Friedrich Wilhelm Raiffeisen, o reformador social e benfeitor da humanidade

O texto abaixo reflete a tradução do áudio contido no filme “Der  Buergermeister  aus  dem  Westerwald”, que significa “O Prefeito de Westerwald”, retratando a vida de Friedrich Wilhelm Raiffeisen, o idealizador das cooperativas de crédito rural na Alemanha em 1862. O filme é de Erik Weymeersch para o Deutschen Raiffeisenverband e Bayerischen Raiffeisenverband em parceria com o Bayerischen Rundfunk.

Você pode assistir a filme completo no vídeo abaixo, em língua alemã, e acompanhar o conteúdo de posse da tradução abaixo.

“Aqui, meus senhores, estamos diante da casa em que nasceu Friedrich Wilhelm Raiffeisen, no dia 30 de março de 1818.

Já que os amigos vieram de terras tão distantes para conhecer a casa e as obras de Raiffeisen, devemos concluir que a sua ideia e obra foram para além das fronteiras da Alemanha, para outras tantas partes do mundo, como uma Boa Semente!

Estamos, portanto, diante da casa em que Raiffeisen nasceu e onde cresceu, juntamente com seus oito irmãos. Diversas vezes esta casa já foi restaurada, justamente pela sua importância histórica, pela aura que dela irradia.

Quero convidar a todos agora para entrar e ver toda esta história mais de perto, onde ela aconteceu…”

Durante a juventude de Raiffeisen, com certeza, sua terra natal, Hamm, na região do Rio Sieg, que significa “vitória”, não era tão linda assim como nos dias atuais.

Hamm está na região das Florestas do Oeste, entre os Rios Reno, Sieg e Lahn. Sua tão cantada beleza, em prosa e verso, não fala da pobreza de suas terras. Pobreza esta que também cunhou o caráter do povo da região. É gente pacata, confiável e hospitaleira.

Nos tempos de Raiffeisen, nascido no mesmo ano de Karl Marx, a região estava em estado de emergência. Muitos moradores trabalhavam de forma itinerante, hoje aqui, amanhã ali… E muitos também migraram para a América do Norte.

Raiffeisen encontraria, por entre estas pessoas desesperançadas, a grande Missão de sua vida …

Hamm e Weyerbusch, Flammersfeld e Heddesdorf, juntamente com Neuwied, são pontos de partida para as suas ações e obras.

Da vida Raiffeisen não recebeu, senão um grande espírito de luta. Sua infância foi muito sofrida. Sua mãe criou sozinha os nove filhos, pois, o pai, que era prefeito, atacado por grave doença, foi muito cedo para uma instituição de saúde. A mãe, muito religiosa, estava feliz pelo fato de o Pastor Seippel cuidar especialmente do pequeno Wilhelm.

Não é possível compreender a obra de Raiffeisen, sem ter à nossa frente a ideia de que a sua postura espiritual sempre foi decisiva em suas ações, em sua obra como um todo, em sua Missão.

O Pastor Seippel não deu apenas orientação religiosa ao jovem Raiffeisen; ele o instruiu também nas áreas de Idiomas, História e Matemática.

Em 1835 Raiffeisen foi para a cidade de Colônia (Kohl), junto ao rio Reno. Seu tio o inscreveu como voluntário, aos 17 anos de idade, e ele ingressou na Sétima Brigada de Artilharia. E o recruta tornou-se um tão bom soldado que, após três anos, foi promovido a sub-oficial e transferido para a Escola de Inspetores, na cidade de Koblenz. Em seu currículo escolar constam agora aritmética, trigonometria, ciências naturais, engenharia civil e desenho militar. Os prussianos davam especial valor ao fato de se passar para os alunos o espírito básico dos seus princípios. Um desses princípios é o de que . . .

. . .  podemos servir melhor à sociedade, quando nos colocamos sob um todo maior

isto é, analisando as situações de forma global e agindo de forma a obedecer um plano de ação não individualista. 

A este princípio Raiffeisen permaneceu fiel por toda a sua vida.

Em sua temporada em Koblenz, Raiffeisen associou-se ao Grupo Antuérpia, através de seus amigos. Era uma associação de estudantes. Ali cultuou a música, o canto e a literatura. Foi aí que ele conheceu sua futura esposa, Emília Stork.

