos, nos conectando com tudo o que estava acontecendo fora, ressignificando inclusive a inovação, nossas estruturas e também trabalhando o suporte às lideranças, para que entendessem e apoiassem esse movimento”, conta Daniel Ely, Chief Transformation Officer (CTO) das Empresas Randon.
Ely, que está à frente de todo esse processo, acredita que declarar o propósito é algo inspirador aos públicos da organização. “Amplia as oportunidades, as possibilidades e a nossa visão e escopo de negócios futuros”. Essa transformação por propósito, afirma, tem sido possível porque leva em conta toda a história da empresa e os contextos vividos, mantendo-se o que ela faz de melhor, e agregando inovação. Outro ponto importante que o CTO chama atenção é treinar a vista para enxergar mais longe e transformar, inovar, antes de sentir no rendimento que o contexto mercadológico e social é outro. Esse processo pode necessitar inclusive alterações na cultura interna. “Não é a tecnologia que dispara e acelera a mudança e sim o quanto eu consigo trabalhar com as pessoas”.
Por Nara Chiquetti – Matéria publicada na Revista MundoCoop, edição 95