As possibilidades abertas pelo open banking são inúmeras, e vão de crédito de nicho com juros menores a inovações como serviços de análise de fluxo de caixa de empresas ou aconselhamento de hábitos de consumo por aplicativos. Apesar dessa infraestrutura que permite troca de informações de forma padronizada pelos bancos ter ganhado holofote nos últimos dias, a tendência é que no futuro nem nos demos conta da sua existência.
A avaliação foi feita por João André Pereira, chefe do Departamento de Regulação do Sistema Financeiro do Banco Central, ao 6 Minutos UOL. “No final das contas, a gente nem vai saber que tem open banking por trás. Nossa vida vai ficar muito mais fácil, e nossos filhos nem vão entender porque a gente tinha que ficar na fila do banco”, afirma.
Leia abaixo a entrevista completa.
Os bancos serão obrigados a compartilhar informações de clientes que assim autorizarem. Como será esse compartilhamento?
Primeiro, vamos dar um contexto do open banking, como vai ser a implementação. Sempre começo conversando de open banking explicando que não é um produto, diferentemente do Pix. Você vai lá e faz um Pix. No open banking não é assim. Não vai ter essa história, não é dessa forma. É um fundamento, e esse fundamento tem algumas premissas por trás, tem todo um conceito que é de compartilhamento de dados, de padronização, porque esses dados vão ser compartilhados conforme um padrão. Por trás disso, tem essa infraestrutura que está sendo construída para permitir essa troca.
Vamos ter uma grande tubulação que vai possibilitar essa passagem da informação. Mas quando? Quando as instituições construírem seus aplicativos, os seu sites, suas aplicações para que, de fato, possam capturar informações. Não é algo que vai acontecer do dia para a noite, vai acontecer conforme as instituições forem construindo essas aplicações. No dia 15 de julho essa infraestrutura deverá estar pronta, não sei se já no dia 16 haverá um caso de uso [como são chamados os projetos para utilização do open banking] ou outro.
Mas o que acontece a partir do dia 15 de julho?
O que vai acontecer é que os bancos terão que estar preparados para mandar essas informações. No dia 15, os maiores bancos [os dos segmentos S1 e S2, que reúnem as maiores instituições financeiras] terão que estar preparados para enviar essas informações conforme o meu consentimento.
Quais são as regras dessa infraestrutura?
E esses dados precisam estar num mesmo formato. A grande questão é: no dia 16, quantas instituições estarão preparadas para coletas essas informações? Quantos casos de uso haverá para tratar e cuidar desses dados? Por ser que alguma instituição já esteja preparada. Mas não é algo trivial, não é um produto, a coisa vai sendo construída.
O que importa é que, uma vez que o cliente queira passar informação de um lado para outro, já tenho toda essa base formada, essa tubulação construída para que isso ocorra com facilidade.
O que é preciso para o open banking ser um sucesso?
Há três questões importantes para que isso de fato aconteça. Em primeiro lugar, que essa tubulação esteja construída. Em segundo, é como o banco ou a fintech vai coletar aquela informação, como estará preparada.
Acho que isso vai acontecer rapidamente pela velocidade com que as coisas vem acontecendo. Hoje peço comida na internet e dali a pouco está na minha casa, peço um carro e de repente ele está na frente da minha casa. Tudo é muito rápido.
E quais os desafios que os entrantes do setor financeiro têm pela frente?
São duas etapas. A primeira é coletar o dado daquele cliente com quem tem relacionamento e que consentiu com a coleta daquele dado. O novo banco vai perguntar: você consente pegar dados do seu banco anterior para um propósito específico, como uma proposta para fazer um cartão de crédito? Se sim, a primeira coisa é que o novo banco tenha capacidade de pegar aquela informação. A fintech precisa criar uma API que consiga acessar os dados do banco original.
Essa informação fica dentro da tubulação, para que somente os bancos autorizados tenham acesso, por questões de segurança. A fintech vai lá, bate na porta do banco, e fala: meu cliente quer compartilhar informações. Isso é repassado para o cliente, que se identifica e consente. Isso será automatizado, essa autorização será dada por token, ou coloca a digital, põe a íris, é o mesmo processo atual.
Uma vez com os dados, a fintech faz um processamento para ofertar o melhor produto. Com a análise do seu comportamento, mesmo que você não tenha um emprego fixo, ela vai saber que você tem, por exemplo, um fluxo de caixa constante. Por essa característica, poderá te oferecer um cartão com juros mais baixos, por exemplo.
A diferença agora é que é como se a fintech te conhecesse há muito tempo. Isso facilita a vida dos entrantes no setor, há muitas instituições que muitas vezes não conseguem entrar no mercado porque não tem como criar esse relacionamento com os clientes. Posso ter um entrante que ofereça um produto, um capital de giro, algo específico, já analisando o comportamento como um todo do consumidor.
É o fim do relacionamento bancário?
O que acontece é que o relacionamento bancário muda de forma. Continua, mas muda em relação ao que a gente está acostumado hoje. É uma disrupção da fidelização do cliente, que era muito pautado no relacionamento antigo. Aquela credibilidade de que ‘estou há muitos anos aqui’ muda. A pergunta passa a ser: ‘qual o valor agregado que você me oferece nesse relacionamento?’. É isso que passa a fidelizar o cliente, não mais o relacionamento.
Os bancos precisam se reinventar, mudar a forma de atender as pessoas. O home banking está muito diferente, a forma de interagir com o cliente está muito diferente.
Quais exemplos de funcionalidades que o open banking permitirá?
Já tem algumas instituições que, com autorização, agregam informações de micro e pequenas empresas de dois ou três bancos e montam uma contabilidade daquela empresa, analisando o seu fluxo de caixa. E apontam: você está gastando mais ou menos aqui e ali.
Tem possibilidades ainda em inteligência artificial, com aplicações que olham o seu comportamento de pagamentos e agregam informação em cima de tudo o que está acontecendo com a sua financeira e mandam mensagem, explicam que tem uma feira mais perto, ou perguntam se você precisa realizar aquele gasto.
E tem as análises de crédito por fintechs, que irão customizando os empréstimos para diferentes perfis.
Em resumo, é um fundamento, que vai permitir que uma série de aplicações sejam criadas. No final das contas, a gente nem vai saber que tem open banking por trás. Nossa vida vai ficar muito mais fácil, e nossos filhos nem vão entender porque a gente tinha que ficar na fila do banco.
Fonte: 6 minutos UOL