Mas um golpe do destino o atinge nesta época. Agravando-se cada vez mais, um problema na visão interrompe sua pretendida carreira militar. E foi aí que ele iniciou um trabalho na área da administração civil. Para total satisfação de seus superiores, em Koblenz, Raiffeisen concluiu um curso de administração. E para um curto período atuou como Secretário Administrativo, em Meien, na região Eifel.

Com a chegada do inverno, ele é chamado a assumir a função de Burgomestre, ou seja, Prefeito do município de Weyerbusch, no norte da Floresta do Oeste, com um total de vinte e duas (22) comunidades.

Com 27 anos de idade, Raiffeisen está feliz por voltar à sua terra natal, em janeiro de 1845. Sente-se cheio de vontade de fazer algo pela sua gente.

De sua mãe e do Pastor Seippel aprendeu a sua postura espiritual; da administração e escola prussiana, seu preparo técnico e prático; de seus colegas do Grupo Antuérpia, a sensibilidade em relação à Natureza, arte e a música. Ele é um Humanista, que com seus 27 anos de idade oferece toda a sua garra à sociedade pela qual agora é responsável, e com esta garra socializa todo o seu saber.

Em sua temporada junto ao Reno, sempre ouvira falar de sua terra natal como sendo a “terra de gente pobre”. Ele sabe que o clima e a terra não são bons para o cultivo da aveia, da cevada e da batatinha. E que durante o inverno, os que normalmente trabalham como diaristas, ficam em casa trabalhando em algum artesanato que lhes dê um mínimo para sobreviverem. Os ganhos são míseros.

As estradas são péssimas e muitas vezes impossíveis para o trânsito. Daí, uma de suas primeiras decisões: a construção de uma nova estrada em direção ao Reno.

E uma aluna morre de tuberculose. Raiffeisen não deixa por menos: passa um dia inteiro na escola local. E isto o leva a convocar as lideranças da comunidade para uma importante reunião:

– A nossa reunião de hoje vai tratar de um único assunto: a ESCOLA! Como o professor Weier relatou, a pequena Émili não precisava ter morrido. Ela veio diariamente de uma distância de mais de uma hora até aqui, muitas vezes com as roupas molhadas, e nesta sala de aulas, úmida e fria, pegou a doença que lhe custou a vida. Não, assim isso não pode continuar. As paredes úmidas, o piso, tudo isso não dá condições de se permanecer aqui dentro sem ficar doente. Agora foi a pequena Émili; – quem será amanhã? Vejam bem, só há uma maneira de proteger as nossas crianças:                              

VAMOS CONSTRUIR UMA NOVA ESCOLA.

 – Mas, senhor Burgomestre, quem vai pagar esta construção?

– Hmmm! Todos nós juntos. Uns dão telhas, areia e cal, outros dão a mão de obra, e eu pessoalmente, de coração, separo uma parte do meu ordenado para a obra, até ela ficar pronta. Assim nós aliviamos a caixa da Comunidade, ou sejam, os cofres públicos.

Madrugadas adentro Raiffeisen passa elaborando o projeto e, assim, a obra praticamente tem seu início à noite. Poucos meses mais tarde a obra está concluída. Raiffeisen sabe como unir individualmente todas as pessoas para alcançar um objetivo comum para o bem de todos.

Pouco tempo depois, Raiffeisen tem novas razões para comemorar. Descendo o rio Reno vai até Remagen. E aí casa-se com Emília Stork, a filha de um farmacêutico. Ela tem 19 anos. Sete filhos ela lhe dará, três dos quais lhes morrem ainda na infância. Ele precisa muito de seu amor e apoio para enfrentar as situações desumanas por que passam as pessoas sob sua administração. Ele sente-se responsável pelo destino delas.

A maior parte das pessoas de suas 22 comunidades são agricultores, artesãos e diaristas. Desde a reforma prussiana de 1807, todos dependem de suas próprias forças e iniciativas. Há séculos permutavam mercadorias entre si, e muitas vezes os seus senhores lhes absorviam as decisões; agora, muitas pessoas se sentiam impotentes diante das dificuldades e da necessidade de tomarem decisões. Para pagar os seus impostos, ou para adquirirem bens de consumo, precisam primeiro vender a sua produção, transformando-a em dinheiro. Como não existem bancos na zona rural, para financiarem os agricultores,… comerciantes particulares se oferecem como financiadores. E estes sabem como conseguir lucros de 200 a 300 por cento às custas desta gente sofrida e despreparada.

Imediatamente, após assumir o cargo de prefeito, Raiffeisen se torna malvisto pelos tais “emprestadores” de dinheiro. E ele lhes declara guerra abertamente. Mas, como atacar estes agiotas, o jovem prefeito ainda não sabe, pois, não há uma lei na qual possa buscar amparo.

No ano de 1846 vem novas preocupações. A chuva sem cessar, prejudica a germinação dos cereais. Mesmo a batatinha não produziu nada. E as rodas dos moinhos ficam paradas. As colheitas de grãos que vieram molhados para os galpões, mofam e se perdem.

As donas de casa andam pelas florestas à cata de frutas silvestres. Vem o inverno. Noite e dia Raiffeisen vê diante de si os rostos de crianças esfomeadas, pedindo por um pedaço de pão. Ele escreve um relatório sobre a situação aos seus superiores, em Altenkirchen e Koblenz:

“… Ante o exposto, contamos com uma grande falta de materiais de subsistência. Até mesmo, porque com a catástrofe da fome, as pessoas com suas próprias forças não tem chances de sobreviverem. Diante desta situação, como prefeito, cabe-me alertar as autoridades, e lhes pedir urgentes providências.”

Conseqüência deste relato de Raiffeisen às autoridades: o governo de Koblenz manda 150 Bushels (1 Bushel = 36,35 litros ingleses ou 35,23 litros americanos) de farinha dos estoques reais e o Burgomestre os distribui imediatamente entre as comunidades. Apenas na manhã seguinte ao seu regresso de Koblenz, Raiffeisen abre perante o Conselho Comunitário, a carta que acompanhava a remessa de grãos, e lê:

“Nestes termos, por cedência do Governo Real ao município de Weyerbusch, na Floresta do Oeste, que passa por um especial estado de emergência, enviamos 150 sacos de farinha de nossos depósitos reais. A farinha seja imediatamente distribuída entre as pessoas que tenham condições de liquidação…”

 – Como é que diz aí?

“… e o dinheiro, juntamente com os respectivos comprovantes, seja enviado a esta cidade. Em 31 de janeiro de 1847.”

– Vocês entenderam bem, meus amigos?

– A farinha só deve ser distribuída entre as pessoas que tem com que pagar.

– E o que acontecerá com os pobres, que não tem mais sequer uma moeda de prata?

– Correto. – O que será deles?

– Assim como a ordem está escrita, não pode ser o propósito real do governo. Uma ajuda precisa se destinar a todas as pessoas, do contrário, estará ferindo o mandamento da justiça. Com certeza estamos todos de acordo neste sentido! Uma tal distribuição de farinha seria injusta. Diante disso tenho uma outra proposta: nós criamos uma Comissão da Pobreza, onde todas as comunidades estejam representadas. E esta Comissão organiza uma lista das pessoas pobres que mais tem necessidade de nossa ajuda. Entre estas pessoas nós, então, distribuímos a farinha como um adiantamento. A devolução deverá acontecer, então, dentro de um prazo a ser estabelecido pela Comissão.”

E assim foi feito. Cada um recebe a sua parte e, por um tempo, a crise está derrotada. No entanto, Raiffeisen terá que prestar contas junto ao seu superior regional, sobre a sua ação contrária às ordens do Governo Real.

– Como está a situação em Weyerbusch, senhor prefeito?

– Momentaneamente as pessoas estão relativamente bem, mas, até quando? Aqui está o meu Relatório, senhor Administrador.

E o Administrador, após a leitura do relatório, pergunta:

– … afinal, qual é mesmo a sua idade, senhor prefeito Raiffeisen?

– Em poucos meses completo 29 anos, senhor Administrador.

– Pois, veja bem, eu tenho o dobro de sua idade. Mas, jamais teria passado pela minha cabeça, desobedecer uma ordem do governo central, ou sequer alterá-la; Você tem idéia do que significa a sua desobediência?

– Sim, a minha demissão sumária das funções administrativas como prefeito, senhor Administrador.

–  Faz pouco tempo que você casou, não foi?

–  Sim, senhor Administrador.

– Você deveria ter pensado em sua família ao tomar uma atitude assim tão precipitada e irresponsável…

– … eu não agi precipitadamente nem de forma irresponsável, senhor Administrador; eu agi segundo a minha consciência e senso de justiça. – O que o senhor queria que eu dissesse, então, para aquelas pessoas com fome?

– Primeiro você deveria ter solicitado uma nova autorização. Mas, está bem, vou relevar. Por hora não vou repassar o seu relatório à administração em Koblenz. Agora uma ação arbitrária poderia ter sérias consequências para sua função como prefeito. É óbvio, no entanto, que você será responsável pelo pagamento da farinha aos cofres reais.

– Eu lhe agradeço pela compreensão, senhor Administrador.

– Aguarde mais um pouco. Que esteja bem claro entre nós, portanto: se para a comunidade, para o município de Weyerbusch, surgirem dificuldades quanto ao acerto de contas, eu terei que relatar tudo detalhadamente ao governo em Koblenz.

– Perfeitamente claro, senhor Administrador.”

Severamente repreendido e sem esperanças de receber mais alguma ajuda do governo, Raiffeisen retorna de Altenkirchen à Weyerbusch. De forma ameaçadora está diante de seus olhos a realidade de que o inverno ainda vai arrastar a fome consigo por mais um longo período. É urgente encontrar uma solução complementar.

Raiffeisen geralmente encontrava a solução para seus problemas em longas caminhadas.

De repente lhe surge uma nova idéia:

já que de fora não há esperança de ajuda, a solução precisa ser encontrada à nível local, pelas próprias forças. E já que ninguém consegue isso agindo isoladamente, é preciso fazê-lo em conjunto.

E ele convoca a Comissão de Pobreza para uma reunião:

“Meus amigos, sem a vossa preciosa ajuda, não teria sido possível distribuir tão rapidamente e de forma tão justa a farinha que recebemos do Governo. Eu vos agradeço por esta ajuda. Sozinho ninguém consegue nada. Somente agindo de forma conjunta é que foi possível realizar o que de início parecia impossível. Mas, vocês sabem que para superar as dificuldades dos próximos meses, temos que tomar mais algumas atitudes, para resolvermos de vez os problemas com a fome. Só a próxima colheita aqui de Westerwald vai nos salvar de vez destas dificuldades. Com uma nova ajuda de parte do Governo nós não podemos contar; os estoques estão nos seus limites, pois, a fome não é só aqui. Não nos sobra outra alternativa: nós temos que adquirir em conjunto, mais farinha, ou grãos, urgentemente.

– Fácil falar, não é, senhor prefeito, mas em toda a Alemanha, ninguém vai nos vender fiado.

– Pois nós faremos um empréstimo de dinheiro e compramos os grãos à vista.

– Um empréstimo? Porventura, com os agiotas?

– Eu não estou pensando nos agiotas, mas, em cada um de nós. Que cada um de nós empreste, tanto quanto lhe for possível, à Comissão de Pobreza. E com certeza haveremos de encontrar outras pessoas compreensivas nas outras comunidades, que também emprestarão algum valor. E com esse dinheiro nós poderemos comprar grãos mais uma vez, e distribuí-los entre os necessitados. A devolução, ou o pagamento, então será feito após a próxima colheita.

– E quem vai garantir a devolução do empréstimo, senhor prefeito?

A fiança, a garantia, é a base de meu plano. Aqui se trata de confiança mútua. As nossas pessoas tão carentes, afinal, são pessoas, agricultores como todos vocês. Ou diaristas com um pedaço de terra. Cada um, com certeza, não se negará de dar os seus bens em garantia, desde que lhes seja ajudado agora a sair destas dificuldades. A Comissão de Pobreza assume o empréstimo e cobra depois da colheita, em meio ano, a devolução do dinheiro. E as prestações também não podem ser muito elevadas, para que cada um possa pagar tranquilamente a sua dívida. E eu pessoalmente quero fazer o começo, emprestando à Comissão o meu dinheiro. Eu tenho certeza que até o outono terei o meu dinheiro de volta.”

A idéia de Raiffeisen é totalmente nova, inédita. Jamais alguém pensara em emprestar as suas economias a uma Comissão de Pobreza. Mas, logo foi conseguida a adesão de 60 pessoas, o que era muito além do que Raiffeisen imaginara. E assim pôde agilizar logo o seu plano.

Ele sabe que navios com cereais estão ancorados nos portos do Rio Reno, vindos da Polônia, da Rússia. Com o representante da comunidade de Hilgenroth ele viaja à cidade de Colônia e adquire 200 Bushels de centeio. E paga à vista.

E as rodas dos moinhos voltam a rodar e a moer.

Mas, o padeiro de Altenkirchen, não quer assar o pão com a farinha que não foi adquirida dele. E Raiffeisen constrói uma padaria que pode ser visitada ainda hoje, em Weyerbusch.

Assim a Comissão de Pobreza, que se transformou agora numa Associação de Panificação, pode fornecer o pão a todos os associados por preços muito inferiores. A tudo isso se acrescente que, após o desconto do preço da farinha e do pagamento do padeiro próprio, ainda sobrou tanto dinheiro que foi possível pagar juros para aqueles que emprestaram o dinheiro.

E este exemplo de Weyerbusch tem como conseqüência que os outros padeiros da região, temerosos, baixam também os preços de seu pão.

Vem a primavera, e também as pessoas mais pobres encontram trabalho  novamente e algum rendimento financeiro.

Raiffeisen percebe e se surpreende com um novo fato: os colonos estão plantando apenas a metade, ou um quarto de suas terras. E ele descobre por quê:

Por causa da fome, muitas pessoas comeram até as sementes que estavam reservadas para o plantio!

Em mais uma de suas caminhadas solitárias, Raiffeisen tem a idéia de vender uma parte da floresta comunitária, com a concordância do Conselho Comunitário, e com este dinheiro adquire batatinha-semente e distribui entre os agricultores, mediante compromisso de devolução após a safra.

E mais um grande problema tem uma grande solução comunitária.

Raiffeisen é promovido e transferido para o município de Flammersfeld, no ano revolucionário de 1848. Moralmente fortalecido e um pouco triste, ele e sua esposa despedem-se de Weyerbusch,

Também aí ele encontra situações desastrosas e injustas. Muitas propriedades rurais estão penhoradas aos agiotas, incluindo-se animais e benfeitorias. Como Bismark muitas vezes se expressou:

“Da  cama  ao  garfo  de  fogão,  tudo  já  é  dos  agiotas.”

Raiffeisen percebeu que toda a desgraça começava quando um esperto comprador de gado fazia uma proposta, aparentemente vantajosa para o agricultor, colocando-lhe uma vaca no estábulo por empréstimo; como retribuição, ele cobrava em documento, uma novilha do rebanho. Estabelecia e lhe cobrava juros e amortização para a vaca em tal nível que o agricultor jamais poderia saldar o compromisso. Chegava a tal ponto que o agricultor pagava para o agiota até o leite da vaca que tomava com sua família!

Neste momento Raiffeisen funda, juntamente com o Pastor Müller, a Associação de Auto-Ajuda de Flammersfeld, com o objetivo de prestar ajuda a estes agricultores sem recursos.

E aqui germina a semente do hoje mundialmente conhecido Sistema Raiffeisen de Cooperativismo. Aqui a idéia ganha corpo.

Em vez de fornecer dinheiro, como em Weyerbusch, pessoas de bens, juntamente a um banco privado da cidade de Colônia, com seu patrimônio servem de avalistas para o dinheiro tomado por empréstimo.

Com este dinheiro a Associação adquire gado e o confia aos agricultores associados, mediante contratos específicos.

Dois anos após, a Associação já conseguiu adquirir 110 cabeças de gado. E assim se quebra de vez o poder dos agiotas. E eles abandonam a região.

É mais uma vitória da força pela união.

Raiffeisen alegra-se, especialmente, porque percebe que as pessoas, a partir desta situação, reconquistam sua auto-estima e adquirem auto-confiança e vontade de encarar novas iniciativas. Eles começam a construir um grande futuro … pegando juntos. 

E Raiffeisen constrói a nova estrada de Flammersfeld para Neuwied, sem imaginar que após apenas quatro anos, seguirá por esta estrada rumo ao município de Heddesdorf para, então, ali assumir as funções de prefeito.

Agora ele está com 34 anos de idade. E uma tarefa mais ampla espera por ele, pois, este município que é ainda maior, não vive só de agricultura, mas, também do comércio, ofícios e indústria. Também trabalhadores da vizinha Neuwied aqui estão ativos na área industrial.

Raiffeisen terá que enfrentar a situação de miséria dos trabalhadores. Há mais gente procurando emprego do que vagas disponíveis. Salários de fome são o resultado desta situação. Até mesmo as crianças são obrigadas a assumir longas jornadas de trabalho para ajudar no sustento das famílias. Órfãos e maltrapilhos se vê por toda a parte, invasões e assaltos com roubos fazem parte do dia-a-dia. Muitos pequenos empresários estão também em grave crise de sobrevivência, por causa dos endividamentos.

Esta situação deixa Raiffeisen aflito. Por amor ao próximo, juntamente com o Pastor Renkoff, ele cria uma Associação Beneficente, com o objetivo de amparar as crianças, em primeiro lugar, e arranjar ocupação e trabalho para os desocupados, além de assistir pessoas saídas de prisões. E ele cria também uma Biblioteca Pública.

Com o passar dos anos se enchem livros com atas de fatos que levaram às pessoas uma nova oportunidade na vida. Tomou-se decisões. Foram feitas reivindicações. Problemas foram solucionados. Durante oito anos. Até que a ação das pessoas de bens, que compunham a Associação, foram esfriando. E Raiffeisen precisa reconhecer que sobrestimou a boa vontade destas pessoas. Ele conclui que…

…ajuda sem uma Contrapartida das pessoas beneficiadas, é algo que não tem vida longa, é negativo.

E ele organiza uma nova Associação de Auto-Ajuda:

“Cada pessoa que pretende receber uma ajuda, tem que estar disposta também a ajudar outras pessoas em necessidades. Por isso, o lema: UM POR TODOS – TODOS POR UM.”

Em 1862 abate-se sobre a região uma epidemia de tifo. Pessoalmente, Raiffeisen vai para dentro das casas, juntamente com uma professora benevolente, levar socorro às famílias doentes, além de alimentos.

Finalmente, o próprio Raiffeisen é acometido por uma crise profunda de esgotamento nervoso, proveniente das preocupações em geral e da fatal doença do coração, do qual sofre sua esposa Emília. Ele é hospitalizado.

Sua filha mais velha, Amália, está ao seu lado nestes momentos tão difíceis. Somente três meses mais tarde, ainda muito debilitado, Raiffeisen pode visitar sua esposa em fase terminal, em Remagen. Ele nunca mais a verá viva.

Os últimos golpes do destino o agrediram tanto, que sua visão foi profundamente afetada, a tal ponto que precisa reconhecer que não mais poderá retornar às funções de prefeito. Ele requer sua aposentadoria.

Seu superior, no entanto, lhe sugere buscar a cura, permanecendo no cargo, e lhe propõe férias para tratamento da saúde.

“As preocupações por minha amada esposa afetam profundamente o meu sistema nervoso, que ameaça arrasar comigo.

Está muito difícil manter-me de pé e procuro buscar forças no recolhimento e na solidão; mas, não estou encontrando alívio.”

Enfim, vem a notícia do falecimento de sua esposa, aos 37 anos de idade.

“Modéstia ou orgulho à parte, preciso reconhecer que me traz profundas alegrias, ser procurado por tantas pessoas em busca de conselhos e orientações para enfrentarem suas dificuldades.

Percebo que a ideia do Um por Todos – Todos por Um está se expandindo para todas as direções e fazendo as pessoas perceberem e reconhecerem que, somente agindo em conjunto, podem resolver as suas dificuldades e crescerem na vida.

Para maiores esclarecimentos estarei sempre à vossa disposição.

Atenciosamente

Friedrich Wilhelm Raiffeisen”

O trabalho para Raiffeisen, foi realmente o seu melhor remédio. Após ele ter criado Bancos de Empréstimo em Anhausen, Regsdorf, Bonefeld e Engers, ele cria, em 1864, o Banco de Heddesdorf, em forma de uma verdadeira Cooperativa de Crédito.

Apesar de toda esta energia com que ele se empenhava, as vistas foram enfraquecendo e perdendo sua força. Em outubro de 1865 ele entrega o cargo de prefeito, definitivamente. E ele está com apenas 47 anos de idade e com uma pensão tão pequena, que não lhe é possível sobreviver juntamente com seus quatro filhos.

A filha mais velha, Amália, o auxiliará em seus trabalhos escritos até sua morte. Sem a ajuda da filha, teria sido impossível para Raiffeisen a administração de outros negócios aos quais se obrigava diante do compromisso de sustento da família.

E inicialmente, ele administra uma pequena fábrica de charutos.

Mais tarde o comércio de vinhos. E aqui ele descobre mais uma vez a exploração a que estes viticultores estão sujeitos.

Ele propõe às comunidades onde se cultiva a uva, a criação de uma Vinícola própria, vendendo o seu vinho diretamente nas cidades da região. Ele se encarrega e elabora o Estatuto da Cooperativa dos Vitivinicultores.

Em 1866 surge o seu livro AS COOPERATIVAS DE CRÉDITO, como meio de solução para os problemas das Comunidades Rurais, assim como para trabalhadores urbanos e artesãos.

A obra de Raiffeisen é como uma primavera que surge para as comunidades.

Os líderes de todas as confissões cristãs estão felizes por terem encontrado um meio de se libertarem da opressão e colocam à disposição das Cooperativas de Crédito, as salas necessárias para o seu funcionamento.

Muitos professores se oferecem voluntariamente, sem remuneração, para registrar informações e fazer a sua contabilidade. É uma questão de honra para eles.

A Associação da Agricultura do Estado Reno-Prússia apoia de tal forma a criação das Cooperativas de Crédito que, em apenas dois anos, são criadas 75 novas Cooperativas!

Do Imperador Guilherme I,  Raiffeisen recebe uma carta elogiosa:

“Nós cumprimentamos o prefeito Raiffeisen pela sua obra, autônoma e comunitária, para solucionar o problema de crédito junto às suas comunidades.

A ele o nosso mais profundo e caloroso reconhecimento, com os votos de que ao autor desta obra seja possível a expansão desta ideia, sempre mais e mais.

Imperador Guilherme I”

De todos os estados alemães Raiffeisen recebe delegações e comitivas, em busca de orientação, e sente-se muito feliz por poder levar esperanças a todos. E ele começa a viajar, fazendo palestras, sempre de novo sobre o mesmo tema:

“QUERIDOS AMIGOS! Não existem fórmulas mágicas para tirar da miséria as pessoas que nela caíram, sem a sua própria boa-vontade em fazerem algo por si mesmas.

UM caminho eu conheço, e que cada um de vocês também pode seguir.

E se vocês iniciarem esta caminhada JUNTOS, um COM o outro e, PELO outro, vocês alcançarão o objetivo: libertarem-se da  miséria.

Através de créditos a pessoas responsáveis e necessitadas em vossa comunidade, estas deverão estar em condições de elas desfrutarem dos benefícios, colhendo os frutos de sua dedicação, não mais trabalhando para os agiotas.

Afinal, vocês sempre empenham os vossos bens para os agiotas;

– Vocês iriam agora pensar duas vezes, antes de empenhá-los a vocês mesmos?

Eu apelo à vossa confiança, que vocês devem ter em vocês mesmos.

Vocês se tornarão empresários, patrões de vocês mesmos, administradores de vossas próprias necessidades. Igualmente, administradores dos vossos próprios meios e que poderão ser bem consideráveis. Pois, estas economias pequenas e individuais, somadas, poderão financiar muitos bons negócios. E serão vossos e de mais ninguém. Orgulhem-se disso.  Orgulhem-se de   vocês mesmos.”

Em todos os estados da Alemanha a sua voz se faz ouvir. E também os países vizinhos ouvem sua mensagem e a transformam em ações concretas.

Pouco antes de completar seus 70 anos de idade, dia 11 de março de 1888, ao meio dia, a morte o levou.

Em paz, como a um amigo. Um amigo da Humanidade.

Grandes Personalidades Alemãs

Friedrich Wilhelm Raiffeisen

GEMEINSAM STARK – Unidos e Fortes

==================

Tradução de Helio Lailheno Musskopf (in memorian)

==================

A pedra angular para esta obra progressista Raiffeisen colocou, inicialmente, através de uma organização de ajuda caritativa local para pessoas em comunidades catastroficamente assoladas pelo frio e a fome e só depois sabiamente foi estruturada, com profunda visão futurista, e comercialmente se consolidou. Sem as Cooperativas de Crédito Raiffeisen hoje não existiria uma política agrícola sadia, sem Raiffeisen a classe produtora rural teria perdido o elo de ligação à sociedade industrial.

Nada nos humildes projetos de vida do jovem Raiffeisen indicava que ele se tornaria um dia um dos maiores pioneiros do desenvolvimento humano e social. Porém, quando chegou a hora do nascido em 1818, como sétimo entre nove filhos do Prefeito Raiffeisen, de Hamm/Sieg tratar de uma carreira profissional, o pensamento foi muito prático. Como eles eram pobres e não tinham como custear os estudos num ginásio, mandaram o vocacionado jovem de 14 anos para a casa de um amigo Pastor. Através de aulas particulares – em contrapartida ele ajudava a trabalhar na roça – ele tinha que aprender o básico para ser aceito na Escola de Artilharia em Köln, onde jovens rapazes podiam estudar e formar-se gratuitamente. Em 1835 ele se apresentou como recruta voluntário. Em 1843 um grave problema de saúde visual o obrigou a ingressar em atividades civis administrativas. Dois anos mais tarde foi nomeado Prefeito do Município de Weyerbusch, que agregava 27 pequenas comunidades: uma mais pobre e abandonada que a outra. Devido a industrialização que estava chegando naqueles tempos as comunidades rurais empobreciam cada vez mais. A agiotagem reinava solta e muitas vezes as famílias perdiam casa e a propriedade para estes agiotas. “Aqui você não encontra nada para administrar, a não ser a miséria!”, foi dito ao jovem Raiffeisen por ocasião de sua posse. Dois antecessores seus já haviam capitulado. Raiffeisen aceitou o desafio. Já na sua adolescência ele se sentia fortemente influenciado pelas reformas sociais de um pensador chamado Stein e da personalidade de Pestalozzi , do qual se origina o slogan:

“É eterna profissão e dever dos fortes, ajudar aos fracos, ajudá-los a se auto-ajudarem!”

Mesmo que, inicialmente observado com desconfiança, lhe foi possível convencer os agricultores da necessidade de ser construída uma escola sadia e resistente às intempéries e uma estrada, que tiraria Weyerbusch do isolamento em que se encontrava. Ele próprio sacrificava parte de seu ordenado mensalmente, os agricultores transportavam areia, telhas e cal, os operários sacrificavam com dias de trabalho. Devedores de impostos sumidos foram convocados a cumprir com as suas obrigações para o pagamento de seus débitos, ou para o trabalho. A célebre frase usada por Raiffeisen: Um por Todos e Todos por Um” tornou-se realidade antes mesmo de ter sido formulada. Aí veio o ano da fome de 1846/47: Na sala de espera do Burgomestre – como era chamado o seu cargo – encontravam-se pessoas desesperadas. A colheita se perdera para a chuva. O inverno chegara violento. A região desapareceu sob a neve. Pão a maioria só conseguia comprar pagando juros escorchantes. Aí ocorreu a Raiffeisen uma ideia genial: com a ajuda de uma Comissão da Pobreza ele criou uma Associação de Panificação. Através de perspicazes negociações ele conseguiu um empréstimo para a Comissão, para a compra de farinha de depósitos do governo. Cada membro da Comissão colocou seus bens como garantia, ou penhor. Rapidamente surgiu a padaria. A partir daí a comunidade assou seu próprio pão e o repassava aos demais por preços especiais. Também em fiança, porém, sem cobrar juros. SEM COBRAR JUROS! O exemplo fez escola. Mas, assim que este caos estava resolvido, outro se anunciava: devido a fome, os agricultores haviam comido as próprias sementes que estavam reservadas para o próximo plantio. E a sobrevivência dependia da próxima colheita. Novamente a genialidade de Raiffeisen foi a vencedora.

Em 1848, já casado e pai de diversos filhos, foi transferido para Flammersfeld, onde fundou uma Sociedade para Apoio a Agricultores sem Recursos. Iniciou adquirindo vacas penhoradas e organizou Caixas de Empréstimos para pagamento direto. Após nova transferência para outra missão o slogan “Um por Todos e Todos por Um” se concretizou na criação das primeiras Cooperativas e suas filiais. Em 1865, quase cego, Raiffeisen foi aposentado. Para sua filha mais velha, Amália, ditou seu livro: “As Cooperativas de Crédito”. Com a ajuda deste livro as idéias e ideais de Raiffeisen se espalharam logo por toda a Alemanha e países vizinhos. Em 1876 ele fundou a Cooperativa Central de Crédito, a qual mais tarde tornou-se a Cooperativa Alemã Raiffeisen.

No ano antes de sua morte (1888) surgiu a Federação das Cooperativas do Sistema Raiffeisen, que levou a uma revolucionária evolução o Cooperativismo não só na Europa, mas muito além de suas fronteiras.

Leia mais sobre Friedrich Wilhelm Raiffeisen no link 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *